Há quase vinte anos em sala de aula, já passei por muitas experiências: andei de bicicleta, ônibus, moto e a pé para chegar à escola onde lecionava. Já acordei às 4h da manhã para não perder o ônibus que saía às 6h e me levava para uma escola de zona rural de onde, no final da tarde, eu voltava coberta pela poeira, mas agradecida pelo carinho, receptividade e respeito com que era tratada. Já tive que trabalhar três turnos para ganhar melhor e isso me adoeceu física e emocionalmente.
Já esqueci minha bolsa pendurada no galho de uma árvore na frente de uma escola particular onde trabalhei – isso seria tema para uma crônica à Luís Fernando Veríssimo, que deixarei para outro momento. Já precisei separar briga de aluno e me machuquei. Já fui covardemente agredida por quem eu sequer conhecia. Já vi uma colega levar um tiro. Ela não morreu, e eu não desisti. Fui muito exigente com meus alunos porque sabia que eles podiam mais. Muitos me agradeceram por isso; outros, me odiaram pela mesma razão.
Já tive minha filha mais velha como aluna e fui ainda mais rigorosa na correção das atividades dela, para que não se sentisse privilegiada. Hoje ė a mais nova quem diz que gostaria que eu fosse sua professora. E isso me envaidece. Paguei, e até hoje pago, cópia de material para conseguir dar minha aula sem que alguns alunos usem a falta dele como argumento para não prestar atenção. Lápis, caneta, caderno, borracha, cola… daria para abrir uma papelaria. Já chorei, sorri, tive medo, raiva e tantos outros sentimentos que só quem convive no cotidiano de uma sala de aula pode descrever. Já perdi alunos para as drogas, para a violência, para o crime. E muitas vezes me perguntei qual seria a minha parcela de responsabilidade nisso.
Vi alunos perderem seus pais e o mundo deles desabar. Já vi alunos deixarem esta vida muito cedo. E a tristeza me abateu. Mas também vi e vejo muitos, muitos alunos chegarem aonde jamais imaginaram, conquistando seu espaço com honestidade, ética, dignidade e perseverança, destacando-se nas mais diversas áreas do conhecimento. E isso me enche de orgulho. Não saio na rua sem que ouça aquela voz dizendo: “Professora!”. E isso soa como música. É, então, que percebo a grandiosidade do meu trabalho e de todos os meus colegas – alguns se transformaram em grandes amigos. Percebo que dediquei a metade da minha vida para contribuir com a EDUCAÇÃO de crianças e adolescentes.
Não falo da “educação” que muitos entendem como as regras do bem – conviver e etiqueta social. Sim, elas são importantes. Mas essas, na maioria das vezes, se configuram apenas como uma camada fina de um verniz que, se retirada, expõe o verdadeiro caráter de uma pessoa. Refiro-me à EDUCAÇÃO que, para mim, será sempre sinônimo de justiça, cidadania, igualdade, respeito, liberdade, autonomia…E é nessa EDUCAÇÃO que eu acredito. E é ela que hoje eu escolho a despeito de tudo. É por ela que eu tenho orgulho de dizer: Sim, sou professora!
Alessandra Gonçalves Pinheiro é professora da Rede Estadual de Ensino e Pedagoga do Tribunal de Justiça do Estado do Acre