20 de abril de 2024

Por que será que as pessoas se interessam tanto por teorias da conspiração?

Em 27 de março, o acriano Bruno Borges desapareceu na capital Rio Branco. No quarto do estudante de psicologia foram encontrados 14 livros escritos à mão e criptografados. Nas paredes, teto e chão, mais escritos e símbolos alquímicos dispostos de forma simétrica.

Para completar o estranho cenário, uma pintura que retrata Bruno sendo tocado por um extraterrestre e uma estátua do filósofo Giordano Bruno (1548-1600), mandado à fogueira da Inquisição por criticar a Igreja Católica.

Reprodução do quadro no quarto de Bruno com um alien a seu lado. Foto: Reprodução/TV Globo

Investigada pela polícia, a história do desaparecimento ganhou as notícias e viralizou na internet. Logo vieram as teorias da conspiração. O que teria acontecido com Bruno?

Nas redes sociais, milhares de pessoas buscavam decifrar o código e os enigmas. Internautas chegaram a dizer que o jovem seria a reencarnação de Giordano Bruno e que estava terminando seu trabalho filosófico. Outros entenderam que ele teria feito uma projeção astral para outra dimensão, perseguido por ordens secretas ou abduzido por seres cósmicos.

“Realmente o trabalho que o Bruno teve foi muito grande. Mas a gente foi investigar e conversou com o pessoal da maçonaria no Acre. Ele não era conhecido no meio. A impressão que eles têm é que o cara quer fazer marketing com o livro. Ele deve estar escondido voluntariamente em algum lugar e vai voltar”, opina Marcelo Del Debbio, criador do site “Teoria da Conspiração”, que faz uma coletânea de autores sobre temas ligados ao ocultismo.

Após analisar as imagens do caso, Del Debbio cita diversos símbolos já conhecidos. O suposto “círculo mágico” desenhado aos pés da estátua era uma cópia do anime japonês “Full Metal Alchemist”. O código de criptografia dos livros faz uma versão do Alfabeto Templário, usado na Idade Média pelos maçons e que foi publicado no “Manual do Escoteiro Mirim”, livro que marcou a infância dos anos 1980.

Del Debbio se dedica a investigar boatos e a interpretar símbolos esotéricos. Ele é escritor, especialista em história da arte e ocultismo. “Trabalhei com o pessoal do site ‘E-farsas’, onde ajudei a desvendar assuntos de religião. O que eu busco é desmistificar as teorias de conspiração.”

O desaparecimento do acriano virou um dos líderes entre os assuntos mais comentados no Twitter, mobilizou a comunidade do site e a audiência disparou. “Todo mundo gosta desse tipo de assunto”, completa Del Debbio.

Por que as pessoas acreditam

O termo “teoria da conspiração” se refere a uma hipótese que busca explicar eventos que não podem ser analisados de forma científica. Geralmente é a tentativa de desvendar mistérios que rodeiam fatos políticos, sociais, culturais ou históricos.

Quem nunca suspeitou de um fato? Um estudo de 2014 da Universidade de Chicago indicou que 55% dos norte-americanos dizem acreditar em pelo menos uma teoria da conspiração. São ideias que estão em todo lugar, podem ser desde especulações divertidas a coisas consideradas malucas.

Esse comportamento seria uma necessidade natural do ser humano de buscar o nexo entre eventos. É o que afirma o psicanalista Pedro de Santi. “Toda teoria tem a intenção de dar sentido a fenômenos que não entendemos. As teorias da conspiração podem trazer a ideia de que haja ordem no mundo: alguém está organizando e planejando. Mesmo que seja da ordem de um ataque, ao menos se sai da posição da angústia e da falta de sentido.”

O psicólogo Rob Brotherton, autor do livro “Suspicious Minds: Why We Believe Conspiracy Theories” (Mentes desconfiadas: por que nós acreditamos em teorias da conspiração, em tradução livre), aponta que a crença em teorias da conspiração afeta a todos, não importando escolaridade ou classe social.

Em um levantamento da Universidade de Londres, Brotherton identificou algumas características comuns entre pessoas que acompanham teorias da conspiração. No geral, elas são atraídas pelo mistério e tendem a rejeitar a ideia de meros acidentes, preferindo acreditar que as coisas acontecem por um motivo.

Para o jornalista Sérgio Pereira Couto, algumas pessoas buscam respostas fáceis para algo que aconteceu e as teorias da conspiração seriam um prato cheio. “É uma explicação racional para o irracional. Algumas pessoas são ingênuas. Outras preferem acreditar em complôs a entender as verdadeiras causas de um fenômeno. Mas a verdade é que existem problemas difíceis de resolver.”

Fascínio por ETs e sociedades secretas

Couto é veterano em analisar teorias secretas com aplicações de ciências forenses. Boa parte de sua vida é dedicada a livros e palestras sobre esses assuntos. Para ele, as teorias de conspiração também refletem medos, desejos e curiosidades da época, ou seja, questões que estão no inconsciente coletivo.

Na década de 1950, o mundo ficou fascinado por extraterrestres. A partir da década de 1960, no auge da Guerra Fria, os discos voadores entram em declínio e começou o medo de uma guerra radioativa, consequência das poderosas armas nucleares. Não por acaso, os super-heróis da Marvel surgem nesse período, a partir de experimentos radioativos.

Outra linha são as chamadas teorias do revisionismo histórico, que buscam explicações para os mistérios da história e da arqueologia. Elas são facilmente encontradas em documentários de TV por assinatura. “Um exemplo vem do livro ‘Eram os Deuses Astronautas?’, que propõe que extraterrestres influenciaram na construção de monumentos como as pirâmides da cultura maia e do Egito Antigo”, conta Couto.

O próximo fenômeno joga os holofotes em sociedades secretas como a maçonaria, a Sociedade Teosófica e a Rosacruz. “O assunto já era muito falado, mas explodiu depois do sucesso do livro ‘O Código da Vinci’, de Dan Brown”, diz Couto. Lançada em 2003, a obra já vendeu 80 milhões de exemplares no mundo e virou filme. Na trama, Robert Langdon é um simbologista que decifra uma série de pistas, como o Priorado de Sião, fraternidade que protegeria a linhagem sagrada de Cristo e Maria Madalena.

Em 2001, o atentado de 11 de Setembro marcou a imaginação da população. Três anos depois, uma pesquisa da Zogby International mostrou que 49% dos moradores de Nova York, acreditavam que oficiais do governo norte-americano sabiam com antecedência que os ataques iriam acontecer. O terrorismo começou a se tornar parte da paranoia do país.

Segundo Couto, o mito dos Illuminati é a bola da vez na cultura pop, segundo o qual existe uma seita secreta que busca dominar o mundo. Seus membros são pessoas poderosas que estariam por trás de eventos históricos como a Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Russa. Atualmente são políticos influentes, celebridades e empresários. Já foram listados Beyoncé, Justin Bieber e Lady Gaga como possíveis membros do grupo.

“Falam muita bobagem por aí. Já me perguntaram em uma palestra se era verdade que os Illuminati foram os responsáveis pelo golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura no Brasil”, relata o pesquisador.

A vida imita a teoria (ou seria o contrário?)

Mas nem sempre a conspiração é inventada. Um exemplo é o projeto MK Ultra. Boatos afirmavam que a CIA, a agência de inteligência norte-americana, executou alguns experimentos secretos de controle da mente dos cidadãos. Em 1995, veio à tona que o projeto realmente existiu, entre os anos de 1950 e 1970, e o presidente Bill Clinton fez um pedido formal de desculpas aos americanos.

Apesar de duvidosas, as teorias de conspirações também podem ter consequências reais. Recentemente, Del Debbio pesquisou o fenômeno da Baleia Azul, um suposto jogo que promoveria o suicídio. Segundo ele, a notícia começou na Rússia, mas não foi comprovada sua existência.

“O fato começou como um ‘hoax’, uma notícia falsa. Como as pessoas acreditam num jogo que nem existe? Mas depois o boato começou a ser apropriado de verdade pelas pessoas, até aparecerem os primeiros suicídios de jovens”, diz. No Brasil, a mídia e a polícia já fazem alerta sobre os perigos do jogo, que já estaria sendo praticado em grupos do WhatsApp.

Outra teoria famosa com consequências desastrosas aconteceu no final dos anos 90, que credita à CIA a criação do vírus da Aids. Ele teria sido desenvolvido para dizimar o continente africano. A ideia ajudou a espalhar na África a crença de que os remédios vindos de fora não deveriam ser usados pela população local. Até um presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, atribuiu a criação do vírus a uma conspiração dos estrangeiros.

Em 2016, durante as eleições presidenciais dos EUA, o então candidato Donald Trump –vencedor em seguida da disputa com Hillary Clinton– afirmou que Barack Obama havia criado o Estado Islâmico. Nasceu aí uma nova teoria da conspiração, replicada por seus eleitores como se fosse verdade.

Mesmo mentindo, os eleitores gostaram de acreditar em Trump. Especialistas deram ao fenômeno o nome de pós-verdade, uma forma de priorizar as crenças pessoais a fatos objetivos.

Para Marcelo Del Debbio, a internet abriu as portas para a mente fértil dos conspirólogos. A propagação de uma notícia é muito rápida e, antes de averiguar sua veracidade, as pessoas já compartilham a informação nas redes sociais.

Num mundo com toneladas de informações, maiores seriam as incertezas. “A diferença entre teoria da conspiração e notícia falsa é que a teoria pode durar mais anos. Com a era da pós-verdade e a internet, isso não vai acabar nunca.”

Para o psicanalista Pedro de Santi, esses fenômenos refletem uma desorientação geral. “Ele mostra que perdemos referências: quer referências de proteção e amparo, quer referências do que seja ou não verdade. Como nos sentimos desamparados, somos presas fáceis de quem ofereça explicações e sentidos para o que não compreendemos”, avalia.

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