Parteira há 40 anos, mulher vende apartamento e vive em um barco nas águas do Rio Acre

O talento de ajudar mulheres a darem a luz vem de família. Para a parteira e/ou doula Sueli Freitas, a gestação é muito mais que gerar uma vida, trata-se de uma conexão sagrada entre dois seres humanos.

Há um mês ancorada em um barco no Rio Acre, em Rio Branco, Sueli busca apoio para implantar o projeto “Tecendo Sinergia para o Bem Nascer’, nas unidades de saúde da Capital.

O objetivo é criar uma rede de cooperação para garantir os direitos da gestante, da criança e da família desde o momento em que a mulher recebe a confirmação da gravidez até a hora do parto.

Algumas das propostas do projeto são elaborar cursos de empoderamento e mobilização da sociedade, promovendo o debate sobre humanização do parto; criação de rodas de gestantes, ajudando a construir um plano de parto; curso de reciclagem para profissionais da saúde; curso de formação de doulas, entre outros.

No município de Caruaru, em Pernambuco, a parteira trabalhava com mulheres na Casa de Apoio a Gestantes, que oferece auxílio às gestantes em trabalho de parto, o chamado pré-parto. Além disso, ministrava cursos sobre humanização de parto e outros temas relacionados.

Sulei é parteira há mais de 40 anos/Foto: Bruna Melo- A Gazeta

“Meu sonho é continuar fazendo esse trabalho e implantar esse projeto aqui também. Eu trabalho com duas linhas, uma na área do direito e outra na parte de humanização do parto. Muitas mulheres sofrem violência obstetra e não sabem que isso é violência. Queremos fazer esse trabalho e colocar um ponto final nesse tipo de violência”.

Catadora de luz
A história de amor pela profissão começou quando Sueli veio pela primeira vez ao Acre, em 1978, participar de um movimento político contra a Ditadura Militar. Ela e diversos políticos e ativistas, como Chico Mendes, tinham que fazer um trabalho dentro da floresta, o que exigiu um curso de auxiliar em enfermagem da mulher.

Bisneta de parteira e benzedeira, Sueli recorda o momento em que teve a certeza sobre seu dom. “Deu um estalo: vou fazer um curso para fazer parto, um curativo. Era uma forma de troca com eles. Quando eu entrei na Maternidade Bárbara Heliodora, eu senti uma coisa, foi caindo a ficha, a minha bisavó me veio à mente. Eu tinha encontrado algo precioso naquele momento”, relatou emocionada.

Apesar de a vida ter seguido outros rumos, naquele instante, Sueli descobriu o que faria pelo resto de sua vida. Quando retornou para Pernambuco, onde trabalhava como parteira, ela se tornou a “catadora de luz”. O nome remete ao momento de ajudar a trazer ao mundo uma nova vida.

“Eu sentia que estava faltando alguma coisa. Então, um dia antes dos meus plantões, eu ia para a praia, antes de o sol nascer, entrava no mar e ficava aguardando as primeiras luzes, aquelas maravilhosas. Quando elas surgiam, eu pedia para que elas viessem para as minhas mãos, para o meu corpo, que era este o presente que eu daria para os seres eu ia ajudar a trazer para o mundo. E aí ficou catadora de luz.”

A mulher que casou com o rio
Entre uma história de resistência política e o nascimento de uma criança, a parteira conta sobre o seu caso de amor com o rio. Em uma viagem à Boca do Acre, com suas amigas freiras, em 1978, Sueli conheceu o Rio Purus e se apaixonou.

Durante visita às comunidades ribeirinhas, as freiras realizavam o trabalho religioso chamado de “desobriga”, que consiste na incursão da igreja católica a regiões de difícil acesso, praticando catequese e levando a palavra de Deus. E foi na volta para casa, nas águas do Rio Purus, que Sueli casou-se pela segunda vez.

Há alguns meses, Sueli vendeu o apartamento e vive dentro de uma embarcação no Rio Acre/Foto: Bruna Mello- A Gazeta

“Eu sentei na proa do barco e fiz um juramento, um casamento. Eu tirei a aliança, que era de um casamento que estava no fim, e numa cerimônia minha com o rio me casei. Joguei a aliança e jurei me casar com o rio e com a população ribeirinha, com esse pedaço do Brasil.”

Com apenas 22 anos, Sueli não imaginava as voltas que a vida ainda iria dar. Hoje, após 40 anos, com filhas crescidas e estabilizadas, a parteira vendeu o apartamento e comprou o tão sonhado barco, chamado carinhosamente de “Catadora de Luz”. Ela conta como tem sido a rotina nos últimos sete meses, morando dentro de uma embarcação.

“O grande dia chegou. Vendi o apartamento, fui para Boca do Acre e comprei esse barco. Quando eu estou deitada na rede, lá dentro, eu faço a conexão com o rio e penso: lembra daquela garota de 22 anos, que fez um juramento? Sou eu. Estou com 61 anos, mas estou aqui. Eu vim viver a minha promessa.”

A admiração que a parteira tem pelo rio chega a dar vontade de arriscar um novo estilo de vida, mais simples e em conexão com a natureza. “Tô levando a vida que eu sonhei por quase 40 anos. Uma coisa que aprendi nessa caminhada foi que quando você está realizando um sonho, as forças do universo ajudam em todos os aspectos”.

Questionada se tem medo de dormir em uma embarcação, sem qualquer tipo de segurança, ela afirma: “Medo de quê? Me sinto protegida e não tenho medo de nada”.

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