MPT aciona Justiça contra governo por calamidade humanitária de imigrantes

Ação inédita

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O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou na manhã desta segunda-feira (25), na 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco, uma ação civil pública inédita para exigir do governo federal a adoção de políticas públicas para efetivo acolhimento das pessoas que ingressam no país mediante solicitação de refúgio.

Nos últimos cinco anos, o Acre é a porta de entrada de fluxo migratório contínuo e crescente de estrangeiros “endividados e transtornados” que percorrem a rota Haiti-Brasil, após passagem pela República Dominicana, Panamá, Equador, Bolívia e Peru.

“Temos, no Acre, uma situação de calamidade humanitária de imigrantes caribenhos e africanos que ingressam em território brasileiro em busca de trabalho. O espírito de nossa ação é federalizar as políticas públicas de acolhimento aos trabalhadores migrantes e adoção de medidas eficazes de combate ao tráfico de pessoas pelo governo federal”, afirmou o procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre, Marcos Cutrim, em entrevista exclusiva.

As rotas clandestinas de acesso ao Brasil, pelo Estado do Acre, estão a alimentar uma rentável rede de tráfico internacional de pessoas, que alavanca o comercio ilegal de arregimentação ilícita de imigrantes, de acordo com investigação do MPT.

Tendo sua vontade anulada pela situação de penúria em que se encontram, acrescenta o MPT, os imigrantes apresentam-se como presas fáceis dos exploradores inescrupulosos que hoje atuam nos países de origem, trânsito e de destino.

Preocupava o MPT as informações obtidas nos abrigos de estrangeiros improvisados no Acre nos últimos cinco anos, marcados por falta de políticas públicas adequadas para os trabalhadores migrantes e sua famílias.

Outro foco de preocupação foi a ocorrência das mais perversas formas de contratação pelas empresas do centro-sul do país, que se dirigiam ao Estado em busca de mão de obra haitiana e de outras nacionalidades.

Os trabalhadores eram selecionados entre homens jovens, por exemplo, pelo porte físico, espessura da canela, condições da genitália e idade inferior a 38 anos.

 DSC000725052015No Acre, os imigrantes são recebidos em um acampamento público, improvisado como abrigo, “mantido” pelos governos federal e estadual. Essa estrutura assegura a regularização e preparação deles como força de trabalho apta a seguir viagem e ingressar de modo particularmente precarizado no mercado laboral brasileiro.

Ao longo dos últimos cinco anos de fluxo migratório constante pela fronteira acreana, via redes de tráfico e coiotagem, não se observou nenhum debate e ação contundente por parte do governo brasileiro e dos demais países fronteiriços.

A omissão favorece a ramificação dessas redes pelo Acre e pelo Brasil, por meio de agentes que, estabelecidos no território nacional, incluindo as dependências do abrigo de imigrantes em Rio Branco, passaram a assegurar a articulação de informações necessárias para a manutenção do fluxo e do importante negócio que ele representa.

Até abril, 37,3 mil imigrantes haitianos, senegaleses e de outras 13 nacionalidades, desde 2010, ingressaram no Brasil a partir da fronteira com Bolívia e Peru, segundo dados do governo do Acre. Até setembro do ano passado, de acordo com a Polícia Federal, 39 mil haitianos haviam entrado no país, tanto pela via considerada legal como pela via ilegal.

“Nesse norte, (re)ordenar esse fluxo migratório, tornando condizente com a política internacional de proteção do homem-migrante, de modo a estancar a ação desses intermediadores, arregimentadores, aliciadores, “coiotes”, contrabandistas e traficantes internacionais de pessoas, é medida essencial a ser alcançada pela presente ação coletiva. A não ser assim, a decisão judicial favorável que vier a ser concedida servirá tão somente como elemento contemporizador das drásticas consequências oriundas desse mal originário, que é o tráfico internacional de pessoas”, argumenta o MPT.

Pesquisadores que acompanham os desdobramentos do fenômeno na Amazônia têm alertado sobre o custo em pagamentos à rede de tráfico e corrupção estruturada com o movimento migratório via Acre nos últimos cinco anos.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que realizou missão com seus oficiais e analistas, percorrendo a rota desde o Haiti até o Acre, estima que o  fluxo migratório já movimentou US$ 60 milhões. Cada imigrante, em média, paga de US$ 2 mil a US$ 5 mil à rede internacional de tráfico humano e coiotagem.

DSC 000625052015Encabeçada pelo procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre, Marcos Cutrim, a ação civil pública tem ainda como signatários os procuradores do Trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, Jonas Ratier Moreno, Luiz Carlos Michele Fabre, Renata Vieira Coelho e Cícero Rufino Pereira. Eles pedem à Justiça do Trabalho que o governo federal “seja condenado liminar e definitivamente”.

A ação civil pública, com mais de 1,8 mil páginas, reúne 35 documentos. Um dos mais relevantes, escrito a pedido do MPT, é o relatório de campo da professora Letícia Mamed, da Universidade Federal do Acre (Ufac), que desenvolve pesquisa de tese na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre a recente migração haitiana para o país.

Cutrim, que acompanha desde 2012 a situação dos imigrantes de passagem pelo Acre, por diversas vezes visitou os abrigos, em Brasileia e Rio Branco, e realizou ações de articulação interinstitucional. Ele participou de reuniões no Conselho Nacional de Imigração (CNig), nos anos 2013 e 2014, no intuito de propor soluções extrajudiciais sobre a crise migratória em curso no Acre.

“Já naquela ocasião constatou-se a necessidade do governo federal assumir a gestão dos abrigos do Acre, bem como do serviço de intermediação de mão de obra, pois é dele a responsabilidade pela definição da política migratória. No entanto, as ações tem se limitado a permitir o acesso”, afirma o procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre.

Segundo Cutrim, apesar de amplos debates no CNig, o governo federal não se mostrou capaz de dar um passo além. “O efetivo acolhimento dos trabalhadores não tem sido assumido por nenhum órgão público, salvo o governo do Acre, que até esse mês geriu as ações humanitárias de acolhida imediata. Todo o mais foi relegado a ONGs como as Pastorais do Migrante, sem uma postura decisiva do governo federal”, critica o procurador.

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Na avaliação de Cutrim, a gestão do abrigo no Acre começou a falhar novamente no início deste ano, e, em razão do agravamento das condições precárias do ambiente, um grupo de procuradores do Trabalho decidiu por priorizar a atuação na questão, definindo-se a proposição de ação civil pública.

“Assim, justamente no momento em que os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ficam alarmados com reaparecimento de ônibus cheios de trabalhadores com pedido de refúgio, gerando discussões inócuas sobre quem avisou ou quem deixou de avisar, o MPT comparece para mostrar seu posicionamento, amadurecido por quase dois anos de reflexão”, acrescentou Marcos Cutrim.

Pesquisa documental da professora Letícia Mamed confirma proporcionalidade direta entre o volume do fluxo migratório e o valor total das remessas dos imigrantes haitianos aos seus parentes que permanecem no Haiti. As remessas dos imigrantes superam as exportações haitianas, sendo o país o oitavo mais dependente de remessas externas do mundo, algo que representa entre 20 e 25% do seu PIB.

Mais de um terço da população adulta do país recebe remessas regulares, sendo a maior parte proveniente dos Estados Unidos. Com a intensificação da imigração após o sismo de 2010, dados do Banco Interamericano de  Desenvolvimento indicam que o volume delas apresenta-se em crescimento: em 2010 era de apenas US$ 1,3 bilhão; em 2011, foi de quase US$ 2,1 bilhões; em 2012, alcançou US$ 1,82 bilhões. Ainda não existem dados específicos divulgados das remessas dos imigrantes para o Haiti a partir do Brasil.

Conheça os dez pedidos do MPT à Justiça do Trabalho:

1) Instituir, no prazo de dias, um serviço gratuito adequado incumbido de prestar auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, assumir a gestão financeira e institucional do(s) abrigo(s) social(is) localizado(s) no Estado do Acre e atualmente destinado(s) a albergar contingente de trabalhadores imigrantes de diversificadas nacionalidades, sobretudo caribenhos (haitianos e dominicanos), africanos (senegaleses) e asiáticos, garantindo condições materiais de subsistência e acomodação dignas, salubres e não degradantes, enquanto permanecerem em situação de documentação e trânsito naquele Estado;

2) Garantir, no prazo cinco dias, atendimento médico por profissionais especializados com conhecimento das doenças endêmicas das regiões de procedência dos trabalhadores que acedem ao Brasil pela rota do Acre;

3) Assumir, no prazo de cinco dias, por meio de seus órgãos públicos (Força Aérea Brasileira, por exemplo) ou através do fretamento de ônibus, nos termos da Lei 8.666/1993 e legislação pertinente, o transporte interestadual de trabalhadores migrantes para que possam reestruturar suas vidas em nossa sociedade e em grandes centros onde haja demanda por mão de obra, contribuindo para a proteção e promoção de seus direitos fundamentais, e de modo a evitar a superlotação do(s) Abrigo(s) de Estrangeiros existente(s) no Estado do Acre;

4) Assumir, no prazo de cinco dias, o serviço de encaminhamento para o emprego (Sistema Nacional de Emprego – SINE), que neste caso é de alçada federal, porque conexo com a política migratória humanitária brasileira, mediante a criação de unidades de atendimento que realizem as atividades necessárias à prevenção da vitimização dos trabalhadores e empregos de qualidade duvidosa;

5) Comprovar em Juízo, no prazo de 90 dias, a assunção plena de ações estatais de recepção, documentação, inserção no mercado de trabalho, assim como capacitação e disponibilização de pessoal técnico e correspondentes estruturas operacionais destinados ao atendimento do trabalhador imigrante. Sucessivamente, caso não seja cumprida a obrigação descrita no sobredito item “4”, postula-se a fixação judicial, segundo prudente arbítrio e sob critérios de razoabilidade e proporcionalidade, da universalidade das sobreditas ações político-administrativas, inclusive instituindo-se os executores das precitadas ações/tarefas, sob a vigilância do Ministério Público do Trabalho;

6) Destacar nas subsequentes Leis Orçamentárias Anuais, percentual mínimo de recursos do orçamento público federal, que deverá ser destinado às ações de acolhimento de trabalhadores migrantes em situação de vulnerabilidade e seus familiares;

7) Realizar ações concretas para coibir o trafico internacional de pessoas (trabalhadores imigrantes), mediante efetiva mobilização da Polícia Federal e dos órgãos responsáveis pela cooperação jurídica internacional, para a concretização de ações de investigação e punição dos responsáveis (“coiotes”, traficantes e contrabandistas) pela gestão das rotas terrestres;

8) Realizar ações concretas para coibir o tráfico internacional de pessoas (trabalhadores imigrantes), mediante efetiva mobilização nos serviços diplomáticos, para coibir a consolidação ou criação de novas rotas de entrada no país que impliquem a vulneração da dignidade do trabalhador migrante;

9) Indenizar a sociedade no valor de R$ 50 milhões por dano moral coletivo, na forma do artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública, cujo montante será destinado futuramente à promoção de políticas públicas de acolhimento para trabalhadores migrantes portadores de visto humanitário, a serem indicadas oportunamente pelo Ministério Público do Trabalho, no decorrer da tramitação da ação civil;

10) Fixar, pelo descumprimento da decisão antecipatória e da decisão definitiva, o pagamento de multa diária no valor de R$ 100 mil por obrigação descumprida, cuja destinação deverá atender, na máxima medida possível, a reconstituição dos bens jurídicos lesados, a critério do Ministério Público do Trabalho.

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