Eleições na Ufac: o Minotauro, o Labirinto e o Fio de Ariadne

“Você também vai votar no Minotauro, professor?” Indagou-me,
recentemente, uma aluna de graduação da Ufac, lançando mão de uma
interessante metáfora para falar das açodadas “eleições” para a reitoria e a
vice-reitoria da Universidade Federal do Acre (Ufac), quadriênio 2016-2020.
Resumidamente, a metáfora se refere a uma das mais conhecidas
narrativas da mitologia grega, que trata do labirinto construído pelo rei Minos
na cidade-estado de Creta para aprisionar um de seus filhos, Minotauro, híbrido
de homem e animal, à quem era sacrificada, de tempos em tempos, certa
quantidade de rapazes e moças atenienses. Teseu, herói de Atenas, decepa a
cabeça do Minotauro e consegue sair do labirinto graças à Ariadne, também
filha de Minos, que lhe entregara uma espada mágica e um novelo de um fio
especial utilizado para marcar o caminho e sair do interior do labirinto.
Creio ser desnecessário enfatizar que a riqueza e a ampla gama de
reflexões que esse mito nos possibilita, nem de longe tem a ver com a face
ordinária das coisas e das palavras dos tempos que, atualmente, vivenciamos
no interior da Ufac. Porém, as referências a três de suas figuras-chave: o
monstro no labirinto, o próprio labirinto e o fio de Ariadne, como idealizado na
provocativa interrogação da aluna, servem de ponto de apoio para as
considerações que ora apresento.
A metáfora do mito nos possibilita surpreender parte das dimensões
labirínticas em que está submetida a Ufac, com seu milionário orçamento anual
sendo decidido ao sabor de projetos de ocasião, deliberados sem a
participação dos devidos colegiados e em conformidade com as fantasias e
pirotecnias de “poder” que substituem o fortalecimento do tripé ensino-
pesquisa-extensão por políticas de balcão, inauguração de garagens e cafés
da manhã, construção de quiosques e chafarizes ou a produção de impactos
ambientais com a construção de blocos de salas sobre vertentes d’água,
barragens em áreas de várzeas para a implantação de “espelhos d’água” e
destruição de diferentes habitats no câmpus universitário de Rio Branco.
“Eleições” açodadas, ou seja, antecipadas ou precipitadas, feitas às
pressas, interditando o amplo debate sem nenhuma razão que justifique tal
antecipação, posto que os mandatos dos atuais reitor e vice-reitora se
encerram no mês de novembro e, de acordo com a legislação em vigor, essas
eleições poderiam ser realizadas até o mês de agosto. Sua antecipação em, no
mínimo, três meses representa um atentado às conquistas democráticas que
obtivemos no interior da Ufac desde o ano de 1984, quando elegemos pela
primeira vez o reitor desta instituição.
A quem interessa esse açodamento ou essa precipitação? Aos seus
atuais dirigentes e às forças obscuras que jogaram a instituição em um
verdadeiro labirinto, esvaziando as possibilidades de uma formação acadêmica
de qualidade, substituindo-a por políticas privatizantes e toda uma maquiagem
institucional que oculta o aviltamento das condições de trabalho de seus
Inovar é sinônimo de ruptura, não de repetição
Em novembro de 2012, os atuais reitor e vice-reitora da Ufac assumiram
a direção da instituição prometendo “inovação”. “Inovação” que, pelos números
disponibilizados pela Pró-Reitoria de Planejamento da instituição para o
orçamento do ano passado, tem dupla face: uma face que está estampada no
irrisório valor de um milhão e meio de reais destinados ou planejados para
todas as ações de ensino, pesquisa e extensão (centros e cursos de graduação
e pós-graduação); a outra face que está estampada no absurdo valor de,
aproximadamente, dezoito milhões de reais alocados na Prefeitura do Câmpus
para despesas com manutenção, dos quais, cerca de oito milhões foram
destinados, literalmente, para as privadas empresas de serviços de segurança,
Foi com base no ocultar da primeira face e no revelar da segunda que a
“In-ova Ufac” apareceu para a sociedade acreana, posto que, enquanto as
ações de pesquisa, ensino e extensão foram duramente limitadas com os
poucos recursos para as atividades fins da instituição, a administração
superior, alicerçada em vultuosas quantias de recursos públicos, fez
proselitismo eleitoreiro por quatro anos seguidos, pintando prédios de tijolo
aparente, instalando painéis eletrônicos, totens e chafariz na entrada da
instituição, construindo quiosques e iluminado lagos, investindo em campanhas
publicitárias e promovendo festas anuais com distribuição de brindes nas
conhecidas práticas do “pão e circo” para a comunidade acadêmica, com
Não por acaso o processo de eleições foi abreviado e transformado em
uma espécie de plebiscito para sufragar as aspirações daqueles que, mesmo
estando no controle da administração superior, jamais saíram do palanque
eleitoral e, evidentemente, sem disposição para receber críticas, participar de
qualquer debate com o mínimo de seriedade ou responder perguntas para as
quais não existem respostas convincentes. Foi isso que fez com que as regras
para as “eleições” fossem aprovadas na segunda quinzena de fevereiro, as
inscrições de chapas na primeira quinzena de março e as eleições
plebiscitárias agendadas para o dia 19 de abril. Se levarmos em consideração
que a previsão para as posses de reitor e vice-reitor é no mês de novembro de
2016, podemos ter uma visão clara do tipo de estratégia que presidiu esse
calendário eleitoral inédito e “in-ovador”.
No mesmo diapasão e com a mesma velocidade que norteou a definição
do calendário das “eleições”, no primeiro dia de campanha eleitoral, a entrada
da instituição foi tomada por pró-reitores e ocupantes de cargos de direção,
distribuindo o programa e adesivos publicitários da chapa dos atuais reitor e
vice-reitora, candidatos a reeleição. Tudo muito bem elaborado graficamente,
em quatro cores e papel couchê de 90 e 120 gramas. Embalagens sofisticadas
para (re)apresentar um velho produto à comunidade universitária,
especialmente, aos alunos recém ingressos na instituição. Aliás, outra coisa
inédita na Ufac, tem sido o modo desrespeitoso com que pró-reitores e outros
ocupantes de cargos de direção vinculados à administração passaram a atuar
– na condição de cabos eleitorais – se utilizando das prerrogativas dos cargos
e com acesso privilegiado a informações e cadastros de alunos, professores e
técnicos para invadir suas caixas de mensagens eletrônicas, apresentando
seus candidatos e pedindo voto e apoio ao atual reitor e sua vice.
(Re)apresentados para “In-ovar Mais”, Minoru Kinpara e Margarida
Cunha coroam quatro anos de palanque eleitoral. (Re)apresentação tendo
como base de apoio um slogan completamente paradoxal para aqueles que
pretendem continuar nos cargos que ocupam há quatro anos. Contraditório,
mas compreensível e afinado com o que temos vivenciado por trás das
fachadas, lagos ionizados e acelerada privatização interna, isto é, uma
encenação de quinta categoria, na qual as palavras são utilizadas apenas para
ocultar e velar os sentidos e as imagens, desprovidas de significados, apenas
para “fazer passar gato por lebre” e produzir quimeras que, em médio prazo,
desaparecerão deixando em seu caminho um rastro de coisas sem sentido e
uma instituição narrada em números sem nenhuma correspondência com a
O fato é que ao divorciar seus atos das palavras e anúncios feitos à
imprensa e em eventos coletivos, os atuais ocupantes dos cargos de reitor e
vice constituíram-se como figuras cuja natureza não temos como definir. Uma
coisa híbrida, a exemplo do monstro do Labirinto de Creta, movida por práticas
anti-políticas que sacrificam a convivência com o contrário, a crítica, o debate
aberto, a coexistência com pensamentos e opiniões contrárias, substituindo o
essencial do mundo acadêmico por coisas superficiais, fachadas, perfumarias,
piadas de mau gosto e retóricas de conveniências.
O mais lamentável de tudo isso é que a comunidade universitária,
especialmente, suas entidades sindicais e estudantis abdicaram de seus
papéis históricos e da crítica a todas as formas de desmandos e casuísmos
internos e, em silêncio, chancelaram as eleições plebiscitárias. Mais que isso,
profissionais sérios e comprometidos com a Ufac, a exemplo dos professores
Carlos Eduardo Garção e João Lima, como forma de se opor a uma política de
desmonte da instituição acabaram se inscrevendo nesse processo e lançando
seus nomes em uma disputa eleitoral caracterizada por regras, prazos e
procedimentos desiguais e assimétricos que têm a única finalidade de conferir
mais quatro anos de “in-ovação” na reitoria e vice-reitoria, com a dupla Minoro
Em minha opinião, o único caminho a ser seguido por todos aqueles que
vivenciam e se dedicam cotidianamente à instituição seria a denúncia desse
processo casuístico e a recusa em participar do mesmo. Ao participar de tal
processo, as candidaturas de Carlos Garção, reitor, e João Lima, vice-reitor,
embora legítimas, contribuem para normalizar e legitimar um processo tecido
para ampliar os becos sem saída do labirinto em que a Ufac foi transformada.
Na condição de intelectuais que não se deixam dobrar frente às
artimanhas do poder instituído, esses dois candidatos entraram no labirinto
para derrotar o grotesco, mas, ao contrário da narrativa mítica, desprovidos da
espada mágica e do fio de Ariadne, têm que enfrentar seus oponentes com as
armas e as regras forjadas por seus próprios oponentes, frente a juízes
simpatizantes ou adeptos da ordem e dos ordenamentos de ocasião: o
Não existe disputa ou competição se as regras não são isonômicas ou
se as condições não são de absoluta igualdade entre os competidores. Nesse
caso, mais que a precipitação do processo, o poder econômico e o
aparelhamento da instituição por uma das chapas da contenda, notadamente,
visualizada na ação – sem pejo – dos pró-reitores, evidenciam que as
condições de igualdade e, portanto, de disputa não estão dadas. Participar de
um processo dessa natureza, submetendo-se a procedimentos casuísticos
significa ser vencido não somente por seus oponentes, posto que se trata de
uma vitória circunstancial, mas claudicar frente às suas palavras vazias e
condutas equivocadas e nefastas a toda uma comunidade acadêmica.
As plebiscitárias eleições para a reitoria e a vice-reitoria da Ufac
acontecem no momento em que está em curso, no âmbito do Parlamento
Brasileiro, uma das mais extraordinárias farsas da história deste país: um
processo de impeachment contra uma presidente da república, aliás, a única
mulher a assumir esse cargo em mais de 120 anos de vida republicana. Um
impeachment tecido em torno da fábula do combate à corrupção, uma fábula
midiática e jurídico-parlamentar movimentando paixões e alimentando empatias
em torno de uma espécie de “onda verde e amarela” que identifica milhares de
pessoas com coisas genéricas e superficiais, em uma espécie de “mentalidade
de rebanho”, para usar a expressão de Friedrich Nietzsche, marcada na
compulsão dos corpos de seus participantes, nos recalques de seus egos
pautados pela violenta lógica da exclusão do outro e pela ausência da reflexão
como referência de inserção no espaço público.
Para deixar muito claro o lugar de onde manifesto minhas opiniões, não
pretendo desfiar um rosário de questões e acontecimentos que me levaram,
inúmeras vezes, ao longo dos últimos quase quinze anos, a participar de atos
de protestos e movimentos sociais contrários ao governo federal nas duas
gestões de Lula e, em seguida, de sua sucessora, Dilma Rousseff,
especialmente, por seu “casamento” com o modelo neoliberal de desmonte do
estado de bem estar social e consequente distanciamento da pauta de
esquerda, da tópica, dos direitos sociais e das amplas liberdades individuais e
coletivas. Não tenho nenhum compromisso ou responsabilidade com esse
governo, nem com sua mímese em níveis de estado do Acre e município de
Rio Branco, mas não faço coro com a produção discursiva de um processo de
impeachment capitaneado pelas bancadas ruralistas e fundamentalistas do
Congresso Nacional e por setores das forças mais reacionárias, conservadoras
e autoritárias da sociedade brasileira.
Curiosamente, a discussão sobre o que está acontecendo na sociedade
brasileira e todo o processo que movimenta milhares de pessoas nas ruas e
praças do país, em torno da luta pelo controle da máquina pública ou do poder
executivo brasileiro, que possui vinculações umbilicais com a universidade, tem
sido tratado com um absurdo silêncio pelas candidaturas que disputam o
controle da gestão pública nesta Instituição Federal de Ensino (IFE),
especialmente, as candidaturas do atual reitor e da vice-reitora, que tentam se
perpetuar nos cargos, posto que, desde que assumiram a reitoria, sempre
foram os porta-vozes de todas as formas de ingerências do governo federal
dentro da Ufac, sabotando sua autonomia em parcerias público-privadas,
beneficiando os grupos de empresários de serviços terceirizados e da
construção civil, simultaneamente, ao desmonte do tripé ensino-pesquisa-
Repleto de palavras de efeito e graficamente bem apresentado, o “Plano
de Trabalho” de Minoru e Margarida, distribuído no interior da Ufac, guarda um
absurdo silêncio com relação ao que está em curso no país. Provavelmente,
com receios de se comprometer com parte substancial de seu eleitorado, que
participa da “onda verde e amarela”, supostamente, contrária à “corrupção”,
com sua conveniente omissão e redução de aparições públicas ao lado do
deputado Sibá Machado ou em reuniões e almoços de reitores à convite de
Dilma Rousseff, o reitor e a vice-reitoria contribuem para alimentar o engodo da
trama de um processo de impeachment conduzido por Eduardo Cunha, contra
quem é dirigida grande parte das acusações e processos de casos de
corrupção. É essa conduta, a forma absolutamente banal e questionável com
que os atuais reitor e vice-reitora da Ufac conduzem seus atos na gestão da
instituição que torna grotesca a (re)apresentação de seus nomes com
paradoxais proposições de mudanças, modificações e reformas da instituição.
 
Gerson R. Albuquerque
 
Centro de Educação, Letras e Artes
 
Universidade Federal do Acre
 
Professor Associado
 
Nota da Redação: Esse texto foi escrito no dia 9 de abril de 2016.
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