18 de abril de 2024

“O crime organizado afronta o poder público, que está perdendo a guerra”, diz sindicalista

“De dentro de um presídio, líderes do PCC mandaram executar o agente Anderson Albuquerque", disse Adriano Marques/Foto: ContilNet

“De dentro de um presídio, líderes do PCC mandaram executar o agente Anderson Albuquerque”, disse Adriano Marques/Foto: ContilNet

Onde os serviços essências do Estado não chegam, o crime organizado se instala. Uma política de segurança depende, necessariamente, de uma política de Estado. Desenvolvimento deve gerar empregos e distribuir renda, com a consequente melhoria na qualidade de vida da população. Esses arrazoados, que mais parecem de um sociólogo, são do presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindap), Adriano Marques, 33 anos, ao analisar a segurança pública e crise que se instalou no Acre nos últimos dias.

O Brasil, segundo ele, é o país das desigualdades, da corrupção e a violência é mera consequência dessas e de outas contradições. “A pobreza não é causa da violência. Mas quando aliada à dificuldade dos governos em oferecer melhor distribuição dos serviços públicos e oportunidades de trabalho, torna os bairros pobres mais  atraentes para a criminalidade e ilegalidade”, avalia Marques.

Os países desenvolvidos, prossegue ele, mesmo com uma formação político-econômica liberal, aprimoram-se nas relações sociais até consolidarem do Estado do Bem Social e o exercício do estado democrático de direito. “A prova cabal disso é que na Europa se investe maciçamente em prevenção. No Brasil e no Acre a segurança pública se resume a repressão”.

Independente do ponto de partida, uma coisa é certa: a violência revela indubitavelmente a ausência do Estado. Quase sempre isso se dá nos chamados espaços segregados, áreas em que a infraestrutura urbana e os serviços essenciais são precários ou insuficientes, além, é claro, da baixa oferta de postos de trabalho. Neste sentido, portanto, a violência resulta da inoperância e inabilidade administrativa dos gestores públicos.
Os sucessivos governos petistas tentaram camuflar essa realidade. Na semana passada, criminosos instaram terror e pânico nos bairros, submetendo a população acreana a um verdadeiro pandemônio.

Em ações premeditadas, dois agentes penitenciários tiveram suas casas queimadas e o irmão de um terceiro o caminhão. “De dentro de um presídio, líderes do PCC mandaram executar o agente  Anderson Albuquerque. A cúpula de segurança, por sua vez, negou veementemente que existisse ligação com o crime organizado no Acre. Ao contrário, dizia que éramos o ente federativo que mais investia em segurança pública.

Há três meses, o próprio Adriano Marques foi vítima de um atentado que só não se consumou por causa da intercessão de um colega. “Eu não quis dar publicidade para não atrapalhas as investigações”, afirma Adriano Marques, elogiando os servidores da segurança pública, para quem são verdadeiros heróis anônimos. “O ser humano policial, precisa estar motivado, com boas condições de trabalho e salários dignos”.

Leia a entrevista do sindicalista a seguir:

ContiNet – Como o senhor avalia os últimos acontecimentos na segurança pública, que levaram pânico e medo à população acreana?

Adriando Marques – Estamos vivendo uma sensação de insegurança. A violência nos faz reféns do medo. Esse medo também é fruto da insegurança de cidadãos que vivem a mercê do perigo, de pessoas que saem de casa, mas não têm certeza se voltam.  Perdeu-se o respeito e a tolerância. Antigamente havia liberdade de ir e vir, hoje, temos toque de recolher. Ao longo dos anos, a segurança foi negligenciada e cultura da violência foi banalizada. O barril de pólvora explodiu. O que vimos, na capital e no interior, foi o poder paralelo desafiando o estado democrático de direito. Foram cenas de uma tragédia anunciada, pois Rio Branco é a 15 capital mais violenta do Brasil. E foi isso que eclodiu nos últimos dias no Acre. O crime organizado no Acre afronta o poder público, que está perdendo a guerra e colocando em risco a vida de operadores da segurança e da população em geral. Não precisamos de fórmulas e super-heróis, mas de políticas públicas de Estado. Espero que, depois desses episódios, esses gestores verdadeiramente repensem suas ações e cumpram os seus papeis. Em 2013, eu entreguei um dossiê relatando a existência de fações criminosas e seus líderes. O objetivo era alertar para o que estava acontecendo e o que poderia acontecer.

"Estamos vivendo uma sensação de insegurança. A violência nos faz reféns do medo", disse o sindicalista/Foto: ContilNet

“Estamos vivendo uma sensação de insegurança. A violência nos faz reféns do medo”, disse o sindicalista/Foto: ContilNet

O que está acontecendo com o sistema prisional do Acre?

Há alguns dias, um delegado afirmou que cerca de 70% roubos, assaltos e furtos eram praticados por presos nos regimes aberto, semiaberto e condicional. Como percebemos, é preciso mudar a legislação. Mas o poder público também não cumpre a lei de execuções penais, que é garantidora de direitos fundamentos dos presos. Isso causa revolta entre eles e é elemento motivador para se entrar para o crime organizado. Um exemplo: celas que eram para ter dois presos têm sete. Com mais que o dobro de sua capacidade, o sistema prisional acreano seria um espaço para a reeducação e, por conseguinte, de reinserção social, mas se transformou em uma universidade do crime.  Não basta construir presídios. É preciso repensar todo o sistema. Fugas, tentativas e homicídios, abuso sexuais, prostituição, pedofilia, consumo de drogas circulação de dinheiro, rebeliões, planejamento de assaltos e assassinados, ou seja, o sistema prisional é um verdadeiro caos.

E como é a vida dos agentes penitenciários?

Cerca de 80% da nossa base possui curso superior. Sequer temos equipamentos para a nossa própria segurança. Estamos na ponta do problema, guarnecendo pessoas que a sociedade já rejeitou. O problema zero um é o efetivo reduzido. As guaritas externas dos pavilhões, por exemplo, não estão guarnecidas. Também faltam equipamentos de segurança e proteção para nós. A gente vive sobre constantes ameaças. Por quê? A PM faz a abordagem inicial com o cidadão infrator e o encaminha à Polícia Civil. Esta faz a investigação e, no caso de condenação, remete-o para o sistema prisional. Em síntese, a gente lida como o ‘produto final’ da segurança pública. Somos trabalhadores, pais de família e qualificados para o exercício da função. Perdemos vários colegas e até hoje esses crimes não foram esclarecidos. A responsabilidade é do governo estadual.

O que o senhor propõe para minimizar esses problemas?

Propomos a imediata instalação de monitoramento por sistema de vídeo, integrado em todas as unidades do Estado, 24 horas por dia. Precisamos de scaneres corporais e a imediata instalação de bloqueadores de celulares. Também precisamos da imediata abertura de concurso publico para aumentar o nosso efetivo. Os presídios são barris de pólvora que começaram a explodir. Os presos têm todo tempo do mundo para fazer planejamentos. Não existe um treinamento contínuo e muito menos um programa para cuidar da saúde mental do servidor. Temos casos de surtos psicóticos, síndromes do pânico, gastrites nervosas e distúrbios do sono. Tudo isso é consequência do stress funcional e da elevada jornada de trabalho. Estamos no topo das profissões mais estressantes e perigosas do mundo, segundo dados da OIT.

E se os mais de 2 mil mandados de prisões pendentes fossem todos comprimidos?

Seria um caos completo, um verdadeiro pandemônio, pois já estamos superlotados. Precisamos de mais unidades prisionais no interior. Mas não é só isso que vai resolver. Trata-se de um problema social e econômico, aliado à desagregação familiar com a ausência de valores humanos, morais e éticos. O ser humano não nasceu com propensão ao crime. Ele é engrenado na máquina social, que, na maioria das vezes, é excludente e preconceituosa. Os jovens são maioria nos presídios. Eles estão sendo tragados pelo consumo e tráfico das drogas. Isso aumenta muito a delinquência social.

Porque o senhor chama o gestores da segurança pública de irresponsáveis  e incompetentes?

"No dia 17 de junho deste ano sofri uma tentativa de homicídio", disse Adriano/Foto: Arquivo Pessoal

“No dia 17 de junho deste ano sofri uma tentativa de homicídio”, disse Adriano/Foto: Arquivo Pessoal

Incompetente porque não querem combater efetivamente a criminalidade, uma vez que não mostram empenho e tampouco valorizam os operadores de segurança pública, que ganham míseros salários e enfrentam as piores condições de trabalho possíveis. Quem estiver contra a segurança pública estará contra a sociedade. Eles não contratam mais servidores nem pagam um salário digno. Apenas ficando dizendo o que é para ser feito. Quero ver essas águias do direito trabalhando nas delegacias, quartéis e presídios sucateados. Isso sem contar a falta de equipamentos, material, banheiro e até água. O governo deveria levantar as mãos para os céus e agradecer a Deus todos os dias pelo fato de ali existirem heróis anônimos e guardiões da sociedade. Irresponsáveis porque poderiam ter evitado dezenas de mortes.

O senhor já foi ameaçado ou sofreu algum atentado?

Fui ameaçado de morte inúmeras vezes. Já entraram três vezes na minha casa e atiraram na porta.  O último agente assassinado, o Anderson, morava a 400 metros da minha residência. Eu escutei os tiros que o alvejaram e fui um dos primeiros a chegar ao local. Um dia antes, tínhamos participado de uma operação especial e, por causa disso, fomos marcados para morrer pelo PCC.  O Anderson foi executado por essa facção. No dia 17 de junho deste ano sofri uma tentativa de homicídio.

O senhor pode explicar como isso aconteceu?

Eu estava em uma confraternização e, quando ia embora, um traficante me atingiu na cabeça com uma garrafa. Já cai desmaiado e com fraturas expostas no nariz. Isso está tramitando em segredo de justiça. Foram identificados os agressores, sendo que um deles está foragido na Bolívia. Os bandidos só não concluíram o serviço porque um colega meu interveio.  Os agentes penitenciários fazem a segurança uns dos outros.

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