24 de abril de 2024

EUA imperialista: decadência e isolamento

Sergio Barroso

Sergio Barroso *

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Sergio Barroso

Sergio Barroso *

A propósito, a dialética materialista incidente e emanada no movimento da contradição exige compreender o fundamento da contradição, a estrutura que a orienta, dirige, assim com a dinâmica que a alimenta. Do contrário, as veleidades sofísticas jamais aportarão maneiras de equacioná-las ou removê-las. [3]

Pântano ideológico e moral

Nessa problemática complexa, além de indispensável contra tergiversações metafísicas, a obra de Bandeira, em segunda edição em Mandarim, na China (2014), perscruta as entranhas da construção do império, desvelando, ademais, que não se pode chegar a conclusões realistas confabulando-se com tertúlias literárias de política externa. Bandeira produz capítulo a capítulo o entrelaçamento contínuo da conduta geral interna e externa dos EUA, sempre baseada na “predestinação divina”, o messianismo nacional herdado da tradição puritana judaico-cristã e fundamentalista. Evolução que se expressa por inteiro na arrogância, no militarismo e na mentira que se tornaram a cartilha pública dos governos fanáticos de G.W.Bush.

Assim, segundo Bandeira [4], ao recusar certas orientações de Z. Brzezinski, Bush já então levara os EUA ao “perigoso isolamento”, a uma “América isolada”. E ao transformar em política de Estado a tortura “terceirizada”, “estabelecer campos de concentração (Guantánamo, Abu Ghraib), desmoralizar todos os princípios do direito internacional, a soberania nacional e a autodeterminação dos povos” (idem, p.791), a política imperial dos EUA trocaram o “império da liberdade” trombeteado por Tom Paine na “liberdade para o império” (p.792).

Aliás, cumpre observar que, junto a “A segunda guerra fria. Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos. Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio” (2013), Bandeira dá curso a uma interpretação impecável da trajetória do império norte-americano buscando novamente um método ético que não lhe afeta o rigor do objeto pesquisado. Noutras palavras, o que resulta claramente da perspectiva imperialista dos EUA não é ali – nos dois estudos referidos – que se precipita qualquer conclusão subjetivista e deformada. No Prefácio ao explícito “O crepúsculo do império e a aurora da China” (2012) [5], em Bandeira a narrativa acerca da decadência aparece onde deve e como um recado antecipado aos sofismas do citado Anderson et alli:

[Em Noronha há] “…lúcida percepção das mudanças da correlação mundial de forças, demonstrando a erosão que corrói o Império Americano…cuja segurança depende cada vez mais do, poder militar a um custo insustentável, em contraste ao alvorecer da China”. “(…) Há alguns acadêmicos que tentam negar o declínio, com o argumento de que ainda são a maior potência militar do planeta…O poderio militar dos EUA, no entanto, tem limites econômicos e financeiros”.

Igualmente, Anderson comete a omissão quanto à fecunda apreciação dos inúmeros estudos de Hobsbawm, sobre as particularidades da política externa americana e as perspectivas do império.

A decadência indiscutível dos Estados Unidos da América e retratada de modo impecável pelo italiano Luciano Canfora, um grande especialista europeu no dissecar a involução das democracias burguesas do Ocidente. Em “Crítica da retórica democrática”, ele resgata o novembro de 2000 como tendo ocorrido um evento, talvez “o mais importante para o século que iria começar”: impôs-se a eleição de G. W.Bush mesmo ele tendo sido derrotado nas urnas quando a Corte Suprema dos Estados Unidos proibiu a recontagem dos votos da Flórida, o que o derrotaria![6]

Também em 2000, numa entrevista à revista Carta Capital, o sociólogo e profundo conhecedor do recôndito da moral norte-americana, Robert Bellah considerava que os Estados Unidos eram uma “sociedade em colapso”. Bellah se referia então à decadência da sociedade americana em relação aos valores que ela professa, onde uma sensação de mal-estar se desenvolvia ficando cada vez mais acentuada. Havia já uma perplexidade dos americanos “com a derrocada moral da sua sociedade”, quando percebem que seu sistema de poder não é compatível com a ideia de democracia que eles têm, concluíra L. Belluzzo quem entrevistara Bellah.

Numa angular correlata, a decomposição ideológica dos Estados Unidos aparece em espectros distintos com o suíço Jean Ziegler (“Ódio ao ocidente”, 2011). Nucleado pelos EUA, esse denominado Ocidente passou a despertar um ódio que “não é, em hipótese alguma, patológico”: sim, uma “paixão irredutível”, inspirada num discurso racional e estruturado, particularmente pelo que ele chama de “povos do Sul”. Na sua prática sistemática da arrogância, da humilhação, da exclusão periférica, o Ocidente há muito tempo não se dá conta da “do sentimento de rejeição que provoca”. [7]

Noutro denso livro – esse muito importante -, Niall Ferguson (“Civilização. Ocidente X Oriente”, 2012) desvela um belo painel as diversas formas de decadências dos impérios, ao metaforiza-las nas cinco pinturas de Thomas Cole. Quem teria ali captado artisticamente a ideia da “teoria dos ciclos civilizacionais”. As imagens desfilam sequencialmente com sendo em O estado selvagem, O estado pastoral ou arcadiano, A consumação do império, A destruição e concluem-se com A desolação – onde a lua sobre ela se ergue e não resta uma alma viva, só umas poucas colunas cobertas de arbustos e heras – escreve Ferguson.

Vendo mais na frente, Ferguson faz então verdadeira taxonomia de exemplos de declínios civilizacionais, e mais adiante, destacando lembrar processos de casos de “colapsos civilizacionais”, diz ele que eles “estão associados a crises financeiras e guerras”; que após a crise financeira atual iniciada em 2007, “a economia chinesa poderia ultrapassar a norte-americana em 2014” (o que ocorreu no final de 2013, em PIB por Paridade de Poder de Compra!). Assim – arremata – a crise iniciada no colapso das hipotecas subprime, deve ser compreendida “como aceleradora de uma tendência já consolidada de relativo declínio ocidental”. [8]

Mesmo o conhecido cientista político imperialista norte-americano, Zbigniew Brzezinski (“Strategic vision. America and the crisis of global power”) não consegue, repentinamente, disfarçar a sua decepção, embora imagine ainda poder existir algum meio impeditivo da bancarrota histórica:

“Em breve, a crise do poder global será a conseqüência cumulativa da mudança dinâmica no centro mundial de gravidade do oeste para o leste, do revestimento acelerada do inquieto fenômeno do despertar político global, e de perfomance nacional e internacional deficiente da América desde, o seu surgimento em 1990 como a única superpotência mundial”. [9]

Insisto: é suficiente para acompanhar a decadência multilateral dos EUA, apenas seguindo essa literatura, numa cristalina sequência: “A corrosão do caráter”, de Richard Sennett (Record, 1999); “Miséria à americana”, de Bárbara Ehrenreich (Record, 2004[2001]); “Colosso. Ascensão e queda do império americano”, de Niall Ferguson (Planeta, 2011[2004]); “A grande degeneração. A decadência do mundo ocidental”, de N. Ferguson (Planeta, 2013[2012]; e o recentíssimo “Desagregação. Por dentro de uma nova América”, de George Packer (Companhia das Letras, 2014 [2013]).

Auscultando o insight de Sir John Mackinder

A percuciente “revelação” de sir John Mackinder sobre um lócus decisivo para o protagonismo geopolítico no sistema de relações internacionais, e seus desdobramentos cruciais nos dias que correm, nem de longe aparece no livro de Perry Anderson. Por conseguinte passando-se ao largo do significado, por exemplo, dos recentes acontecimentos na Ucrânia.

Ora, é amplamente sabido que pertence a Mackinder a teoria – sempre referenciada – de que a Eurásia seria o “pivô do equilíbrio mundial” (1902). Os episódios dramáticos que ocorrem particularmente desde a desintegração a URSS lhe deram mais força ainda. Além de Afeganistão e Iraque, destaca Moniz Bandeira (Cap. IV) [10] a ação imperialista na Iugoslávia (2000), na Geórgia (revolução rosa, 2003), na Ucrânia (revolução laranja, 2004), Líbano (revolução dos cedros, 2005) e no Quirquistão (revolução das tulipas, 2005).

Retomando então a ideia do imenso alcance geoeconômico-geopolítico da Nova Rota da Seda e da multifacetada aliança estratégica entre a China e Rússia, Escobar ressaltou recentemente [11] que, após a parada de 9 de Maio (Dia da Vitória) em Moscou, 32 acordos foram assinados entre os dois países; o presidente chinês, Xi Jinping, construiu acordos e negócios no Cazaquistão e na Bielorrrússia. Para Escobar, dever-se-ia proclamar:

“Bem-vindos à Nova Ordem Mundial da Seda; de Pequim a Moscou em trem-bala; de Xangai a Almaty, Minsk e além; da Ásia Central para a Europa Ocidental”.

A Nova Rota da Seda Hoje expressa uma nova via comércial e geopolítica, ao que se acrescem as iniciativas do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, liderado por Pequim e apoiado por Moscou; o Banco de Desenvolvimento dos BRICs; onde Ásia Central, Mongólia e Afeganistão estão sendo puxados – “inexoravelmente”, escreve ele – para esta órbita compreendendo toda a Eurásia central, do norte e do leste. Uma “Grande Ásia” estaria agora se conformando, também do centro de negócios de Shanghai até a “porta para a Europa” que é São Petersburgo.

E mais uma vez desmentindo de Perry Anderson – para quem Rússia e China podem ser facilmente liquidados pelo belicismo dos EUA -, Escobar informa que o Pentágono só agora teria “descoberto” que a China tem até 60 mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) baseados em silos CSS-4, podendo atingir quase todos os EUA, exceto a Flórida. Ademais Rússia já construiu seu novo sistema defensivo de mísseis ultra-sofisticados S-500 (programado para proteger a Rússia contra um Ataque Global Imediato (Prompt Global Strike – PGS); e cada míssil S-500 pode interceptar dez ICBMs em velocidades de até 15.480 milhas por hora, em altitudes de 115 milhas e alcance horizontal de 2.174 milhas. De acordo com Moscou, o sistema só estará operando em 2017 e sendo a Rússia capaz de dispor de 10 mil mísseis S-500, interceptaria 100 mil ICBMs norte-americanos mais ou menos quando os EUA terão um novo presidente.

1) A decadência do imperialismo norte-americano não só é factual, multifacética, ademais parece mesmo expressar o declínio de uma civilização inserida no modo de produção capitalista e suas sociedades burguesas; seus impasses inúmeros e crise frequentes, estruturais. Por óbvio, não há fatalismo histórico, mas são mais que evidentes as tendências plasmadas. Basta enxergar a humilhação do governo dos EUA agora, durante inúmeros anúncios de cooperação bilionária – e em dólares! – feitos pelo Estado chinês à Rússia, ao Brasil, à Índia e a países da América Latina, por exemplo, enquanto Obama implora “esmolas” de acordos comerciais ilusórios e sem futuro algum.

2) Não pode haver debacle imperialista terminal ou iminente. Isso é artifício demagógico e oportunista – como faz Anderson no aludido estudo – para, inutilmente, paralisar o movimento das contradições objetivas e subjetivas – as do terreno das ideologias. No curso do ocaso dos Estados Unidos, a emergência de um ou outros polos de construção contra-hegemônica é processo lento, envolvendo necessariamente moeda, economia, posição militar e geoeconômica no sistema de relações internacionais. Não á toa os movimentos de retificação estratégica frente a Cuba e ao Irã: contra face do isolamento do império.
Podemos afirmar aqui: na medida em que a complexificação do fenômeno do desenvolvimento global é notável, as leis e exploração estratégicas das contradições para a derrocada do império não se repetem ipsis verbis.

* Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB

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