Chegou o momento da reforma política

Independentemente do seu lado durante o processo de impeachment, creio que podemos concordar que as instituições nacionais se tornaram, em si mesmas, um motivo de preocupação. A extensão da última crise política, a duração do impasse e a pobreza dos resultados indicam uma falha na própria estrutura política brasileira.

Nesses momentos, o nosso instinto básico é esperar que o próximo ciclo eleitoral purifique a vida pública. Porém, precisamos nos perguntar: por que isso não foi feito nas eleições anteriores? Por que falhas de governabilidade continuam se repetindo ano após ano? Não é razoável supor que, entre quase 200 milhões de habitantes, não tenhamos matéria-prima suficiente para preencher alguns poucos cargos centrais?

Também não faz sentido acreditar que faltaram boas ideias e boas intenções nos primeiros 30 anos da Nova República e que elas aparecerão milagrosamente com o próximo ciclo de candidatos. Faz muito mais sentido presumir que sempre houve bons candidatos, mas que há alguma falha sistêmica que impede que os melhores subam ao topo. Chegou a hora de abrir o capô e entender o que acontece com o motor.

Os cidadãos não possuem instrumentos efetivos para controlar a ordem pública

O Brasil e suas dores (artigo de Marcos Silveira, publicado em 17 e 18 de setembro de 2016)As tensões e obstáculos da democracia representativa (artigo de Pablo Valenzuela, publicado em 16 de setembro de 2016)Os desafios da democracia brasileira (artigo de Humberto Dantas, publicado em 12 de setembro de 2016)
O mecanismo em questão é o sistema político. Cada país tem um maquinário diferente que realiza a mesma função: “traduzir” as vontades populares em políticas públicas. O problema é que é impossível fazer essa tradução de um modo neutro. Desde a “vontade geral” de Rousseau ao “teorema da impossibilidade” de Arrow, os cientistas políticos foram progressivamente se conscientizando de que não existe nenhum método que agregue perfeitamente as várias demandas da população. Cada sistema político afeta de um modo diferente a capacidade de coordenação social do seu povo. Em seu sentido mais básico, “democracia” significa apenas a soberania formal do povo sobre o governo – sem nada dizer sobre os detalhes de como essa soberania será exercida concretamente. E vocês sabem quem mora nos detalhes.

São esses detalhes cruciais que precisamos discutir. Que tipos de incentivos são gerados para os candidatos? Que restrições pesam sobre os partidos? Que mecanismos concretos os cidadãos possuem para fiscalizar e pressionar a classe política? Essas questões específicas – que fogem a um esquema ideológico rígido – são muito mais importantes do que se imagina. Elas criam o arcabouço institucional que determina que tipo de jogo político será jogado. Quando vemos políticos se engajando em atividades questionáveis, precisamos nos perguntar o quanto desse comportamento não é devido a essas regras e não ao caráter dos candidatos em questão. Todo torcedor sabe que, quando o juiz fraqueja, a pancadaria sai do controle.

Embora cada país tenha seu próprio sistema político com diferenças locais, é possível distinguir algumas características necessárias para o bom funcionamento de qualquer democracia: o sistema precisa oferecer ampla oportunidade para a negociação das tensões sociais; esse debate precisa gerar um mandato público claro e entregá-lo a um grupo com a capacidade de executá-lo; é preciso haver mecanismos de controle que impeçam abusos, excluam as pessoas problemáticas e refaçam o mandato periodicamente.

Qualquer bom sistema político irá executar ciclicamente essas três etapas lógicas, renovando continuamente seus quadros. Infelizmente, isso não ocorre com o sistema brasileiro. Por vários motivos técnicos, a nossa combinação específica de instituições políticas – presidencialismo com Legislativo proporcional em país continental, com lista aberta e coligações multipartidárias – tem repetidamente gerado governos pouco transparentes, instáveis e com pouca estabilidade. Os cidadãos simplesmente não possuem instrumentos efetivos para controlar a ordem pública, fazendo com que tudo seja resolvido por acordo de bastidores. O resultado é conhecido: políticas ineficientes e, não raro, imorais.

Felizmente, tudo isso tem um remédio simples: reforma política. Se olharmos a experiência acumulada dos países desenvolvidos, encontraremos inspiração de sobra para aperfeiçoarmos as nossas soluções institucionais. E não precisamos ir pelo lento caminho das emendas constitucionais: podemos encurtar a discussão convocando um novo plebiscito para colocar o debate nas mãos da população.

É importante apenas não repetir o erro dos anos 90 e separar a reforma política da reforma eleitoral – os dois assuntos, afinal, estão intimamente relacionados. Embora esse autor tenha uma predileção bastante específica – o parlamentarismo distrital misto, testado e aprovado desde o Japão até a Alemanha –, ele ficaria bastante satisfeito em simplesmente sair da obscuridade do sistema atual em direção a qualquer sistema que ofereça um mínimo de racionalidade para os cidadãos.

Lucas Mafaldo de Oliveira é professor de Ciência Política no Ibmec-MG e especialista parceiro do Instituto Atuação, que realizou a 2ª Semana da Democracia em Curitiba.

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Chegou o momento da reforma política