Razões fortes

ademarbogoAdemar Bogo

ademarbogoEmbora a crença na deusa do acaso ou da sorte existisse desde a antiguidade, a figura da Roda da Fortuna só apareceu no século XV, quando, com quatro personagens compôs a ilustração. No alto, uma figura – metade anjo, metade demônio – com as orelhas de burro, representa a dupla natureza do poder; pela sua condição, apresenta-se com a inscrição, de “eu reino”. Subindo pelo lado direito, uma figura humana imbuída de vigor e decisão, descreve-se como “eu reinarei”. Descendo, pelo lado esquerdo, um indivíduo agarrado à roda, no entanto, está de cabeça para baixo, cuja definição é “eu reinei” e, na parte inferior, um sujeito humilhado, prestes a ser esmagado, sem poder algum, define-se pela inscrição “eu não tenho reino algum”.

Maquiavel, apesar da frieza racional, não se negou a utilizar a simbologia da Roda da Fortuna como sinal de sorte e condutora do destino dos governantes. No entanto, observou ele, que se podia superar as fragilidades, pelo uso da Virtú, que era justamente a capacidade de se precaver da imprevisibilidade do acaso.

Tirando ou acrescentando elementos, vivemos o tempo do acaso, ou mais popularmente falando, ao “deus dará”, no sentido mais mistificado possível. Se no alto da Roda temos a figura governante, metade anjo, metade demônio, que promete mudanças na campanha e em seguida, aplica o programa do adversário derrotado, dando aos capitalistas a possibilidade de fortalecimento das forças de direita; no outro lado, os partidos, com algumas exceções, sem credibilidade, estão sendo despachados de cabeça para baixo, fazendo jus à tríplice conjugação do verbo reinar: eu reinarei, eu reino, eu reinei.

Identificadas as três figuras da parte superior da Roda, resta-nos verificar mais detalhadamente quem é a quarta figura que está na parte inferior, jogada à própria sorte. Poderíamos considerar que sejam as massas populares, os índios, os quilombolas, setores violentados nos últimos anos em termos de negação dos direitos, mas a pouca organização de tais contingentes não decifra totalmente a imagem.

A figura deve representar uma força mais consciente, que espera agarrada à Roda, que ela se mova para sair da situação incômoda. No entanto, a Roda não se move, porque a direita, próxima ao poder, está com os pés suspensos e não pode imprimir nenhum impulso, e, também, contida pela legalidade, correria enormes riscos se tentasse romper a ordem burguesa de democracia. No entanto, isso não tira dela a possibilidade eminente de voltar a ser governo e sentar no topo da Roda da Fortuna nas próximas eleições.

Por outro lado, duas forças podem fazer girar a Roda: a deusa, pela sorte, e as forças conscientes e organizadas, pela condição em que estão podem colocar os pés no chão. No entanto, se a deusa do acaso gira a Roda, pela posição ascendente, a direita se instala no governo e despacha de cabeça para baixo o que lá está. Coloca, é verdade, as forças que estão embaixo em situação mais próxima do poder, mas estas sem terem os pés no chão, não terão condições de impulsionar qualquer mudança. Por outro lado, se as forças populares, com um forte impulso, no momento certo, fizerem com que a Roda gire, as forças de direita passarão pelo topo, mas, com a roda em movimento, elas serão empurradas para a posição seguinte e aí ficarão suspensas e de cabeça para baixo.

Para sair da situação incômoda é preciso ter razões fortes que originem ações fortes. Isto deve nos convencer de que devemos ir muito além do que uma esfarrapada reforma política.                                         

*Ademar Bogo é filósofo, escritor e agricultor.

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