26 de abril de 2024

Em entrevista à ContilNet, Paolino disse que queria ser enterrado em cemitério humilde na floresta

Era fim de tarde de 02 de abril de 2012 quando as irmãs Wania Pinheiro e Silvania Pinheiro chegaram para uma visita ao padre Paolino Maria Baldassari, em sua residência da Igreja Católica, em Sena Madureira. Releia essa entrevista sobre a bela história de um dos maiores ícones do Acre e da Amazônia:

Entardecer entrevistando o padre Paolino Maria Baldassari, 86 anos, seria um simples final de dia para qualquer jornalista experiente, diferenciando apenas o fato deste italiano, nascido em Bolonha, residindo há 58 anos no Acre, ser um vigário agarrado a causas nobres que impressionam os mais solidários e ousados religiosos.

Recém-saído de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em Brasília, padre Paolino, velho conhecido dos seringueiros e dos indígenas da Amazônia, passou por dias maus, tendo que ser submetido a uma cirurgia de hérnia e um cateterismo, antes confundido por alguns médicos com uma pneumonia.

PAOLINO E SILVA

Paolino mostra marcas das agulhadas que levou em hospital, durante entrevista com a jornalista Silvania Pinheiro/Foto: Wania Pinheiro/ContilNet

 

“Fizeram todos os exames, e no final viram que o problema estava no coração. Não sinto dores, somente tosse”, conta ele, relaxado e entusiasmado com o desembarque em Sena Madureira, município distante 144 quilômetro de Rio Branco, aonde Paolino espera viver até o último dia de sua vida.

Entretanto, os dias finais do conhecido “Santo do Iaco” não estão contados. Empolgado para rezar as missas de domingo, colocar em dias os assuntos administrativos da Igreja Nossa Senhora da Conceição, matriz coordenada por ele, ele lamenta apenas a dieta encomendada pelos médicos. “Eles me mandaram comer bastante, mas não tenho fome. Quero cuidar da minha igreja e dos meus fiéis”, afirma.

Filho de Arthur Baldassari e Angelina Zanarini, o pai, um pedreiro, construtor de igrejas, batalhava arduamente, após a guerra, para sustentar os oito filhos. Paolino, seguia o mesmo caminho para ajudar a família se doando também ao trabalho braçal. “Eu comecei a trabalhar para ajudar minha família. Me sentia responsável por ela. Mas, Deus me mostrou que ela não precisava de mim. Meu irmão me doou milhares de dólares para ajudar o Acre, e um exemplo é a Fazenda Esperança, que compramos para recuperar dependentes químicos, que custou R$ 200 mil”, relata.

Numa entrevista a Agência de Notícias ContilNet, padre Paolino discorre sobre assuntos simples, porém pessoais. Diz que já escreveu três cartas para a presidenta Dilma Rousseff, conta como se tornou padre, fala sobre sua luta em defesa dos povos da floresta, diz que reza pelos evangélicos, explica porque não vai a velórios, comenta sobre os 34 mil batizados realizados no estado, as 82 malárias na qual foi acometido, o susto com a doença que lhe levou a passar dias numa UTI e revela o que é notório para um homem que escolheu servir a Deus e ao ser humano com toda sua força e essência: sua pureza sexual.

SILVANIA E PALI

Os indígenas do Acre vivem hoje um verdadeiro caos /Foto: Wania Pinheiro/ContilNet

 

Agência ContilNet – É verdade que o senhor escreveu três cartas para a presidenta Dilma Rousseff?

Padre Paolino – Sim.

Agência ContilNet – É o que o senhor falou a ela?

Padre Paolino – Falei sobre o manejo sustentável, que para nós é manejo insustentável.

Agência ContilNet – O senhor tem cópias das cartas?

Padre Paolino – Não.

Agência ContilNet – E o senhor não usa internet?

Padre Paolino – Não. Só escrevo. Enxergo melhor com o olho direito para ler e o olho esquerdo para ver de longe.

Agência ContilNet – O senhor está em fase de recuperação de um problema cardíaco após ter passado alguns dias internado numa UTI, em Brasília. Como está sua saúde agora?

Fui campeão de malária. Ganhei até do bispo Dom Júlio Mattioli,que pegou 36

Padre Paolino – Fiz uma cirurgia de hérnia e teve consequências. Fui para Brasília. O Tião Viana fez de tudo para me levar. Lá, eu fiquei num hospital que uma cadeira de roda custa R$ 70 mil, contei mais de 40 enfermeiros e os exames do coração são feitos no nosso quarto mesmo. O médico mandou eu comer muito, tomar meus remédios, mas o trabalho pesado não foi proibido. . Agora estão cansado. Antes eu andava 50 quilômetros a pé, agora com 50 metros estou cansado (risos). Estou usando um sapato que antes eu tinha raiva. Achava que era vaidade, coisa de playboy, mas vi que são confortáveis e que fazem bem para os pés.

Agência ContilNet – E o senhor não teve medo de morrer?

Padre Paolino – Não. Mas eu gosto de viver. Quando morrer, quero ser enterrado no cemitério humilde de um seringueiro, a floresta

Agência ContilNet – Quantas malárias o senhor já pegou nas inúmeras desobrigas que fez pelos rios da nossa região?

Padre Paolino – 82 e várias infecções intestinais. Fui campeão de malária. Ganhei até do bispo Dom Júlio Mattioli,que pegou 36.

Agência ContilNet – O senhor está no Acre há 58 anos. Como o senhor veio para a Amazônia e é possível retornar para Itália depois de décadas?

Padre Paolino – Tinha 15 anos quando entrei no seminário. Escolhi morar no Acre quando eu ainda estava lá. Eu conhecia o estado através de uma revista missionária dos Servos de Maria, que falava das desobrigas do padre Miguel nos rios Iaco e Purus, em 1942. Quando cheguei aqui, fui para Brasiléia, Boca do Acre e então Sena Madureira. A cada dez anos eu vou à Itália, mas hoje há poucos parentes. Quando vivemos muito, muitas pessoas que amamos morrem ao longo desse tempo. Lá, tenho um sobrinho meu de 36 anos que é padre. Ele esteve aqui em Sena, e levei ele para acampar no Caeté.

Agência ContilNet – O senhor é um dos médicos mais procurados pelos seringueiros, indígenas e pessoas de classe alta. Como conciliar a medicina e a prelazia?

Padre Paolino – Quando eu era criança, entre 7 e 8 anos, admirava os médicos e os padres pela disposição deles em atender um chamado de emergência do seu próximo. Na minha mente lembro que uma vez minha irmã estava com pneumonia e eu vi meu pai desesperado a espera do médico. Ele chegou na neve, encapuzado, montado num cavalo, e disse: Arthur, só vim atendê-lo porque escolhi ser médico e fiz um juramento de nunca negar assistência a ninguém, pois hoje estou mais doente do que sua filha. Então, eles eram meus heróis, pois naquela época não havia TV, rádio ou internet. Eu gosto de cuidar dos doentes. Uma vez uma mulher me procurou e gritava de dor de cabeça, e eu disse: espera aí, que vou te botar boa em cinco minutos, e coloquei.

Minha família me ajudou em tudo, e um exemplo foi a Fazenda Esperança que compramos por R$ 200 mil reais

Agência ContilNet – É verdade que o senhor não vai à velórios?

Padre Paolino – Deixei de ir a velório depois que vi que as pessoas vão para esses locais tomar café, falar alto e beber álcool, muitas vezes. Aconteceu a primeira vem em Brasiléia, e a partir daí eu disse que esperaria o morto na igreja. Faço a missa de Sétimo Dia. Fiquei escandalizado com o que vi, mas acho que o padre não pode faltar a um velório.

Agência ContilNet – Há ideia de quantos batizados e casamentos o senhor já realizou no Acre?

Padre Paolino – Casamentos não sei, mas batizados foi algo em torno de 34 mil.

Agência ContilNet – Como o senhor analisa a situação dos valores da família e da vida atualmente?

Padre Paolino – O mundo está virado.

Agência ContilNet – Como é o seu devocional?

Padre Paolino – Eu rezo três vezes ao dia.

Agência ContilNet – E a sua relação com os evangélicos?

Padre Paolino – Eu rezo por eles. O que queremos é que existam pastores cada vez mais dedicados para levar o Evangelho para a mata, os pobres, os índios, os seringueiros. Respeito todos que nasceram evangélicos, como os que nasceram católicos também devem ser respeitados. Só não entendo porque uma pessoa diz que deixou de beber depois que mudou da igreja católica para evangélica. Por que ela não deixa de beber na Igreja Católica mesmo. A igreja não manda ninguém se embriagar, se prostituir, ou cometer outros pecados. Essas são decisões pessoais. Falam sobre adoração de imagens. Conheço o Salmo 121, e gosto dos santos. Quando eu cheguei no Acre, apenas os Pinheiros, do rio Macauã, eram católicos, o restante das famílias eram evangélicas. O problema é que banalizaram as religiões. Todo homem precisa dela, e com o tempo retornam. Foi assim com os anglicanos, os luteranos. Lamentavelmente quando se quer acabar com uma pessoa se fala mal dela.. Confundiram tudo.

padre paolino verme

Paolino Baldassari foi o padre mais amado em Sena Madureira e um dos mais queridos no Acre

 

Agência ContilNet – O senhor sabe que é muito amado pelo Acre?

Padre Paolino – Alguns me amam, outros têm raiva de mim.

Agência ContilNet – Como é sua relação com a imprensa. O senhor gosta de jornalistas?

Padre Paolino – As vezes sim, outras não. Têm o costume de falar o que a gente não disse.

Agência ContilNet – Qual o seu maior sonho para o Acre e a Amazônia?

Padre Paolino – Meu maior desejo era que os seringueiros soubessem ler. Hoje, quero continuar servindo as pessoas através do Evangelho e da medicina.

Agência ContilNet – E existe algo que o senhor não fez?

Padre Paolino – Fiz muitas coisas, mas nem tudo deu certo. Me lembro que uma vez que fui a pé de Sena para Rio Branco, mas depois dos 80 anos a gente percebe que a nossa força cai.

Agência ContilNet – É verdade que sua família já doou milhões para o Acre?

Padre Paolino – Meu irmão já me ajudou muito. Quando quero ir à Itália, ele manda minhas passagens. Minha família me ajudou em tudo, e um exemplo foi a Fazenda Esperança que compramos por R$ 200 mil, aparelhos de ultrassonografia para o hospital Santa Juliana, além das construções que fizemos como escolas, cooperativas, marcenarias, e muitas outras coisas.

Agência ContilNet – Quanto a relacionamentos pessoais, o senhor nunca se apaixonou?

Padre Paolino – Não. Tinha 14 anos quando decidi ir para o seminário. Além do mais, havia uma pobreza extrema naquela época e uma religiosidade muito forte.

Agência ContilNet – Os indígenas do Acre vivem hoje um verdadeiro caos no tocante a estrutura de saúde oferecida pelo Governo Federal. Além desse problema, há ainda os casos de miséria, prostituição, fome e outros. Sua convivência há mais de 45 anos com esses povos lhe traz a memória alguma solução para esses problemas sociais?

Padre Paolino – O problema dos índios é um só: eles morarem na cidade. É necessário que sejam tomadas atitudes imediatas para que eles voltem para o seu habitat natural, voltem a produzir seu alimento, seus medicamentos naturais. Lamento muito a situação em que eles se encontram. Antes eu não deixava eles virem para cidade, e quando vinham, só trazia de dois, e eles ficavam na igreja comigo. Não iam para rua, onde o acesso ao álcool e a festas são fáceis. Acho que muitas pessoas tentaram ajudá-los, mas pensando fazer o bem, fizeram o mal. Eu mesmo deu gado e motores para eles, e deu tudo errado. A aposentadoria, então, foi o fim deles.

Agência ContilNet– Por que, padre? A aposentadoria não é um direito do cidadão.

Padre Paolino – Sim, mas deve-se encontrar uma forma de levar esse benefício até eles, já que quando eles chegam na cidade vão em busca dos prazeres da vida urbana. Os Kulinas estão todos alcoolizados, homens, mulheres e crianças. É uma pena!

Agência ContilNet– E de quem é a culpa?

Padre Paolino – Da ganância.

Agência ContilNet – De quem, padre?

Padre Paolino – Os índios por si só não têm noção de maldade, dos riscos que a vida aqui fora oferece, o mal que o álcool pode fazer ao ser humano, e hoje, por conta da ganância de muitos, estão sendo penalizados. Quando eu ficava por meses nas aldeias com eles, eles me pediam: “Paolino, traz álcool pra nós”. Mas, eu dizia: não. Vamos plantar, construir as casas e se consultar. Nós fazíamos entre 40 a 70 consultas médicas por dia. Eles têm fé em mim porque são um povo simples e humilde.

Agência ContilNet – Então, o problema seria político, administrativo, ou o quê?

Padre Paolino – Não adianta colocar a culpa nos governos e nas prefeituras. O Jorge Viana, o Tião Viana, o Binho, eu mesmo, todos tentaram ajudar os índios. O Jorge Viana deu motores para os índios e eles colocaram óleo de cozinha no que deveria colocar gasolina. Eles ganharam as belas embarcações e afundaram todas, além de desativarem 22 motores. Os indígenas eram para viver bem nas suas aldeias, mas muitos deles estão perdidos. Hoje, vários caciques recebem dinheiro para ajudar seu povo, mas os índios vêm para cidade tomar banho de esgoto e se alcoolizar. Essa é a triste realidade. Os Jaminawas, então, estão uma desgraça. Parece um círculo vicioso, que não se resolve. A única maneira seria voltar ao sistema antigo de seringal, dando condições para eles fazerem seu roçado, material para pesca. O melhor presente que você pode dar para um índio é um anzol.

paolino de costas

Paolino: “Deixei de ir a velório depois que vi que as pessoas vão para esses locais tomar café, falar alto e beber álcool, muitas vezes”

Agência ContilNet – Não existiria uma política diferenciada para ser aplicada em favor dos indígenas?

Padre Paolino – Alguém tinha que administrar esta situação, mas deveriam ser leais a eles e não enganarem. Antes, eles eram sadios, não tinham doenças. Hoje, há casos de miséria, fome, prostituição e até DST`s como gonorreia. Agora, não adianta fazer sanitário e chuveiro para índios que vivem nas aldeias. Isso é uma estupidez. Já vi eles ganharem bombas para puxar água e levarem a bomba para ser usada nos motores dos barcos. Aqui em Sena mesmo eu fiz a Casa do Índio, e eles chegavam de madrugada, alcoolizados, queimando tudo, arrancando o assoalho. Eles têm sua própria cultura e isso deve ser respeitado. Eles merecem respeito e atenção. Os índios têm grandes qualidades que devem ser reconhecidas, e defeitos que devem ser compreendidos.

Agência ContilNet – E as entidades responsáveis por esses povos, o que estão fazendo?

Padre Paolino – Depois de ter visto os fracassos da Funasa, do Cimi, da Uni e os meus, me dei conta de que o gado foi o princípio do alcoolismo. Por que eu tinha que dar gado para eles? Quanto a Funai, eu sempre estive em guerra com ela porque eu queria os índios nas aldeias e ela inventou de levar os índios para Brasília e para os Estados Unidos.

Agência ContilNet – O senhor tem preferências políticas?

Padre Paolino – Nunca votei na minha vida.

 

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