A fábrica estatal de preservativos masculinos de Xapuri, a Natex, concebida para ser a única do país a usar látex extraído de seringueiras nativas, caminha para ser o segundo exemplo de fracasso dos projetos econômicos na terra de Chico Mendes, nestas quase duas décadas de governos petistas no Acre. O primeiro foi a indústria de tacos (pisos produzidos a partir da madeira), que hoje é apenas um grande galpão abandonado que serve como depósito para os equipamentos deteriorados.
A falta do principal insumo para a produção das camisinhas, o atraso no pagamento dos salários dos funcionários e dos seringueiros que fornecem o látex, além da redução da capacidade de operação, são sinais de que a Natex não passa por um bom momento. Outra evidência mais recente disso foi a aprovação, pela Assembleia Legislativa no último dia 13 de julho, de anteprojeto de lei enviado pelo governador Tião Viana (PT) que praticamente privatiza a empresa.
No texto de justificativa da matéria, o governo diz que o modelo de operação industrial do empreendimento não pode mais ser tocado pelo poder público, mas sim pela iniciativa privada. Essa constatação, contudo, só apareceu após 8 anos de atuação da Natex. Idealizada no governo do irmão de Tião Viana, o hoje senador Jorge Viana (PT), a fábrica foi inaugurada em 2008 pelo governador Binho Marques (PT).
Em 10 de maio deste ano, Tião Viana recebeu a visita dos diretores da Lemgruber, empresa do Rio de Janeiro que atua na fabricação de luvas cirúrgicas e que, conforme o próprio governo confirmou, estaria disposta a assumir a Natex. À época, Tião Viana defendeu a privatização como “um passo para a evolução da fábrica”. Ao invés do termo privatizar, dessa vez os assessores usam o termo “parceria público-privada-comunitária” para classificar a transferência do gerenciamento da indústria.
Com o processo de privatização da gestão da fábrica já oficializado com a publicação da lei no Diário Oficial do Estado, agora resta saber qual empresa vencerá a concorrência para gerenciar os R$ 13,2 milhões do convênio que o Ministério da Saúde pretende renovar com a, até então, estatal Natex.
Localizada na Estrada da Borracha e distante seis quilômetros do centro de Xapuri, a Natex teve todo um apelo midiático-ambiental. Além de sua sede estar no berço da militância política de Chico Mendes, o preservativo é vendido como o único a ter o látex retirado de seringueiras nativas em sua composição, e não apenas de cultivo. Toda a produção da Natex é comprada pelo Ministério da Saúde, que também financiou a construção da fábrica.
No momento da inauguração, o governo disse que foram investidos R$ 31 milhões, sendo R$ 19 milhões do ministério. O restante saiu de recursos próprios do Estado e financiamentos como do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). A privatização da fábrica estatal não foi motivo de surpresa para os moradores de Xapuri. Porém, a desistência do governo Tião Viana no gerenciamento é motivo de preocupação para quem depende dela.
Segundo Dercy Teles, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, todas as tentativas feitas pelo governo de privatizar a já falida fábrica de tacos não deram certo. “Três empresas diferentes tentaram reergue-la, mas todas as tentativas se mostraram inviáveis. Não sei se alguma empresa estará disposta em assumir a Natex”, afirma ela. Para Dercy, a privatização não fará muita diferença na relação entre trabalhadores e fábrica.
“Na verdade, todos os trabalhadores eram terceirizados. Eles trabalham para empresas que venciam licitações para gerenciar essa mão de obra. E isso não funcionou, tanto que há muitas ações tramitando na Justiça do Trabalho. Eu não sei se a privatização vai resolver alguma coisa, porque parcialmente ela já era privatizada.”
A reportagem ContilNet constatou que oito ações contra a Natex tramitaram no Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região (AC e RO) em 2010. Todas já foram julgadas e arquivadas. Desde que empresas terceirizadas passaram a gerenciar a mão de obra, todos os processos trabalhistas passaram a ser contra estas empresas.
De acordo com Dercy, a Natex deixou de comprar o látex extraído da Reserva Chico Mendes. “Eles [seringueiros] estão passando por dificuldades, pois a fábrica deixou de comprar o látex desde novembro de 2015. Eles contavam com essa alternativa e, de repente, foi retirado sem nenhuma explicação”, diz.
“Eu posso afirmar que desde o ano passado já não existe látex nativo na produção da fábrica. A empresa está produzindo só com látex de cultivo. Em 2015 a Natex anunciou que não ia mais comprar o látex nativo por falta de recursos e por dificuldades de logística”, revela Jurivam Bezerra, 28, funcionário da empresa por seis anos e que se afastou após um acidente de trabalho no qual perdeu o movimento da mão esquerda.
Dercy Teles afirma também que a Natex é uma importante alternativa econômica para as comunidades que ainda tentam sobreviver do extrativismo, que tem como produtos principais o látex e a castanha. Para assegurar a “pureza” de seus preservativos, a direção da indústria sempre declarou que a matéria-prima é composta de 80% de látex natural, sendo os outros 20% de cultivo.
“Na verdade isso era o inverso. O látex nativo retirado da reserva era apenas um complemento, era a menor parte da matéria-prima. Eles compravam de seringal de cultivo de Rio Branco e outras cidades vizinhas”, denuncia Dercy Teles, que esteve com Chico Mendes nos movimentos de resistência à invasão da pecuária no Acre nas décadas de 1970 e 1980.
Para tentar manter o mínimo de látex nativo em estoque, o governo acreano adotou uma política de subsídio para o insumo. O incentivo estadual é de R$ 4,40 por quilo, com a Natex desembolsando mais R$ 3,60. A Natex afirma usar 300 toneladas de látex por ano para a produção de 100 milhões de preservativos. O objetivo inicial era beneficiar 700 seringueiros por meio da compra de sua produção. Até novembro do ano passado a compra era feita de 500.
A Natex também é considerada essencial pela população urbana de Xapuri. Ela gera 170 empregos diretos. Jurivam Bezerra, mesmo afastado, acompanha de perto a rotina dos colegas que ainda trabalham por lá.
“Há períodos em que os salários chegam a atrasar três meses. Em novembro houveram demissões e o pessoal precisou recorrer à Justiça para receber a rescisão”, relata Bezerra. O ex-funcionário afirma que outra luta é para garantir o adicional por insalubridade. “Trabalhamos com produtos químicos perigosos, mas não recebemos a mais por isso, por colocarmos nossa saúde em risco.”
Outra reclamação de Bezerra é sobre a pressão política que os funcionários sofrem para votar em candidatos apoiados pelo governo petista em períodos eleitorais, tanto para governador quanto prefeito. “Por ser uma fábrica administrada diretamente pelo governo, existe uma pressão muito forte para que todos os funcionários venham a ser aliados do governo. Quando eles percebem que alguém se coloca contra, eles perseguem essa pessoa até o ponto de demitir”, revela Bezerra.