Também apontamos que os principais ruídos que distorcem nossa tomada de realidade surgem de nossa subjetividade intrínseca, fundamentada muitas vezes em nosso querer, em nossos temores, em nossas crenças e preconceitos;
— No entanto, também poderia ser fundamentada em nosso conhecimento.
Disso resulta o conceito de episteme, que derivado do termo grego “epistámenos” cuja conjugação “epistasthai”, quer significar segundo Heidegger “o ato de entender”, “de tornar claro” ou “de desvendar” a partir da expressão: colocar-se em pé diante do universo para entende-lo, decifrá-lo, desvendá-lo.
E esse “colocar-se em pé”, nos oferece numa figura de linguagem, a necessidade de nos colocarmos retos e equilibrados perante o mundo — sem desvios — como sendo a primeira condição para construirmos essa interpretação fiel do nosso mundo, como sendo a mais isenta possível.
Mas como fazer isso?
Como fazemos para interpretar o universo da forma mais próxima da verdade. Com a maior isenção?
Se é que essa tarefa seja virtualmente possível?
Apresentamos outro conceito importantíssimo. Também emprestado da terminologia grega:
— Hermenêutica.
No dicionário Aurélio a hermenêutica é definida como sendo “interpretação do sentido das palavras; interpretação dos textos sagrados; arte de interpretar leis”.
O termo tem sua etimologia oriunda do mito do deus Hermes que como mensageiro dos demais deuses do Olimpo, efetuava essa sagrada tarefa, primeiro interpretando a mensagem para depois transmiti-la de uma forma que os homens pudessem entendê-la.
Do vocábulo “Hermeneuo” que significa explicar, interpretar, traduzir temos, portanto, a hermenêutica, que segundo Roy Zuck , seria a arte e a ciência de interpretação.
Numa conceituação simplista podemos observar várias formas ou tipos de hermenêutica em prática, desde a religiosa — como a usada na interpretação dos textos bíblicos — até a jurídica — aquela pautada, como já mencionamos, na interpretação das leis.
Queria, no entanto, destacar o termo em sua conotação ontológica, no sentido mais geral e contemporâneo cunhado por dois gênios: Nietzsche e Heidegger — seus legítimos fundadores:
A interpretação da própria realidade.
Ou numa expressão mais palatável:
A nossa leitura de mundo.
Ora, recordando aquela clássica dicotomia apresentada por Descartes: o mundo dos fenômenos (aquele externo à minha psicologia) versus o mundo das sensações (aquele interno à minha psicologia) podemos intuir a existência de um mundo das interpretações: uma interface que torne inteligível as coisas do universo e permita essa tomada da realidade,
Numa imagem, temos o mapa versus o território.
Enquanto o território é a realidade em si mesma, com todas as suas nuances, o mapa é o nosso episteme, ou seja, a nossa interpretação ou entendimento dessa realidade.
Consequentemente nossa hermenêutica é a forma como construímos esse mapa, em outras palavras, a hermenêutica é a nossa técnica cartográfica.
Quando mais refinada for nossa técnica, mas preciso e confiável será o nosso mapa. Melhor e mais confiável será nossa interpretação da realidade.
Nesse, e também nos próximos artigos, me proponho a discorrer sobre algumas técnicas que julgo úteis na construção dessa tomada de realidade.
A primeira delas já citada no artigo passado é a falsa dicotomia confiança X desconfiança.
Como manifestei na ocasião usando as palavras de André Carneiro:
— A desconfiança é uma lente torta, ao mesmo tempo, que amplifica — distorce.
Porém como conseguiremos confiar em nós mesmos e ainda naqueles que nos cercam?
A impressão que se dá numa primeira avaliação é que a sociedade está se desmoronando e que nada e nem ninguém merece nossa confiança.
Nem nós mesmos.
Isso porque todos os sábados eu prometo que vou começar o regime na segunda-feira. Sempre me culpo por estourar repetidamente meus cartões de créditos em todo final de ano, e por aí vai.
No fundo eu não quero controlar minhas despesas. E também não quero emagrecer.
Eu quero é ser emagrecido.
Mas isso já será assunto para um artigo vindouro.
O que eu quero manifestar é que quando eu perco a confiança em mim mesmo e na minha capacidade de resolver os meus problemas eu fico à mercê de impostores que querem “me vender” soluções instantâneas.
Por isso proliferam ideologias e misticismos variados nos momentos de crise.
Uma boa parcela da população humana sonha com essas soluções milagrosas e saídas mágicas — principalmente aquelas soluções e saídas que não exigem nem um grama de esforço individual — talvez apenas uma módica contribuição monetária para o caixinha da instituição milagreira.
Eu contraponho esses milagres ideológicos com a pontuação de uma entre tantas obviedades que já apresentei aqui.
— Eu tenho que resgatar a confiança em mim mesmo.
Como?
Obviamente me capacitando.
Buscando o conhecimento.
E muito mais que isso.
Colocando esse conhecimento em prática. Não me detendo na teoria.
Se o mundo está de um jeito torto, talvez eu possa endireita-lo um pouquinho.
Começando por mim.
Como?
Nada mirabolante.
Apenas o óbvio:
Vou começar a revolução mundial simplesmente arrumando o meu quarto. Acordando cedo. Respeitando as leis de trânsito. Chegando no horário. Não jogando lixo nas ruas, sendo educado.
Por exemplo,
Eu decido acordar mais cedo para ir para o trabalho e simplesmente faço isso.
Ora, se eu dirigir para o trabalho sem a pressa matinal — pois acordei cedo — serei um motorista a menos no trânsito a estar estressado. Um motorista a menos a buzinar, a avançar o sinal, a provocar acidentes.
Vou chegar para trabalhar menos estressado para sorte dos meus alunos.
O mundo ficaria um pouquinho melhor. Não ficaria?
Basta eu fazer a minha parte.
Simples assim.
Porque no fundo a principal interrogante hermenêutica acaba numa simples questão de óptica.
— Se minha lente está torta o jeito é mudar o foco.
Ao invés de olhar o tempo todo para fora eu vou começar a olhar um pouco para dentro.