18 de abril de 2024

A virada desestabilizadora da Europa

Jim Hoagland

Jim Hoagland

O surgimento de partidos populistas de direita na Europa atingiram a mais importante líder do continente, a chanceler alemã, Angela Merkel. Pior, o aumento de movimentos turbinados por programas nacionalistas e racistas sinaliza que um ethos crucial da aliança europeia-americana, vital para a estabilidade global durante sete décadas, está ameaçado por políticos extremistas nos dois lados do Atlântico.

Há muitos fatores tangíveis na guinada para o estreito nacionalismo refletido no voto britânico para deixar a União Europeia; na derrota das forças conservadores de Merkel pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de apenas três anos, numa importante eleição no último domingo; e no surgimento de tais movimentos na Polônia, Hungria, França e em utros lugares.

Estes fatores incluem uma reação ao deslocamento econômico causado pela globalização, a enxurrada de refugiados provenientes da Síria e outros países falidos na periferia do Sul da Europa; e os atentados terroristas cometidos pelo Estado Islâmico e outras forças jihadistas.

Mas há igualmente um fator intangível que merece uma atenção especial neste turbulento período político nos EUA. É o declínio da coesão estabilizadora trazida pelas Forças Armadas americanas, o compromisso comercial e cultural com uma Europa vulnerável desde 1945 — o enfraquecimento constante do ideal americano do internacionalismo engajado, que entrou na corrente sanguínea intelectual da Europa pós-Guerra, à medida que o Velho e o Novo mundos se uniram para reconstruir um continente devastado e enfrentar a ameça soviética.

O ideal internacionalista estava claramente impregnado na Europa ainda debilitada pela guerra que vi pela primeira vez em 1961 e onde, desde então, viria a estudar e trabalhar ou visitar com frequência.

Os EUA foram, afinal, uma nação que orgulhosamente declarava como seu propósito a absorção das “amontoadas massas pobres, cansadas e ansiosas por respirar livremente” do mundo. Apoiaram com tropas, gastos de defesa e ativa diplomacia pública o espírito de um amplo internacionalismo que era o oposto dos ódios chauvinistas europeus que haviam provocado duas guerras mundiais. Os fundadores do que hoje é a União Europeia viram os EUA como um modelo para a comunidade que eles pretendiam construir.

A ideia europeia de uma certa “América” ajudou a desencorajar o florescimento de políticas amargamente nacionalistas e posturas anti-imigração, assim como, é claro, as lembranças das recentes conflagrações.

Isto não é para declarar que os EUA por si só sempre viveram plenamente o ideal que, pelo menos por um tempo, ajudou a Europa a encontrar seu caminho. Erros americanos no exterior, do Vietnã ao Iraque, e uma luta racial e social internamente deixaram os EUA sem condições de dar sermões moralistas a outras nações.

Esta é a minha forma de pensar o infortúnio da Europa assim como dos EUA. A por vezes repulsiva campanha presidencial americana ameaça nos eliminar como um modelo para qualquer política. Pelos padrões estabelecidos por Donald Trump, a ameaça gerada pelo partido Alternativa para a Alemanha — de um nativismo mercantilista — é política convencional, e não um mal a ser combatido.

O partido de direita venceu a União Democrática Cristã de Merkel nas eleições para o Legislativo de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, um estado do Norte da Alemanha, conhecido por seus estaleiros e calmas praias, além de ser a base eleitoral da chanceler alemã.

O AfD obteve 20% dos votos no estado, e tem cerca de 14% nacionalmente. O Partido Social Democrata manteve sua liderança nas eleições legislativas estaduais, tornando a derrota de Merkel mais simbólica. Porém, o resultado eleitoral afetará sua capacidade de preencher o vácuo de liderança que existe hoje nas principais capitais europeias.

Enquanto isso, Trump tenta convencer o eleitorado que o ideal americano está desaparecendo no mundo por causa exclusiva da “fraca” política externa do presidente Barack Obama. A estratégia de redução de Obama e a negligência benigna inicial em relação à Europa contribuíram para o problema. Mas a redistribuição, a longo prazo, do poder econômico globalmente, em detrimento dos EUA, a fadiga do público americano com guerras e conflitos distantes pesaram muito mais fortemente em termos históricos do que as políticas de Obama.

PUBLICIDADE

De qualquer forma, os remédios de Trump apenas acelerariam a erosão da aliança. As promessas entusiasmadas de acordo que ele pretende estabelecer com o presidente russo, Vladimir Putin — um herói para a francesa Marine Le Pen e outros líderes europeus ultradireitistas que defendem noções de superioridade nacionalista e racial —, forçarão as nações europeias mais voláteis a brigar para obter suas próprias barganhas com a Rússia.

Conte com uma corrida europeia em direção a Moscou — e um ainda mais precipitado pendor para a direita nacionalista na política europeia — se Trump vencer em novembro. Este momento também marcará o enterro do ideal americano de internacionalismo que ajudou a tornar a Europa um continente mais próspero e pacífico na segunda metade do século XX.

Jim Hoagland é colunista de assuntos internacionais do “Washington Post”

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost