23 de abril de 2024

Ponto para o Brasil

A construção da memória coletiva do Holocausto é um processo longo e complexo. Passo a passo, a visão judaica da tragédia se transforma em universal, criando um legado ético e moral como consequência das atrocidades cometidas pelos nazistas e seus colaboradores. A concepção clássica do “incomparável” e do “intransmissível” vem sendo substituída lentamente por um consenso pedagógico, uma obviedade educativa que ultrapassa suas possíveis particularidades e atinge aspectos globais.

O último avanço neste processo foi a homologação, em dezembro passado, da nova Base Nacional Comum Curricular por parte do Conselho Nacional de Educação. Nas páginas 424 e 425 do documento oficial do MEC, o Holocausto passa a ser tema obrigatório de ensino e reflexão nas escolas de todo o Brasil. Como destacado pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), a inclusão do assunto preenche uma lacuna, tendo em vista os princípios e valores humanitários que devem estruturar a educação básica brasileira. A questão foi destacada pelo próprio ministro da Educação, José Mendonça Filho, ao afirmar que a decisão de incluir o ensino do Holocausto como matéria na Base Nacional Curricular “tem a ver com princípios de tolerância e de respeito ao próximo, de respeito aos direitos humanos e de respeito à pessoa, valores de uma sociedade sem preconceitos”. Ponto para o Brasil.

Até então, a inserção do tema “Holocausto” nos currículos escolares brasileiros de forma obrigatória ocorria por meio de legislação específica, produto da ação política de grupos externos ao campo educacional. Agora, é importante destacar que o Brasil passa a cumprir de forma abrangente a Resolução 607 da ONU, aprovada pela Assembleia Geral em novembro de 2005. Além da adoção do dia 27 de janeiro como Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, determinou-se que os países-membros desenvolvessem programas educacionais que incluíssem as lições do Holocausto para as gerações futuras, prevenindo atos de genocídio e grandes violações de direitos humanos. Ponto para o Brasil.

Engana-se, porém, quem acredita que nossos problemas terminaram. O desafio começa agora, e estamos num momento crucial: que memória queremos construir? A capacitação de educadores é o caminho natural para que estas deliberações – tanto da ONU, quanto da Base Nacional Comum Curricular – não se tornem esquecidas em meio a tantas prioridades, sendo a luta contra o preconceito e a intolerância, sem dúvida, uma delas. É por isso que o Museu do Holocausto de Curitiba, em parceria com a Conib, exercerá um papel protagonista ao ajudar o MEC na formação de educadores em nível nacional. O foco é entender o Holocausto como uma advertência, e não um precedente. O ano de 2018 será crucial para que sejam discutidos e implementados estes projetos educativos. Ponto para o Brasil.

O principal objetivo de qualquer ação pedagógica sobre o Holocausto (ou Shoah) deve ser ajudar no processo de construção de uma memória coletiva universal. Significa lutar contra todo e qualquer tipo de ódio por meio de um episódio que deve ser inserido na memória coletiva de todo o planeta. Significa compreender que essas histórias fazem parte de toda a humanidade, e que não é necessário que eu ou minha família tenhamos passado por isso para concluirmos que faz parte da minha história. Significa criar empatia, resgatando e aproximando o máximo destas experiências da nova geração, causando empatia e trabalhando o valor da vida (e não da morte). Em suma, significa usar o genocídio como aprendizado em nossas vidas. Hoje.

O dia 27 de janeiro é sempre marcado pela lamentação às vítimas. Em 2018, além de solenizar, convidamos a refletir sobre o imenso passo dado pelo nosso país ao incluir a Shoah como tema obrigatório nas escolas. O Holocausto é uma ferramenta pedagógica poderosa, que certamente nos ajudará a construir uma sociedade mais justa, tolerante e preocupada com o futuro. Não faz sentido falar do passado sem mirar o futuro. Novamente, ponto para o Brasil.

Carlos Reiss é coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba, primeira instituição no Brasil que uniu os eixos de memória, educação e pesquisa com um projeto museológico permanente sobre a Shoah.

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