Suspensão de saraus, violação de direitos e tirania na Universidade Federal do Acre

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Gerson Albuquerque

O teor do “comunicado” da reitoria (leia), publicado no site oficial da Universidade Federal do Acre (Ufac), desde a última terça-feira (15), causa certo mal-estar por sua tonalidade autoritária e por, em princípio, tratar todos os estudantes da instituição e demais pessoas que organizam ou participam dos saraus (shows musicais e outras atividades artísticas) no interior da instituição como potenciais “depredadores do patrimônio” ou, se seguirmos os muitos sentidos dicionarizados do verbo depredar, depauperadores, destruidores, arrasadores, assoladores, arruinadores, saqueadores etc, etc, etc…

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“É sabido”, diz a reitoria da Ufac, na abertura de seu comunicado. Mas, quem sabe? Com quem a administração dialoga? Que lógica patriarcal e de controle dos movimentos estudantis presidiu a ação da reitoria que, de acordo com suas palavras, “nos últimos dois anos (…) buscou auxiliar e orientar as representações discentes” na organização de eventos culturais ou festas de “socialização e integração” no interior do campus universitário? Creio que seria de bom alvitre trazer ao conhecimento público essas práticas assistencialistas ou, por que não dizer, clientelísticas, reproduzindo em âmbito interno, as conhecidas trocas de favores à base do “toma lá, dá cá” que tem norteado o mise en scène de gestores da “res publica” no Estado do Acre e no país, no passado e no presente.

Fiel à sua linha de abstração, segue o comunicado da reitoria, afirmando que “constataram-se acontecimentos desagradáveis, principalmente referentes à depredação patrimonial”. Quem constatou? Quais “acontecimentos desagradáveis” foram constatados? Quem os tipificou? Quem os promoveu? Quem são os sujeitos da “depredação patrimonial”?
 
Não obstante ao seu caráter atravessado, tal comunicado não apenas coloca sob suspeição uma parte significativa da comunidade universitária e demais participantes dos saraus, mas interdita o espaço público, ao “suspender” ou, o que dá no mesmo, desautorizar, proibir o uso e ocupação dos espaços coletivos dos estacionamentos e praças públicas no interior do campus universitário da Ufac para manifestações de natureza artístico-culturais e políticas, se levarmos em consideração o teor das propostas de bandas e grupos que têm se apresentado em saraus nesta instituição, à exemplo das bandas: “Violação Anal”, “Os discordantes”, “Mártires”, “Camundogs”, “Raul Seixas Experiência”, “Mogno”, “Psicofloral”, “ZooHumanos”, “Filomedusa”, “Parafal”, “Guerilha”, Rock Accalim, Caligulove, Pink Pussy, Renegado’s, Boldo & Menta, Rasta Crew, entre outras.

É completamente paradoxal que a “Administração Superior” da Ufac, para justificar a interdição, mesmo que temporária, dos espaços públicos da instituição, se utilize do argumento de que está preocupada em garantir “condições adequadas à segurança dos participantes nos eventos internos e resguardar o patrimônio”, tendo ciência que o campus sede não dispõe sequer de um Plano ou Sistema de Segurança cotidiana ao patrimônio público e, fundamentalmente, a todos os servidores e estudantes que integram a comunidade universitária ou às pessoas da comunidade que frequentam a instituição diariamente.

Mais paradoxal ainda é lermos que a “Administração Superior” informa que “a realização de saraus ou atividades correlatas está suspensa até o momento em que sejam institucionalizados mecanismos necessários ao bom funcionamento de tais eventos”. É estranho ler tais palavras logo em seguida ao seu signatário entoar sua suposta preocupação com a “segurança dos participantes” dos saraus, bem como do patrimônio. Será que vem aí mais uma obra alienígena, uma espécie de “saraulódromo”, com seguranças terceirizados fortemente armados e toda uma parafernália de iluminação e sinalizadores leds, regulando horários de entrada e saída, comportamentos e vestimentas adequadas para adentrar aos saraus, proibições de beijos, fumos, bebidas e outras manifestações “pecaminosas”?

O fato é que a reitoria da UFAC, ao suspender a realização dos saraus, passa por cima do próprio Regimento Geral, cujos aspectos disciplinares e absurdos artigos que dizem respeito ao acesso e permanência nos campi da instituição, foram ciosamente reformulados no início de sua gestão, inclusive, conferindo à vigilância o poder de “encaminhar” possíveis retardatários para fora dos espaços/ambientes institucionais, de forma voluntária “ou com auxílio policial, se for necessário”. Além do mais, não podemos esquecer que as “novas” normas institucionais – e inconstitucionais – atribuem ao reitor o poder de “determinar, excepcionalmente, a suspensão preventiva” de alunos acusados de “infrações cometidas com fortes indícios de autoria”.

A decisão de interditar os espaços públicos da instituição, constante do Comunicado em questão, é autoritária em todos os sentidos e deixa transparecer o que está por trás da máscara da “reitoria dos alunos”, que administra a instituição de maneira “moderna” pelo virtual mundo do Facebook e WhatsApp. Uma gestão que, incapaz de dialogar com os contrários, ou seja, incapaz de conviver com pensamentos, opiniões e valores diferentes dos seus, trata de silenciar-lhes ou, “democraticamente”, intimidar-lhes valendo-se, fortuita e equivocadamente, das prerrogativas do mandato legal, exercitando-se com base naquilo que Lima Barreto, em sua obra “Triste fim de Policarpo Quaresma”, classificou como uma “tirania doméstica. O bebê portou-se mal, castiga-se”.

Nessa direção, o “Comunicado da reitoria” é explícito: durante os dois primeiros anos, a administração da Ufac “buscou auxiliar” os alunos na realização dos saraus e, enquanto os mesmos “comportaram-se bem”, tal auxílio estava assegurado, inclusive com “mimos” institucionais. Porém, a partir do momento em que, por razões que o Comunicado não explicita, os alunos “comportaram-se mal”, os mesmos merecem o castigo da interdição ou suspensão de seus direitos e liberdades até que aqueles que sabem o que é bom para todos, ou seja, até que a irmandade de “administradores superiores” formulem e apliquem regras/mecanismos e sanções institucionais “necessários ao bom funcionamento de tais eventos”.

Encerro entrecruzando minhas veredas com as de Guimarães Rosa, para quem “aprender-a-viver é que é o viver mesmo”. Aprendemos a viver vivendo nossos pontos de vista e nossas opiniões como parte dos nossos compromissos com as causas e com os homens de nosso tempo: fazemos escolhas e as minhas são contrárias ao silêncio pusilânime e à omissão frente às artimanhas de “podres poderes” que violam as liberdades e impõem o tacão institucional, difundindo suas fantasias na vã tentativa de controle das mentes e dos corpos e na contramão dos princípios que devem nortear a gestão de uma instituição pública de ensino.

Gerson Albuquerque é professor associado ao Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre

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