Ao fim do seu primeiro ano à frente da Funarte, Francisco Bosco conta como encontrou a casa e quais são os planos para reestruturação da instituição. Explica ainda os rumos da Política Nacional das Artes e as possíveis reformulações de mecanismos de fomento. A entrevista foi realizada durante o Emergências, encontro realizado este mês pelo Ministério da Cultura no Rio de Janeiro.
O que você encontrou na Funarte neste primeiro ano de gestão?
A crítica que se faz sobre a Funarte é sobre sua incapacidade de atuar em escala nacional, com a capilaridade, conseguindo respeitar a complexidade e heterogeneidade do país. As pessoas acham que isso decorre pelo fato de ela ser sediada no Rio de Janeiro. Eu discordo. A Funarte estar sediada em Brasília não garantiria a ela que suas ações fossem menos concentradas, como hoje elas são. O que pode garantir isso é a Funarte passar a se perceber e atuar a partir de uma lógica de sistema federativo, sendo menos executora e mais articuladora entre Estados e municípios.
E como isso será possível?
Esse é o grande objeto da Política Nacional das Artes (PNA), que tem a Funarte como sujeito desse processo, mas também como objeto dele. Se a PNA é um conjunto de formulação e propostas – e tentativa de implementação – que pretende fortalecer as cadeias produtivas e criativas das artes, é preciso que haja uma instituição à altura desse engrandecimento.
Quais são as bases para a criação da PNA?
A demanda é bem clara. Na gestão de Gilberto Gil e, em seguida, a do Juca Ferreira, houve uma verdadeira revolução no Ministério da Cultura, hoje consagrada com iniciativas como o Fórum Nacional de Cultura, os Pontos de Cultura, o Sistema Nacional de Cultura, processos que surgiram nessas gestões, a partir de uma ideia antropológica de cultura que a entende como a integralidade da vida. Isso foi uma revolução no campo das políticas públicas para cultura, porque antes disso trabalhava-se com uma noção muito restrita da cultura, praticamente confundida com arte. Ora, cultura é maior que isso e, a partir dessa concepção, o Ministério passou a atender um verdadeiro conjunto de manifestações culturais do Brasil: povos de terreiro, índios, griôs. Isso tudo estava excluído. Pois bem, Juca diagnosticou que a mesma intensidade de políticas públicas não havia sido destinada ao campo específico das artes. Se as artes pertencem a um campo mais extenso da cultura, é verdade que elas não se confundem e têm necessidades próprias.
Mas em termos concretos, como a PNA está sendo construída?
A PNA é uma retomada de um movimento de formulação de políticas públicas para artes. Desde 2005, com o Conselho Nacional de Política Cultural, foi feito todo um exercício de formulação de políticas que culminou nos planos setoriais que formam um conjunto de documentos valiosos com propostas para as artes. Isso foi deixado de lado nas gestões de Ana de Hollanda e Marta Suplicy. O que estamos fazendo é trabalhar a partir dessa base e avançando em relação a ela.
E qual tem sido a metodologia para a construção dessas propostas, e como a sociedade tem participado desse processo?
A gente dividiu o processo em dois eixos, o transversal e o setorial. O setorial é dividido pelos articuladores que passaram os últimos seis meses montando agendas setoriais (música, circo, dança, artes visuais, literatura, teatro), identificando necessidades a partir de encontros com artistas e gestores de cada área. Esse primeiro balanço será publicado ainda em dezembro. E o segundo eixo é transversal, que ficou a cargo do comitê executivo da PNA, onde se discute a reestruturação da Funarte a partir da lógica de sistema federativo. E outro ponto de atuação que estamos atrasados e que temos que aprofundar são os marcos legais das artes, como as questões trabalhistas, fiscais, tributárias, projetos de lei fundamentais para alguns setores. No caso da dança, por exemplo, pensar em um regime previdenciário para bailarino, que tem uma carreira mais curta. Importante também que a gente identifique pontos de excessiva burocratização dos nossos mecanismos, porque há muitas reclamações nesse sentido.
Com pouca estrutura, poucos recursos e com a limitação do tempo, como pretende dar conta da construção e implementação da PNA?
O que posso dizer é que o Minc tem a PNA como uma de suas prioridades dessa gestão. Tenho certeza que isso vai se refletir na forma como o MinC vai distribuir seus recursos. E é preciso não confundir. Quando anunciamos esses planos estruturais que têm prazo mais estendido para implementação, não quer dizer que estamos abandonando as necessidades mais imediatas. O barco está sendo tocado com as contingências que nos atropelam. Minha missão não é menor que deixar para a sociedade uma nova Funarte, menos executora como ela é hoje. Deixar de atuar com mecanismos que têm características de concentração e passar a atuar na lógica de sistema federativo. Espero ter condições para fazer essa transição. Se não for possível por razões políticas e financeiras, espero deixar o legado do desenho institucional que acredito que a casa deveria ter.
O editais da Funarte estão completando 10 anos. Como avaliam o funcionamento dos editais de fomento? Alguma proposta de modificação?
Para 2016, nossa ideia é lançar os editais com alguns aperfeiçoamentos e, ao mesmo tempo, começar uma transição no sentido desse pensamento federativo. Quero fazer uma experiência piloto de descentralização de recursos da Funarte, por exemplo, para uma região ou um conjunto de Estados que são tradicionalmente menos atendidos pela instituição. Mas buscando a manutenção desses mecanismos que, se por um lado não atendem as necessidades das sociedade, por outro já têm certo nível de funcionamento, e eu não quero extingui-los. Fizemos um estudo dos editais, levantando números e informações, e agora estamos empreendendo um esforço de interpretação. Essa pesquisa será apresentada no início do ano quem vem e funcionará como subsídio para nosso pensamento para reformular nossas políticas públicas.
Qual é a situação orçamentária da Funarte hoje?
O orçamento de 2015 foi significativamente menor que o do ano anterior e tudo indica que em 2016 será menor que o deste ano. Posso citar algo aproximado. Para as atividades finais, tivemos em torno de R$ 45 milhões, que são colocados diretamente na cultura por meio de editais e bolsas. É pouco e ainda tem toda a área. Meio que inclui manutenção dos 20 equipamentos culturais, pessoal, limpeza etc.
Dívidas
Após a entrevista, a Funarte comunicou por e-mail que irá fechar o ano sem efetuar o pagamento de alguns prêmios e editais por falta de caixa. De 2014, a instituição ficará em dívida com os contemplados do Prêmio Klauss Vianna de Dança e Bolsa Funarte de Fomento a Artistas e Produtores Negros, que foram pagos apenas parcialmente. A segunda e última etapa será liquidada quando se iniciarem os repasses financeiros do MinC à Funarte, com previsão para abril e maio de 2016. O mesmo também acontecerá com os prêmios de 2015 – Myriam Muniz, Carequinha, Klauss Vianna, Programação Continuada e Redes de Artes Visuais.