19 de abril de 2024

O joio e o trigo na Lei Rouanet

Lei-RouanetFoi autorizada recentemente a criação da CPI da Lei Rouanet, no âmbito da Câmara dos Deputados. Dentre os argumentos de sua instalação estão casos supostamente “estranhos” de financiamentos aprovados pelo Ministério da Cultura, com altos valores para “projetos pífios”, dentre outros pontos genéricos. A instalação da CPI ocorreu dias após ser deflagrada a operação Boca Livre, da Polícia Federal, que apura escândalo envolvendo uma determinada produtora cultural que teria praticado irregularidades.

É importante garantir o controle sobre os mecanismos de fomento e coibir abusos. A sociedade exige esta lisura. Por outro lado, os atores (proponentes e patrocinadores) que fazem uso dos recursos merecem segurança jurídica nas ações contempladas por estes instrumentos. O bom exemplo é regra da grande maioria do mercado, enquanto que o uso incorreto é a exceção. Não fosse a Lei Rouanet, não teríamos tantos museus, orquestras, prédios restaurados, dentre outras centenas de iniciativas culturais.

No âmbito da CPI há fortes críticas aos projetos propostos por grandes artistas. Ora, se a atividade cultural foi aprovada no âmbito das atuais regras (ingressos a preços populares, gratuidades etc.), não é correto demonizá-las. A programação cultural gerada por estes projetos levam ações a beneficiários que talvez não pudessem ter acesso de outra forma, além de serem geradoras de emprego e renda. Lembremos que vários outros incentivos se justificam pela manutenção de emprego e renda.

Outra questão que se condena é o fato de uma produtora oferecer apresentação exclusiva para a empresa que patrocina um projeto. Não há vedação legal em se concentrar os ingressos de distribuição gratuita da empresa numa única data, desde que limitados em 10% do total de entradas disponíveis. A possibilidade de negociação dos ingressos em única sessão em nada tem a ver com desviar recurso público (ou financiar casamento, que é prática vedada pela lei).

Se não for separado o crime do juízo moral (feito muitas vezes por desconhecimento do tema), corremos o risco de generalizar nossas críticas e condenar de antemão uma série de bons produtores e patrocinadores. Há lacunas no regulamento das leis que precisam ser trabalhadas. É preciso cautela e coragem para diferenciar a boa e a má aplicação. Feito isso, a CPI e as operações de controle que surgirem servirão como etapa de amadurecimento destes mecanismos de fomento.

Vale lembrar que as ONGs passaram, durante quase dez anos, por processo semelhante. Houve duas CPIs nas quais se discutiam a gestão de recursos públicos pelas entidades sem fins lucrativos. Os parlamentares entenderam que o mau uso era exceção, o qual deveria ser foco de controle rigoroso com sanções condizentes com as irregularidades praticadas. O resultado final, no entanto, foi a implementação de regras específicas e contemporâneas focadas no interesse público e na eficiência das ações.

Esperamos que o trabalho por vir dos parlamentares em relação à Lei Rouanet tenha o mesmo olhar atento e sensível. São importantes os projetos realizados graças a este mecanismo federal de incentivo à cultura; que o resultado final da CPI acabe por aprimorar positivamente esta ferramenta, sem os preconceitos criados pelo desconhecimento.

Fabio de Sá Cesnik e Aline Akemi Freitas são advogados

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