19 de abril de 2024

“Toque de Silêncio”: 185 policiais militares morreram no Acre em uma década e meia

 

A cena se repete. O cortejo fúnebre chega ao cemitério escoltado por várias viaturas policiais. Muitos outros policiais comparecem fardados, mesmo estando de folga, para poder acompanhar as últimas homenagens a um colega que honrou a promessa de dar a vida pelo Acre com seu próprio sangue.

O policial falecido é escoltado pela guarda fúnebre para as honras militares. Primeiro o cortejo para diante da guarda de honra que, perfilada com fuzis, fazem a salva de tiros. Nesse momento o corneteiro toca o “toque de silêncio”, um dos toques de corneta mais tristes que existe, que mais parece um lamento.

Lamento mesmo, um estudo inédito feito pela Associação dos Militares do Acre (AME) revela que em uma década e meia, ou seja, nos últimos 16 anos, 185 policiais militares morreram. Do total, 63% das mortes foram violentas. Os dados mostram que o militar acreano morre em serviço. Os dados mostram que 42% das mortes violentas foram homicídios e 38% em acidentes de trânsito. Quem não morre fardado está se suicidando (16%).

“A Polícia precisa passar a pensar o policial dentro de uma concepção não somente de um trabalhador, mas de um ser humano que precisa a todo momento ter políticas preventivas quanto as principais causas mortes”, disse o presidente da Associação dos Militares do Acre (AME), Joelson Dias, durante entrevista exclusiva à ContilNet.

A análise foi gravada no prédio da AME, no centro de Rio Branco. Na confortável sala de reuniões, entre um café com tapioca, bodó, pão com ovos e leite, Dias foi revelando os números, alguns surpreendentes.

A pesquisa mostra, por exemplo, que o maior percentual entre as causas de morte de policiais militares é o infarto, a doença representa 21% dos casos. Há informações da Polícia Militar de São Paulo, que aponta o militar com uma tendência cinco vezes maior de sofrer ataques cardíacos do um trabalhador civil.

“O estresse, a vigilância constante e a carga horária indefinida são fatores apontados pela instituição paulista como causas do infarto no militar. No Acre em 2006 foi o ano que mais morreram policiais por causa dessa doença”, acrescento Dias.

As informações do estudo serão repassadas à Policlínica e ao Comando da PM. A ideia é que médicos e especialistas em saúde desenvolvam ações preventivas voltadas para os militares. A instituição quer criar debate que gere estratégias positivas para a Caserna.

Em resumo, segundo Dias, Policial militar não é uma máquina para o trabalho, precisa de cuidados especiais para prevenir doenças.

Acompanhe a entrevista na integra com Joelson Dias concedida ao jornalista Jairo Carioca.

Jairo Carioca – Qual o objetivo da AME em fazer esse estudo aprofundado que mostra as causas mortes entre PMs no período de 2000 e 2016?

Joelson Dias – A Associação é parte desse projeto, ela não tem somente a responsabilidade de cuidar da parte política e jurídica de seus associados, mas da prevenção, do policial militar não apenas como profissional, mas como ser humano.

Jairo Carioca – A partir da coleta desses dados, qual será o próximo passo da Associação, vocês pretendem aprofundar esse estudo e o debate?

Joelson Dias – Todas essas informações serão repassadas à Policlínica e ao Comando da PM. Eles poderão fazer ações preventivas voltadas para os policiais militares. A ideia é o estado criar uma discussão que gere ações positivas e voltadas para os policiais militares.

Jairo Carioca – A pesquisa mostra que o maior percentual de causas mortes é o infarto, em seguida é que se apresentam as mortes violentas. Isso surpreendeu a Associação?

Joelson Dias – O infarto ficou em primeiro lugar, representa 21% das causas mortes de policiais militares nos últimos 16 anos. O caso de homicídio representou a segunda causa das mortes, chegando a 17%, em seguida acidente de trânsito.

Esses acidentes representam a morte do militar em serviço. Em perseguição ele perdeu o controle da motocicleta, ou acaba de alguma maneira sofrendo acidente. Isso demonstra o caráter especial da nossa profissão, que de fato, protege a sociedade com sacrifício e às vezes com a própria vida.

Jairo Carioca – Quando se versa sobre as categorias Oficiais e Praças, constatou-se que entre todos os casos pesquisados, 96% era de praça e 4% de oficiais?

Joelson Dias – As doenças que mais vitimaram os oficiais foram o infarto, com três casos, seguido de Câncer com dois casos registrados. Ao todo a pesquisa registrou 7 oficiais. Já entre os praças, dos 18 casos levantados, o infarto representou 18,5%, seguido de homicídio com 15%, acidente de trânsito com 14,5%, câncer 9,5% e a cirrose 7,8%. Esse índice de cirrose mostra que a Polícia Militar não está preparando seus profissionais para a reserva. A saída tem sido a busca pelo álcool.

Jairo Carioca – E a situação entre ativos e inativos, o que a pesquisa responde com relação a essas categorias?

Joelson Dias – Quando se trata de inativos, temos que incluir os militares reformados. A maior parte dos militares que morreram estava ainda na ativa, representando 58%. Os da reserva também estão morrendo de infarto, foram 78 casos.

Mas tem um outro dado que preocupa, que são os casos de cirrose e câncer, com 13 caos registrados cada. Já entre os ativos, a principal causa de morte foi o homicídio com 22,4% de um total de 107 casos registrados, seguidos por acidentes de trânsito, 20,5% e o infarto com 16,8%.

Jairo Carioca – Esses casos de mortes violentas estão relacionados a onda de insegurança que o Estado vive desde o ano passado?

Joelson Dias – Toda e qualquer ação de homicídio, pelo menos o que se registrou, está relacionada ao aumento da criminalidade no Estado. Nós tivemos de 2012 a 2016 o aumento significativo de mortes violentas com policiais vítimas. Ano passado tivemos cinco mortes. Em 2009 foram seis homicídios. Isso para nós é muito preocupante.
Desse total, 96% dos que morreram de forma violenta são praças, apenas 4% oficiais. O policial durante o serviço de sua atividade está sendo ceifado da sociedade ou sofrendo as consequências de outras doenças em função da profissão.

Jairo Carioca – A profissão do militar é uma das de maior risco hoje?

Joelson Dias – Sim, isso já foi atestado pela Organização Mundial da Saúde. Ela além de ser uma das atividades mais perigosas do mundo é também a mais estressante. No caso do infarto, o policial militar tem cinco vezes mais chances de sofrer ataques cardíacos. O estresse, a vigilância constante e a carga horária indefinida são fatores apresentados como de risco. O no tocante a violência, além do militar ser elemento de combate, ele também se torna vítima.

Jairo Carioca – Quando se fala em carga-horária não definida, abre-se um debate muito pontual com relação a profissão de militar no Brasil. O que você acha disso?

Joelson Dias – O fato de não termos uma legislação que estabelece uma carga horária definida é muito prejudicial. Um estudo da Polícia Militar de São Paulo mostra que quando o militar completa os seus 30 anos é como se ele tivesse trabalhado 43. E o estudo do Exército vai além, afirma que 30 anos é como 45 de serviço. Então aposentadoria especial para militar é um conto de fadas, se for contabilizar a carga horário de um servidor civil comparando com a do militar, vai se observar uma disparidade muito grande.

Olha que não contamos aqui hora-extra, reuniões para assuntos relativos à profissão, formaturas gerais de orientação coletiva, a hora a mais em uma ocorrência de flagrante delito, educação física, depoimentos em audiências judiciais, deslocamento para outros municípios. Ele trabalha até mais 45 previsto pelo exército. Policial militar não é uma máquina para o trabalho, precisa de cuidados especiais para prevenir doenças. É preciso trabalhar remuneração, para que ele não procure outra atividade para fazer.

Jairo Carioca – Como vocês (AME) pretendem trabalhar essas demandas junto ao comando politicamente? Mesmo com a chamada para concurso, o déficit de profissionais ainda é grande, esses problemas ligados à carga horária vão continuar?

Joelson Dias – Essas informações foram cedidas gentilmente pelo Comando. Eu acredito que o Comando seja sensível a esses dados, estamos longe da política, tratando a vida do policial militar como alvo. Hoje nosso déficit está acima dos 80%. Para os próximos oito anos os dados são piores. De um efetivo de 2.518 anos espalhado em todo o estado, 600 devem se aposentar. Pessoas fora do serviço fim, chegam a mais de 500.

Hoje para a atividade fim a gente precisa de muitos profissionais. Não vejo perspectivas de solucionar, vamos continuar com problemas de escalas de serviços. O banco de horas supre essa necessidade, mas ao vender sua folga para o governo e a iniciativa privada, ele vai para o sacrifício. O Quartel é a primeira casa do militar e a família é a segunda. Psicologicamente isso traz danos grandes.

Jairo Carioca – Tem questões que precisam ser resolvidas na esfera federal. Como vocês pretendem trabalhar essas questões no Congresso?

Joelson Dias – Nós estamos vinculados a Associação Nacional das Entidades Representativas dos Militares Estaduais e Corpo de Bombeiros Militares do Brasil (Anermb), algumas coisas avançaram como a morte do policial militar ser tratada como crime hediondo, foi uma das defesas encampadas pela Anermb e outras entidades fizeram. Hoje estamos em uma manifestação grande tratar sobre a Previdência. Não temos hora-extra, não ganhamos adicional de insalubridade, FGTS, não temos carga horária definida.

De todos os direitos do servidor civil só temos seis. Não somos tratados de forma especial, nada mais justo do que o estado ofertar um sacrifício pra gente. O presidente Michel Temer tirou os militares da reforma, algumas coisas ainda nos preocupa como a paridade. Aqui no Estado perdemos um posto a mais, os 20% de inatividade, mudanças na alíquota de pensão, a previdência aumentou de 11% para 14%, ou seja, contribuímos com o estado além daquilo que ele contribui com a gente. Existem problemas para se resolver na esfera federal, mas a maioria pode ser resolvida aqui mesmo.

Jairo Carioca – Como a AME viu a decisão do STF de proibir a segurança pública de fazer greve?

Joelson Dias – A Polícia Militar já não podia fazer greve, mas quando ele trabalha nessa perspectiva ele dar um recado muito claro: o Estado está se preparando para uma reforma que vai abranger vocês, mas o Estado vai amarrar a todos, porque a partir do momento que o Estado decreta a ilegalidade de uma ação de um sindicato, a Justiça vai dizer “Olha, se vocês não voltarem ao trabalho nós vamos aplicar multa, a multa é pesada e pode destruir um sindicato”.

É o estado se armando contra o servidor público. Faz com que membros da Segurança Pública sejam tão engessados como a PM é hoje. Os sindicatos precisam agir, problemas podem acontecer e eles não poderão se utilizar de uma força que é justa e que até pouco tempo era legal, que era a greve.

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost