“A segurança pública é um dever do Estado”, diz juiz sobre a onda de homicídio na Capital

Jean-Jacques Rousseau, nascido em Genebra no ano de 1712, se tornou um dos filósofos mais importantes na Revolução Francesa. Na obra o Contrato Social, no ponto em que trata do pacto social, menciona que “imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser”(Do contrato social. Edição Ridendo Castigat Mores. Versão para eBook,pg. 23).

Outros filósofos precederam Rousseau na tentativa de explicar os fundamentos teóricos do Estado. Posteriormente, outras teorias passaram a justificar a existência do Estado com toda a complexidade inerente a evolução humana. À abordagem pretendida não é a fundamentação teórica do Estado, mas o pragmatismo sobre o Estado e a violência contra a pessoa.

No julgamento do homicídio consumado descrito nos autos 0007690-88.2014.8.01.0000, que tramitou perante a 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Rio Branco e julgado no mês nacional de júri de 2017, tem-se um laboratório social amplo. É possível refletir sobre o contrato social proposto por Rousseau ou até mesmo sobre a teoria das janelas quebradas desenvolvida na Universidade de Stanford por James Wilson e George Kelling.

Neste caso, vamos ficar com Rousseau. O homicídio ocorreu em julho de 2014, no Bairro Chico Mendes, sendo apontado que os autores chegaram ao local, uma quadra de futebol e ficaram aguardando a passagem da vítima, pois residia nas proximidades, oportunidade em que executaram o crime.

A testemunha relatou que “por ela acabava tudo”, pois tinha se envolvido num problema ao prestar o depoimento na Delegacia de Polícia, diante da violência atual. Mencionou que no ano 2014 era possível jogar futebol naquela quadra, mas atualmente ninguém frequenta, já que as pessoas temem que alguém passe atirando com arma de fogo, inclusive relatou que isto aconteceu recentemente.

Pelo pacto social que fornece a legitimidade ao Estado, conforme teoria de Rousseau, o cidadão transfere ao Estado a tutela da força, justamente para que a pessoa não utilize a força individualmente. O Estado é a representação da força individual e coletiva dos seus cidadãos.

O problema se agrava quando o Estado deixa de agir satisfatoriamente na proteção individual e coletiva do cidadão, apesar dos esforços de muitos profissionais e Instituições envolvidas neste setor. No caso específico dos autos 0007690-88.2014.8.01.0000, a testemunha descreve claramente o perecimento da integração social, justamente pelo temor da violência, pois já não se reúnem para uma simples partida de futebol.

Homicídio em Rio Branco tem crescido consideravelmente, afirma juiz/Imagem Ilustrativa

O comportamento individual e primitivo da pessoa, segundo Rousseau, poderia levar o “gênero humano” ao perecimento, caso “não mudasse a sua maneira de ser”. Neste aspecto, há de se considerar totalmente primitivo o comportamento daqueles que passam atirando com arma de fogo na referida quadra de futebol ou em qualquer local público/privado.

Temos neste laboratório real/criminal situações que urgem uma reflexão. O Estado tem cumprido as cláusulas do pacto social no âmbito da segurança pública? O comportamento primitivo do cidadão, individualmente ou manifestado através de organizações criminosas continuará afetando o convívio social? Ruas, praças e quadras de futebol serão limitadas ou dominadas pelas forças primitivas de indivíduos criminosos?

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(IPEA) publicou o atlas da violência de 2017, fazendo referência aos fatos ocorridos em 2015, oportunidade em que se registraram no Brasil 59.080 homicídios. Isto demonstra que o fato ocorrido em Rio Branco-AC não é isolado. A violência se tornou uma endemia nacional. O estado primitivo das pessoas tem aumentado de forma desenfreada e o Estado não consegue atuar de forma satisfatória na segurança do cidadão.

A segurança pública é um dever do Estado e responsabilidade de todos, conforme artigo 144 da Constituição da República. Portanto, torna-se imprescindível discutir o assunto em toda a sociedade organizada (família, escola, igreja, associações e etc.) e exigir soluções pragmáticas dos agentes públicos, sob pena do perecimento do gênero humano, conforme teoria de Rousseau.

*Leandro Leri Gross, atualmente é Juiz de Direito titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Rio Branco

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