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No AM e RO, ‘El Niño Godzilla’ cria cenário de semiárido com falta de chuvas e queimadas

Por Fabio Pontes, de Manaus, para Contilnet

Na Comunidade Rumo Certo, no município de Presidente Figueiredo, o lago secou e as ilhas desapareceram/Fabio Pontes/ContilNet

Na Comunidade Rumo Certo, no município de Presidente Figueiredo, o lago secou e as ilhas desapareceram/Fabio Pontes/ContilNet

Na Comunidade Rumo Certo, no município de Presidente Figueiredo (a 107 quilômetros de distância de Manaus), a população navegava em voadeiras (barco com motor) e canoas pelas ilhas formadas pelo lago da hidrelétrica de Balbina para ter acesso às casas de parentes e à sede do município. Com a estiagem incomum que afeta a região há quatro meses por causa do El Niño “Godzilla”, o lago secou, as ilhas desapareceram.

Famílias como a do pastor Anestor Farias, precisam caminhar mais de quatro horas para sair do isolamento imposto com a falta de navegabilidade do lago de Balbina, em Rumo Certo. Caminham por um chão de terra batida que levanta poeira ao tocar dos pés.

A reportagem da Amazônia Real esteve em Rumo Certo no dia 20 de fevereiro. A comunidade fica distante a 55 quilômetros da sede de Presidente Figueiredo, em percurso feito em carro. Na região, a vazante (descida das águas) que deveria estar no fim, se mostra firme. A comunidade não está completamente isolada porque fica distante a três quilômetros da margem da BR-174, rodovia que liga o município à Manaus, capital do Amazonas.

É para o eixo da rodovia que a família do pastor Anestor Farias, 63 anos, caminha sob um sol escaldante. Ele disse que nos 30 anos em que vive nessa região nunca tinha presenciado “uma seca assim”. “O único jeito é colocar o joelho no chão e orar para Deus mandar chuva”, diz o pastor Farias, evocando a fé para atravessar o “deserto amazônico”.

A paisagem fica mais desoladora com a imagem do seco lago de Balbina, hidrelétrica construída na década de 80 e tida pelos cientistas como um grande desastre ambiental, pois a obra inundou milhões de hectares de floresta tropical, entre elas uma terra indígena, a dos Waimiri Atroari. Os troncos das árvores, que foram submersas, emergiram na seca em tocos nas cores cinza e marrom. No lugar da água, surgiu uma vegetação rasteira.

A falta de navegabilidade no lago de Balbina também dificulta o deslocamento da família do agricultor Douglas de Souza, 45. A reportagem o encontrou em Rumo Certo aguardando uma carona para chegar até a margem do lago e voltar para casa. Ele tinha retornado da sede de Presidente Figueiredo, onde foi ao banco receber benefícios. “Antes eu levava 20 minutos de voadeira para chegar até aqui [em Rumo Certo]. Agora tenho que deixar meu barco na casa de um vizinho, para depois ir andando até em casa. São duas horas andando”, explicou Souza.

Nesses tempos de seca em Balbina, Antônio Lima, 48, conhecido como Sam, deixou o trabalho de açougueiro na sede de Presidente Figueiredo para ganhar dinheiro com o transporte dos ribeirinhos. Ele tem uma caminhonete seminova. Cobra de R$ 20 a R$ 30 por um percurso entre as comunidades do lado de Balbina. “Eu presto esse serviço para o pessoal das comunidades, que enfrenta muita dificuldade na seca. Faço de dez a 15 viagens por dia”, disse Sam.

Sem recursos para pegar a caminhonete, o agricultor Moacir Alves Lima, 40, afirmou que acorda cedo para enfrentar as longas distâncias que separam a comunidade Catitu, onde mora, até Rumo Certo, para onde leva macaxeira para vender.

Ele conta que quando o lado de Balbina estava cheio, fazia o percurso entre as comunidades de canoa. Agora faz o mesmo caminho em seis horas de caminhada. “Minha canoa ficou encalhada. Precisarei guinchá-la até o ponto mais próximo da vila. Agora tenho que seguir a pé”, disse Moacir Lima.

Embarcações ficam encalhadas pela falta de chuva/Foto: ContilNet

As embarcações ficaram encalhadas

Na comunidade Rumo Certo há escassez de água potável e insegurança alimentar, já que a produção agrícola estagnou pela falta de chuvas. Pouco mais de 1.500 famílias vivem em Rumo Certo. A prefeitura de Presidente Figueiredo disse que abastece 5.000 pessoas, incluindo as que vivem em uma vila próxima, a Novo Rumo, com caminhões-pipa.

No pequeno porto de Rumo Certo, as embarcações, que antes da seca transportavam a produção das plantações e os moradores da comunidade, agora estão encalhadas no leito do lago. Para transportar uma pequena produção de macaxeiras, agricultores chegam a percorrer cinco horas a pé com os sacos do alimento nas costas.

“Hoje o ribeirinho que vem com duas sacas de macaxeira deixa uma para pagar o frete. Nossa situação está muito difícil”, disse Joel Moraes da Silva, 46, presidente da Associação Comunitária Boa União, que representa também Rumo Certo e Novo Rumo.

Outra preocupação econômica de Silva é com o endividamento dos produtores rurais que obtiveram financiamentos em bancos e que agora estão em prejuízos ante a produção comprometida com a seca. “Quem pegou dinheiro para aumentar a produção ficou no prejuízo, a dívida está crescendo lá [no banco]”, disse.

Silva afirmou que Rumo Certo é um dos principais responsáveis pela produção de banana para a Região Metropolitana de Manaus. “Se antes cada produtor enchia até quatro canoas com banana, hoje não chega a uma”, disse o líder comunitário.

O agricultor Douglas de Souza disse que comprou terras na região do lago de Balbina há quatro anos para plantar macaxeira. Segundo ele, a produção vinha bem até o agravamento da estiagem. O roçado agora causa prejuízo, afirmou.

“Só sobrou um pouco da plantação por lá, o resto perdi tudo. A gente fica até desanimado com uma situação dessas. Passamos o ano trabalhando para colher alguma coisa e de repente vê tudo destruído”, disse Souza.

A Amazônia Real também visitou a Comunidade Boa Esperança, localizada no quilômetro 128 da BR-174. Lá a agricultora Jomara Campos, 27, disse que perdeu toda a produção de pimenta, alface, cheiro-verde e outras hortaliças. Na estufa que fica na frente de casa as plantas morreram com a falta de chuva. “Tudo o que a gente tinha está aí, perdeu tudo sem a chuva. Sem água não há muito o que fazer, não tem como tratar a plantação”, afirmou.

Jomara Campos também relatou a dificuldade que a seca impõe no abastecimento de água potável. “Estávamos há duas semanas com as duas caixas d´águas vazias quando o caminhão-pipa da prefeitura voltou a enchê-las. A gente só tem água na caixa quando eles [prefeitura] vêm deixar. Essa é a terceira vez que eles estão aqui”, comentou a agricultora.

Ele explicou como faz quando as caixas ficam sem uma gota do líquido: “Estamos pegando água na casa do irmão do meu marido aqui perto. Para beber compramos água mineral em galão, é o único jeito de não passarmos sede nem fome”, disse Jomara Campos.

Estiagem obrigou deslocamentos de famílias

Segundo a Secretaria de Agricultura de Presidente Figueiredo, com a estiagem prolongada, a produção de hortifrútis do município caiu de 1.200 toneladas por mês para cerca de 300 t.

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) do Amazonas, a média normal de chuvas no mês de fevereiro no município de Presidente Figueiredo é de 216 milímetros a 330 milímetros. Em fevereiro de 2016 choveu apenas 47,4mm. Segundo o Inmet, não há dados sobre chuvas na região este ano por falta de uma estação na localidade.

Como parte da ajuda humanitária, o governo do Amazonas enviou ao município de Presidente Figueiredo recursos na R$ 300 mil, além de alimentos, redes, colchões e mosqueteiros, kit´s higiene, medicamentos e motores de bomba com mangueiras para auxiliar a produção rural, disse a Defesa Civil Estadual.

Afrânio Caldas, coordenador municipal da Defesa Civil, disse à Amazônia Real que foram atingidas pela seca 11.616 moradores de Presidente Figueiredo, que tem uma população de cerca de 33.000 pessoas (dados do IBGE). Contou que muitas famílias não suportaram a falta d´água potável e a vazante dos rios. Elas foram abrigadas em casas de parentes que moram em outras vilas e até na sede da cidade.

“As famílias que se deslocavam de forma fluvial e gastavam uma hora [para chegar às comunidades Novo Rumo e Rumo Certo], agora gastam de cinco a seis horas” afirma Caldas.

Com relação ao abastecimento de água potável para as famílias das comunidades afetadas pela seca, o coordenador Afrânio Caldas disse que a distribuição acontece desde o mês de outubro, quando a estiagem se acentuou.

“Já fornecemos 13 milhões de metros cúbicos de água. A distribuição acontece sete vezes ao dia e de domingo a domingo”, afirmou o coordenador da Defesa Civil.

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