19 de abril de 2024

A Amazônia agradece, Noruega

Às vezes a gente dá mais valor quando perde. Essa virou uma marca na história da relação Brasil-Noruega e no acordo mundial do clima, por causa do destino agora incerto do Fundo Amazônia. Gerido pelo BNDES, o Fundo foi criado em 2008 pelo governo brasileiro para promover projetos de prevenção e combate ao desmatamento e também para a conservação e o uso sustentável da Floresta Amazônica. A Noruega foi seu primeiro e mais importante doador até hoje e já depositou mais de US$ 1 bilhão. Em dezembro de 2015, às vésperas da Conferência das Partes (COP) 21, da Convenção de Clima, em Paris, novamente a Noruega prometeu US$ 600 milhões adicionais. Era o maior mecanismo de financiamento da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) no mundo – e estava dando certo.

É sempre bom agradecer o governo e a sociedade da Noruega por esse apoio que viabilizou até agora 89 projetos de universidades, governo federal, estadual e organizações da sociedade civil. Obrigada por isso, povo da Noruega! Os destaques do relatório anual do Fundo em 2015 falam por si: além do monitoramento por satélite, projetos do Fundo Amazônia responderam por metade da área cadastrada nos Sistemas de Cadastro Ambiental Rural. O volume e a renda de produtos como açaí, borracha, castanha e outras sementes aumentaram 27% e 38%, respectivamente. A área das Unidades de Conservação e Terras Indígenas com planos de gestão praticamente dobrou (90% de aumento). Residentes da Amazônia protocolaram 47% mais pedidos de patentes. Estavam funcionando o controle do desmatamento e a valorização da floresta.

Parque Nacional Serra do Pardo, no Pará, Amazônia Brasileira (Foto: Adriano Gambarini/WWF)

Apesar disso, desde 2013 o desmatamento começava a dar repiques. O primeiro, naquele ano, não assustou os governos, nem no Brasil nem na Noruega. Depois de uma redução de 80%, poderia se esperar uma oscilação nos níveis mais baixos, o que era confirmado em 2014, quando a taxa voltava a cair. Exemplo do Fundo Amazônia percorria o mundo. Mas explodiu em 2015 e 2016! E o pior estava por vir, porque, em vez de reagir e combater a nova onda de desmatamento, o governo passou a demonstrar sua preferência por um desenvolvimento sem floresta, sem índio, com clima instável e bem possivelmente sem água para a população. Queira ou não, é isso que está por trás de propostas de redução de Unidades de Conservação, alteração do licenciamento, pavimentação de estradas, prorrogação do prazo do CAR e mudanças na Constituição que afetam os direitos dos índios. A Noruega acompanhou o movimento do governo brasileiro e vai reduzir os repasses financeiros para o Fundo Amazônia neste ano. O contrato de doação é baseado em performance: não demonstra resultado, perde recurso.

E agora? Compromisso político rompido, há que dar razão ao país doador, que não quer jogar seu dinheiro fora e não quer ser conivente com um modelo de desenvolvimento ultrapassado. Mas, com o Fundo Amazônia menor, o destino da floresta será cair, queimar. Oferecemos uma alternativa, então: que o compromisso remanescente da Noruega com a Amazônia seja plenamente canalizado para as áreas protegidas e para o esclarecimento dos consumidores sobre a importância de produtos de desmatamento zero, no Brasil e no mundo. Governos não seriam elegíveis, pelo exposto acima e pela impossibilidade de dissociar politicamente municípios, estados e União. A sociedade civil organizada, os movimentos sociais constituídos e as universidades apoiariam a execução dos projetos com o novo canal de apoio da Noruega. Essa sim seria uma resposta de manutenção do compromisso com a Amazônia e com o clima, mas não com o governo que assim não o deseja.

Numa proposta de negócios, essa nova frente de apoio trataria com a porção mais eficiente do Fundo Amazônia. Em cinco anos de Fundo, a sociedade civil aprovou mais projetos e teve taxa de execução mais alta. Atualmente, os projetos do Fundo com os governos estaduais estão parados. Com a sociedade civil, os processos de formulação e contratação foram mais rápidos. Seus projetos são também em média menores, menos da metade do tamanho dos projetos estaduais, quatro vezes menores que os federais, ainda que por vezes atendam dezenas de municípios, centenas de comunidades, em mais de um estado. Fundamentalmente, projetos da sociedade respeitam a essência de um mecanismo REDD, que é apoiar a adicionalidade das ações – e ainda podem colaborar com outros ajudando-os a operacionalizar seus compromissos. Investimentos de governo para honrar seus próprios compromissos deveriam ser obrigação. Num país moderno como a Noruega, cuidar do meio ambiente e das emissões de carbono é inclusive política de cooperação internacional. Nossos agradecimentos por isso, mais uma vez, que possamos renovar nossa parceria pelo clima, pela floresta e por sua gente.

* Ana Cristina Barros é ambientalista, ex-secretária nacional de Biodiversidade e Florestas

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