18 de abril de 2024

Partir para o ataque

João Paulo CunhaJoão Paulo Cunha

João Paulo CunhaUma casa movida a golpes. É como está sendo escrita a história da Câmara dos Deputados sob a presidência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Assim como havia feito com a votação do financiamento privado de campanhas – rejeitado num dia e posto de novo em votação no outro, com alterações cosméticas -, a farsa se repetiu. Desta vez em relação ao projeto de redução da maioridade penal.

O domínio aparentemente absoluto do evangélico e reacionário Eduardo Cunha indicava que a votação se daria de acordo com sua habilidade de manipular o “baixo clero” e o regimento em nome de seus interesses e de seus grupos financiadores.

Um misto de atraso moral, desprezo pelos direitos humanos e ambição conduzida com método. Perdida a primeira batalha, ele lançou mão de sua sagacidade em torcer as regras em direção a seus propósitos. No dia seguinte, ao lado de mais de 300 parlamentares, pôde celebrar a barbárie.

Mas jogar toda a culpa no deputado carioca pode esconder outras graves questões políticas em torno da manobra. Em primeiro lugar, a ausência de uma cultura democrática no Legislativo que se mostrasse capaz de barrar pretensões personalistas tão evidentes.

Mais que não saber perder, o que o caso evidencia é a incapacidade de aceitar regras universais, que fazem do debate racional e informado, um estágio além da mera consulta sobre preferências censitárias e convicções pessoais.

E o que é mais grave e precisa ser destacado: a proposta foi vitoriosa no plenário. Ou seja, foi aprovada por ampla maioria. Os deputados que votaram pelo “sim” não aceitaram apenas o jogo proposto pela presidência da Casa – de repetir a votação com intervalo de apenas um dia -, como também confirmaram de forma indiscutível seu assentimento à redução da maioridade penal. Um atestado de ignorância sociológica, má-fé histórica, miopia de classe e equívoco em termos de política de segurança.

O resultado é a confirmação do perfil conservador de grande parte do Legislativo brasileiro, o que torna ainda mais perigosa a forma como vem sendo conduzida a agenda política nacional, sobretudo nos temas relativos aos direitos humanos, à defesa da economia nacional, à política externa independente e à regulação dos meios de comunicação. Há uma atmosfera de “não passarão” em torno das pautas populares.

Necessária união

No entanto, é preciso destacar o papel exercido pelos movimentos sociais, estudantis e entidades de direitos humanos, que foram capazes de marcar posição firme em torno da questão. A causa do menor de idade teve o poder de recuperar uma união necessária, numa era de inflação do individualismo e carência de atitudes coletivas.

O Brasil vem navegando de forma cínica em direção ao obscurantismo. Mesmo as reações, quando ocorrem, parecem se dar no vazio social, sem capacidade maior de vocalizar a indignação e botar o bloco na rua. A política vem sendo lentamente deslocada de seu lugar natural para o artificialismo dos conchavos e acordos, de onde começa a surgir um sopro de “parlamentarismo branco”.

A ação não pode ser ordenada em etapas ou fatias. Não há que se esperar a superação da crise econômica ou o esgotamento da estratégia golpista da oposição para que outras questões ganhem a proa do debate público.

Tocada pela imprensa familiar, a agenda foi sendo tomada por uma operação que esvazia o sentido político e econômico dos principais temas nacionais, em nome de um ataque genérico à corrupção como raiz de todas as mazelas. Mais que enfrentar os desvios, propinas e superfaturamentos, a mira oposicionista assesta os adversários ideológicos e as conquistas sociais.

É hora de mobilização permanente em todos os espaços ameaçados. A capacidade de pressão de jovens, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos de defesa da criança e do adolescente, coletivos de combate à violência e à discriminação, núcleos de estudo, grupos políticos e cidadãos conscientes foi decisiva para o endurecimento do jogo. A causa merecia.

Foi preciso enfrentar a polícia e a truculência; organizar fóruns e fazer a guerrilha da informação; mobilizar ações concentradas e interferir na pauta pública do setor de segurança e direitos humanos; gritar, protestar, agitar e propor. Fazer política.

Outras questões estão esperando o mesmo empenho e capacidade de reflexão e atitude. A esperteza de Eduardo Cunha vai exigir também capacidade de enfrentar os adversários em seu campo aparentemente defeso. Os partidos de inspiração popular precisam incorpar sua capacidade de resistência e buscar amparo em sua base social. Tem hora de votar, de gritar e de virar a mesa.

A boa política, feita na palavra e na marra, em doses e nos momentos certos, está indicando que o caminho mais viável, efetivo e moderno é o que parte de baixo para cima. É hora de ir para cima.

 

*João Paulo Cunha é jornalista

 

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