Contrapolítica

João Paulo Cunha

João Paulo Cunha

João Paulo Cunha*

João Paulo Cunha

João Paulo Cunha

Nos anos 1970, o pensador austríaco Ivan Illich, um dos mais radicais críticos da sociedade industrial, propôs o termo contraprodutividade para explicar a contradição que regia nosso modelo de civilização.

Para ele, as instituições criadoras de valor, como a medicina e a escola, por exemplo, em determinado momento, para manter sua forma doentia de desenvolvimento, passam a confrontar com seus próprios objetivos.

Para provar sua tese, ele escreveu livros de grande impacto que defendiam que a escola pode deseducar e a medicina, com seus excessos, adoece as pessoas.

Podemos utilizar essa regra para vários momentos da vida do homem na sociedade contemporânea. Depois de determinado limiar, tudo que foi criado para facilitar e melhorar a existência começa a jogar contra o patrimônio.

Assim, quanto mais velozes os carros, mais parado o trânsito; quanto maior a produtividade agrícola, menos qualidade nos alimentos com seu sobrepeso de veneno; quanto mais moderna a tecnologia da informação, menor contato entre as pessoas. A contraprodutividade é o limite real dos nossos sonhos, prova de nossa insensatez e fracasso explícito do desejo de onipotência.

A ideia de Illich vale também para as instituições e formas de convivência. Como a política. O caso brasileiro, neste sentido, é exemplar. O atual momento de conflagração, ainda que pareça à primeira vista uma exacerbação da política, parece ter gerado sua sombra mais desmobilizadora e negativa. Não há nada menos político que a política no Brasil.

As pessoas que sempre se sentiram “diferenciadas”, e por isso isentas de se manifestar sobre questões públicas, chegam às ruas com camisas da Seleção ou vão às varandas bater panelas com um ressentimento vazio e incapaz de diálogo. E, com ares toscos de La Pasionaria, acham que estão dando lições de cidadania.

Já os políticos, que deveriam ter experiência nesse campo, deixam de lado a história, a ideologia e os programas para operar uma oposição mecânica e automática. Não há disputa responsável de projetos, mas um jogo de tudo ou nada, que parte das questões de comportamento e direitos humanos para chegar às políticas públicas e à economia. Vivemos uma situação típica de contrapolítica, de esvaziamento da política em razão de sua perversão rumo aos resultados imediatos e aos interesses privados.

Assim como a medicina moderna criou doenças, a política atual é responsável uma capa de alienação arrogante. Não é um acaso que a presidência da Câmara e do Senado estejam nas mãos do mais contrapolítico dos partidos, o PMDB (uma frente de grandes achaques e pequenos negócios), e dos mais contrapolíticos dos políticos, Eduardo Cunha e Renan Calheiros.

No âmbito da economia, o excesso também se transformou em sintoma de escassez: quanto mais riqueza, mais injustiça e concentração de renda; quanto mais abonado o cidadão, menos responsável pela dívida social; quanto maior a empresa, maior a desoneração.

Os debates em torno do ajuste fiscal são vitrines dessa inversão de valores. Os custos da crise recaem prioritariamente sobre os trabalhadores; o ajuste retira direitos e aumenta juros para preservar o sistema financeiro. No campo do trabalho, em vez da expansão do emprego, ameaça-se com a terceirização. Não se fala em cobrar dos mais ricos, taxar fortunas e heranças, estimular o crescimento, completar a espiral do consumo com bens mais valiosos, como serviços públicos de qualidade. O remédio é sempre o corte.

A contraeconomia é a tradução da crise em forma de austeridade que penaliza a vítima, para manter o ambiente florescente para o capital especulativo. Se a economia é a ciência da riqueza do homem e da distribuição da riqueza entre os homens, Joaquim Levy é um contraeconomista de mão cheia. E é por isso que foi escolhido para a função de condutor do ajuste fiscal. Ele faz exatamente o que se esperava dele.

Assim como a tecnologia em suas várias dimensões pode gerar retrocesso e barbárie, a contrapolítica e a contraeconomia desaguam na desmobilização, ódio de classe, empobrecimento do trabalhador, autoritarismo e injustiça social. E, o que é pior, com fumos de modernidade e avanço.

Em pouco tempo o desempregado passou do posto de exército de reserva para o de incompetente. Em breve vai ser descartado da humanidade. A terceirização, neste contexto, pode ser lida como uma forma perversa e operativa de prescindir das pessoas para preservar o lucro: um capitalismo ideal, sem trabalhadores.

É o cenário que nos ameaça na esquina do tempo. Illich chega até aqui. Daí para frente, haja Marx e Freud.

 

* João Paulo Cunha é jornalista.

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