Jornalismo em duas rodas: veja a 4ª fase da viagem do jornalista Leandro Altheman até o RJ

sojamatcoluna

 

Jornalismo em Duas Rodas

Trecho 4 – Vilhena à Cáceres

Entrando no Pantanal

Saio de Vilhena e sei que ali já é o final do estado de Rondônia e o início do Estado de Mato Grosso. É o fim da BR 364, é o fim de Rondônia, mas não o fim da Amazônia, como irão atestar mais tarde as poucas, porém extensas áreas de floresta que irei cruzar mais adiante.

J-m67bzSwDFegyzlVlrCLor8b3r4eWZh1Ryre8IJEsIeFg1zDMBy-7BvyW0rYjl WnqzooiLWCxsZAU2k YGqw

Mas isso é mais adiante. Agora o que vejo é a soja. A perder de vista estão os campos amarelos pardacentos da soja. Tomo uns grãos em minhas mãos, com a certeza de que esta será  monótona a paisagem até Cuiabá.

No entanto sou surpreendido pelo frescor de matas verdejantes, não por acaso nas áreas em que a BR 174 cruza Terras Indígenas. Estou no Vale do Guaporé e uma das terras indígenas que cruzo é a dos históricos Nhambiquaras, contatados por Marechal Rondon no início do século XX.

Atravesso uma forte chuva amazônica que começa às nove horas da manhã e termina por volta de meio dia.

É perceptível a olho nu que as chuvas se distribuem de maneira desigual nas áreas de soja e nas áreas de floresta. Quando atravesso uma área de floresta, ela é fresca, o ar é agradável, suave. Nas áreas de soja, as chuvas me parecem mais violentas, na margem da estrada corre uma água barrenta, leitosa. Às vezes é possível sentir o cheiro do agrotóxico no ar.

sojamat

Algumas das plantações são identificadas com números e letras, o que entendo serem diferentes cultivares transgênicas.

O sol volta a brilhar com intensidade suficiente para secar minhas calças, e novamente são as matas que me protegem de sua intensidade. Nos campos de soja, não há proteção contra o sol ou o vento que em rajadas parece querer me tirar da estrada.

Estou chegando em Cáceres e finalmente cruzo o rio Paraguai. Sei agora que ali é outra bacia, o ecossistema não é mais amazônico e sim o pantanal. Outro mundo, outra história, outro universo.  

Em contraste com a “moderna” Vilhena, em Cáceres a sua história é evidente, como atesta a Catedral de São Luís, construída em estilo neogótico. Mas há também muito em estilo neoclássico e Art Decó, além de misturas barrocas e renascentistas.

 Un-xzxBNzLqh1WJwVuINZHQazmiXqfi66y5qwKeOxAsbVMPbmMA-k1KDAVtEFUJzpnWXqnSYqgnB1leufOmgo

Uma volta pela praça me traz lampejos de paralelos históricos com o Acre. Construída em 1778, Cáceres ostenta em sua praça matriz o Marco do Jauru, pedra demarcatória que dividia os domínios português e espanhol na América do Sul. Penso que talvez a relutância do Brasil do início do século XX em tomar posse do Acre, tenha alguma relação com a iniciativa de proteger locais e territórios já consolidados, mas ainda assim vulneráveis a uma eventual ação militar por parte da Bolívia por sua proximidade com a fronteira. Cáceres me parece um destes lugares. Hoje uma estrada estadual conduz à cidade boliviana de San Matias, há cerca de 100 km.

jauruNa pequena pousada em que me instalo, conheço uma cruzeirense e descubro que uma das importantes empresas de veículos automotores instaladas hoje em Cruzeiro do Sul tem sua matriz em Cáceres.

Pergunto se ela tem saudade de Cruzeiro e ela diz que sim, principalmente dos amigos e familiares que ficaram por lá.  – Mas não das ladeiras, diz.

Pelas ruas planas de Cáceres sigo até as margens do rio Paraguai. Impossível não lembrar de guerras e canções que evocam seu nome.

Nas margens do Paraguai a atividade é intensa. Do lado de cá, casais namoram, crianças comem algodão doce e mocinhas tiram suas “selfies”. Do lado de lá, há um jogo de vôlei na praia e grandes barcos descansam no porto fluvial.

Quero uma foto minha naquele local e peço para um casal para registrar minha passagem pelo rio Paraguai.

Minhas pulseiras com desenhos yawanawá chamam a atenção da mulher. Além da curiosidade natural, ela é professora e pergunta mais sobre os povos indígenas do Acre. Depois de falar um pouco ela resolve me contar também sobre os índios da região, notadamente os guaicurus e os paiaguás. Sendo os primeiros, exímios cavaleiros e os segundos canoeiros, uma aliança entre estes povos dificultou por décadas o avanço missionário e colonizador na bacia do prata. Foram muitas as batalhas travadas por este povo ora aliado aos espanhóis, ora aliado dos portugueses, mas que na verdade mantiveram durante um período um estado confederado na bacia do prata.   

Mas um episódio que a professora contou-me achei particularmente notável.

– No ano de 1778, mesmo ano da fundação de Cáceres. Um grupo de índias Guaicurus seduziu a guarnição portuguesa do Forte Coimbra, neste mesmo rio Paraguai. Os soldados saíram do forte e caíram na emboscada preparada pelos guaicurus. 54 soldados foram mortos nesse dia.

Conta a história que no final os Guaicurus acabaram passando para o lado português e inclusive ajudado na luta contra os espanhóis. Muitos deles teriam lutado como lanceiros a cavalo sob a bandeira do império brasileiro durante a Guerra do Paraguai.

sS3p kn5kZ7VZLuUoFgbKEsYXX s-yw0We1321nlIU8LGHR8LqJM69PnyMHYzLKjIKfZvV6ulz-VQHUQxnkVc8

Por sua participação, os Guaicurus, tiveram sua terra reconhecida pelo governo brasileiro, mas a área nunca ficou totalmente em sua pose e até hoje é motivo de conflito na região. Hoje os históricos guaicurus são chamados de Kadiwéu e estão localizados mais ao sul, próximo à serra da Bodoquena (MS).

Leandro Altheman é jornalista e escritor, autor do livro “Muká, a Raiz dos Sonhos”, que pode ser encontrado em Rio Branco, nas livrarias Nobel e Paim ou pelo telefone (68) 9281-3087 (Gesileu) em Cruzeiro do Sul com Edna Rosas (68) 9959-1658 ou com o próprio autor através do email [email protected]

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost

Jornalismo em duas rodas: veja a 4ª fase da viagem do jornalista Leandro Altheman até o RJ