Rico Dalasam bate no peito ao assumir o posto de primeiro rapper negro e gay do Brasil, a ponto do nome de seu disco de estreia ter nascido da junção de “orgulho negro e gay”, tópico recorrente em suas composições. “Orgunga”, disponível nas plataformas digitais desde o início do mês, surge como uma transição do EP “Modo diverso”, lançado em maio do ano passado e responsável por mudar a vida deste ex-cabeleireiro da periferia de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.
— “Orgunga” é uma curva um pouco mais extensa, que fala de um orgulho que vem depois da vergonha. Quando a gente foi pra rua, foi tudo muito de supetão. Lancei um clipe em dezembro de 2014 (o do single “Aceite-C”) e em janeiro eu já tinha quatro shows marcados. Dois meses depois, já tinha muita gente falando sobre mim e indo ao show para receber algo que era muito cru ainda — explica Rico, em papo por telefone minutos depois de apertar o botão de “publicar” e divulgar o álbum com exclusividade para quem acompanhava uma transmissão ao vivo que fazia pelo Facebook.
Enquanto lidava com reações mistas a seus primeiros passos no desafiador mercado da música independente, o rapper se preparou para o que viria pela frente e estreitou relações com o público.
— Eu recebi críticas de pessoas relevantes dizendo que o trabalho era genial, incrível, e outras esperando o amadurecimento. Esse período de transição não brecou o crescimento. Fui criando identificação com quem gostava do meu trabalho e fiz cerca de cem shows no ano passado — lembra. — Enquanto isso, aprendi coisas como desde respirar para cantar (fez sessões de fonoaudiologia) até técnicas de gravação. No “Modo diverso”, eu gravei as músicas sem saber dimensionar o que vinha pela frente, e, desde então, mudou tudo no meu modo de vida. O susto me fez pensar com calma, fazer uma balanço e me encontrar musicalmente. “Orgunga” é uma sequência disso, e consegui gravar com mais qualidade e produzir melhor.
Para chegar ao resultado final, Rico contou com a ajuda de vários produtores: Mahal Pita, do BaianaSystem, contribui no remix de “Riquíssima”, já apresentada no EP e repaginada para o CD, e em “MiliMili”; “Drama” tem produção assinada por Pifo; Arthur Joly dá o compasso de “Honestamente”; Xuxa Levy põe as mãos em “Relógios”; Duani, em “Vambora”; e Phillip Neo, produtor de todas as faixas de “Modo diverso”, dá as caras em “Dalasam”, “Nortes” e “Esse close eu dei”, primeiro single de “Orgunga”, cujo clipe já foi visto mais de 60 mil vezes em um mês.
O batalhão de produtores deu suporte às ousadias de Rico. Mesmo em sua estreia, o rapper vai do trap em slow motion de “Honestamente” ao rock leve de “Relógios”, falando de amor e relacionamentos sem esquecer suas bandeiras.
— Para fazer o “Modo diverso”, procurei muita gente e recebi muitos “não”. Encontrei o Phillip Neo, fiz cinco músicas com ele e foi mágico. No caminho, as pessoas foram vendo que eu era relevante, e agora tive a oportunidade de fazer parceria com caras geniais. E, nesse meio de caminho, fiz muitas outras músicas que não entraram no disco, como faixas com Leo Justi e Rodrigo Gorky. Estas vão aparecer no futuro — promete Rico.
No intervalo entre “Modo diverso” e “Orgunga”, o músico paulista se viu fazendo parte de uma cena que até há pouco tempo, quando ele ainda dividia seu tempo entre as tesouradas e as canetadas, não existia. A partir do barulho reverberado pelo modo de afirmação de Rico, seja através de suas rimas ou de seu estilo fashion próprio, apareceram outros artistas que não temem discursar contra o conceito de gênero, como Liniker, Jaloo e As Bahias e a Cozinha Mineira (banda liderada por duas vocalistas trans).
— Eu me sinto, sim, um pouco responsável por essa abertura, por ter sido o primeiro. Cada vez que um artista desses ganha espaço, isso entra no imaginário das pessoas. A representatividade é um milagre e a falta dela é uma mazela. O povo que não vê o preconceito começa a achar o opressor legal. Quando vê, pode começar a reproduzir o discurso do oprimido. Mas nunca quis ser símbolo de nada. Eu queria fazer minha arte, minhas músicas, e fiz por conta própria, por achar que vale a pena — explica.
Em mais um discurso de afirmação, Rico costuma dizer que quer ser alguém que sempre esperou ver na televisão e não viu. Se vai conseguir?
— De alguma forma, eu tenho circulado, feito algumas participações na televisão e tal. Mas ao mesmo tempo acredito que hoje é outro tempo. Eu sigo um gráfico de construção de carreira, e acho que, dessa forma, posso fazer algo que perdure a longo prazo. Os números nas redes sociais não param de crescer, a agenda de shows está boa, estou sempre viajando… Eu não sei se vim para ser um artista da massa, mas, enquanto tiver o reconhecimento do meu nicho, estou bem — conclui o primeiro rapper negro e gay do Brasil.
Esse close ele deu.