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Questão social e política faz da França alvo de atentados

Por Agência Brasil

Em janeiro do ano passado, mais de um milhão de pessoas e 40 chefes de estado participaram da Marcha contra o Terror, após o atentado ao jornal Charlie Hebdo. No final do mesmo ano, outro ataque na capital francesa matou mais de 130 mortosEPA/Agência Lusa/Direitos Reservados

A França vem sendo, claramente, alvo preferencial de ataques nos últimos meses. Para a portuguesa Mónica Ferro, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, há duas razões principais para isso.

A primeira é o empenho militar francês no combate ao Estado Islâmico (EI) na Síria, Iraque e Líbia. “Embora até o presente momento ainda não saibamos se foi um atentado reivindicado pelo EI, pois ainda não há reivindicação, sabemos que alguns grupos ligados ao EI já se congratularam nas redes sociais por este atentado”, afirmou à Agência Brasil.

A segunda razão, de acordo com a professora, é que a França tem grandes comunidades de jovens que estão “desenraizados” e que são mais facilmente cooptados por grupos terroristas. “Os atentados em Bruxelas e em Paris foram cometidos por europeus, jovens que vivem na Europa, e que foram radicalizados no continente europeu”, afirma.

Para o português Felipe Pathé Duarte, professor universitário e membro do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), o problema é social e político. “No caso específico da Europa, [são] jovens com 20 e poucos anos e com problemas sociais e políticos que vão beber dessa ideologia [jihadismo]. É um problema social e político”, afirma o professor.

Para Duarte, é um engano relacionar terrorismo à questão religiosa. “Estamos falando de uma ideologia reacionária, violenta, enquadrada por questões religiosas, sem dúvida, mas é uma ideologia política, que procura tomar o poder. Não é salvar almas, é tomar o poder. Mas [os jihadistas] falam utilizando uma retórica religiosa”.

Data nacional

Para Mónica, o ataque da noite de ontem (14), em Nice, no dia quando se comemora a Queda da Bastilha, foi simbólico. “É o dia nacional, dia no qual a França afirma liberdade, igualdade e fraternidade. É um ataque ao coração dos valores da nossa civilização, da forma como nós nos organizamos em sociedade. E a França é fonte inspiradora desses direitos e isso faz deles um alvo muito importante”.

Felipe Pathé Duarte é autor do livro Jihadismo Global: das palavras aos actos e afirma que um dos grandes desafios atuais é acompanhar e monitorar o movimento de radicais que potencialmente poderão vir a ser violentos.

Ataque em Nice deixa ao menos 80 mortosAPA/Olivier Anrigo/Agência Lusa/Direitos Reservados

“Esse acompanhamento tem que ser feito para ver até que ponto o indivíduo passa do radicalismo à violência, o que é extremamente complicado pois não há um padrão. E, por outro lado, às vezes é o próprio desespero que leva a isso [ataques terroristas]. Monitorar o desespero é impossível”, afirma.

Para Duarte, a internet é um novo campo de guerra, de batalha, onde há comunicação e os terroristas utilizam isso como ninguém. Não apenas para passar a mensagem, que é a comunicação externa; mas também na comunicação interna. “Muitos entram na chamada deep dark web [internet escura e profunda, em tradução livre], se comunicam através de fóruns, compartilham vídeos, informações. Está disponível a qualquer um e em alguns casos é uma espécie de do it your self your own jihad [faça você mesmo sua própria jihad]. Portanto, alguém com problemas de sociopatia, psicopatia ou com tendências homofóbicas, pode apanhar aquela ideologia e ver nela a capacidade de resposta para a sua própria frustração”, disse.

A professora Mónica Ferro afirmou ainda que é quase impossível antecipar um atentado como o de ontem e que o terrorismo, nos últimos tempos, vem se alterando. “Um sujeito aluga um caminhão e avança para cima de centenas de pessoas. É uma pessoa que utiliza um objeto do nosso cotidiano como arma. O atentado de ontem mostrou o quão simples é causar um grande número de mortes de civis nos nossos países”.

“O que a Europa precisa entender é o que faz com que estes homens jovens estejam disponíveis para uma ação dessas. como, onde e porque foram radicalizados. E não podemos generalizar isto à comunidade islâmica. Há milhares de muçulmanos vivendo na França, que vivem em paz e perfeitamente integrados. Precisamos entender onde a política europeia está falhando”, afirma Mónica.

Para Duarte, o terrorismo jihadista é uma estratégia subversiva global e de longo prazo. “O objetivo de uma ação estratégica subversiva é corroer a relação de confiança para tomar o poder. É nessa corrosão da relação de confiança que o terrorista atua. O que melhor corrói a relação de confiança? É a disseminação do medo. Qual melhor forma de disseminar o medo? Através da violência aleatória”, diz o professor português que acrescente: “o próprio poder político na Europa está se alterando. O crescimento da extrema direita tendo como pano de fundo a crise econômica e financeira. Essa situação cria bolsões de ressentimento e é nesses bolsões que se vai encontrar mais recrutas para continuar a luta”, afirma.

Repercussão

Quanto à dramaticidade e impacto dos ataques a locais públicos, como foi o caso do atentando de ontem, Duarte explica que a repercussão é amplificada pelo caráter aleatório da ação. “Quando há uma carnificina, qualquer pessoa pode ser eliminada desde que esteja passando no local, isso automaticamente aumenta o sentimento de insegurança”, diz.

Em relação aos ataques realizados em aeroportos, como foi o caso de Istambul, no fim do mês passado, Duarte explica que estes locais são os chamados soft targets, onde a segurança efetiva é extremamente complexa por serem pontos de intenso fluxo de pessoas.

“Nos soft targets, a fluidez de pessoas é permanente. O fluxo é enorme e é impossível monitorar todas as pessoas. Se nós quisermos escrutinar individualmente todas essas pessoas, o fluxo diminui. Então, a essência daquela plataforma, que é o fluxo permanente de pessoas, é posta em questão em nome da segurança”, argumenta o professor Duarte.

Segundo o especialista, há a insegurança e o sentimento de insegurança. E os dois nem sempre caminham juntos. Desta forma, a presença policial é fundamental, por ser um fator dissuasório e por aumentar o sentimento de segurança das pessoas. No entanto, o policiamento não pode ser excessivo a ponto de violar direitos, liberdades e garantias individuais.

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