Opinião: O desafio da igualdade de gênero

Numa democracia, homens e mulheres têm direitos iguais. Mesmo assim, em países como a Alemanha, aparentemente só por meio da lei algumas desvantagens podem ser abolidas, escreve a jornalista Bettina Burkart.Olhando para o mundo no Dia Internacional da Mulher, sinto um arrepio: milhões de companheiras minhas lutam simplesmente por sua sobrevivência; lutam por uma vida sem permanente violência, sem medo de seu entorno masculino; lutam por uma existência independente em pé de igualdade com os homens de suas sociedades. E isso sem nenhuma perspectiva verdadeira de sucesso em muitas regiões do mundo.

Como alemã, tenho o direito de reclamar realmente de alguma coisa no Dia Internacional da Mulher? Em meu país, as meninas podem (sim, até mesmo devem!) frequentar a escola da mesma forma que seus irmãos. Atualmente, elas possuem as maiores notas e os melhores diplomas escolares e universitários, exercem a profissão que quiserem e podem até mesmo ser chefe de governo.

Foto: Ilustrativa

Só que a remuneração delas continua ainda a ser, em média, mais que 20% inferior à dos homens, ou seja, nesse quesito, a Alemanha ocupa quase a posição de lanterninha entre os 28 países-membros da União Europeia (UE). Por quê? Porque as mulheres ainda são as principais responsáveis pelo cuidado da casa, das crianças e dos idosos. Com a jornada de trabalho reduzida, diminuem-se também as suas oportunidades de carreira ou até mesmo a possibilidade de voltar a ocupar um emprego bem remunerado.

Além disso, as chamadas “típicas profissões femininas” são geralmente mal pagas. Mas também mulheres em posições bem remuneradas ganham, muitas vezes, menos que seus colegas que exercem a mesma tarefa. E, se reclamam, têm de escutar de homens presunçosos e sorridentes que deveriam ter negociado melhor os seus salários.

Não é que não exista nenhuma tentativa de melhorar a situação: em janeiro último, o gabinete de governo alemão elaborou um projeto de lei para “fomentar a transparência de estruturas tarifárias”. Futuramente, empresas com mais de 200 trabalhadores poderão ser obrigadas a divulgar, mediante solicitação, os salários de seus empregados.

Assim, uma funcionária poderá constatar se ganha menos que seus colegas numa posição semelhante. Esse projeto de lei já é motivo de debate há mais de um ano. Muitos homens – principalmente do setor econômico – criticam esse projeto, especialmente com a justificativa de que vai sair muito dispendioso. Até onde vai o cinismo? A igualdade de remuneração – ou seja, quando homens e mulheres ganham o mesmo pela mesma tarefa – vai sair cara demais para a economia?

Por falar em economia: no campo da percepção de gênero, esse setor desempenha já há muitos anos um papel bastante inglório. Com o chamado “marketing de gênero”, ele contribui decisivamente para que meninas e meninos sejam inseridos, desde pequenos, nos velhos papéis tradicionais dos anos 1950.

Quase não existem mais brinquedos de gênero neutro, o mundo das menininhas e menininhos é dividido, rigorosamente, em rosa e azul claro. No fogãozinho de brinquedo róseo se encontra a princesa vestida de rosa, cozinhando o prato predileto de seu herói em trajes azuis. Na capa – mantida em azul – de Histórias para garotos aprender a ler, reúnem-se astronauta, pirata e policial como futuros heróis, enquanto na capa rósea de Histórias para garotas aprender a ler, uma princesa vestida de rosa acaricia um cavalo. E é preciso dizer que isso acontece em obras de uma renomada editora de livros escolares.

As empresas dão de ombros e apontam para o seu objetivo de maximização de lucros. Pois, naturalmente, melhor do que comercializar um livro que possa passar da irmã para o irmão ou vice-versa é vender um segundo livro para a mesma família. Nesse caso, ignora-se deliberadamente o quanto essa divisão prematura em meninos selvagens e meninas doces influenciam a vida dos adolescentes – algo que a ciência já comprovou há muito tempo. E isso explica também por que na Alemanha tem-se, algumas vezes, a sensação de que nos encontramos sob uma fina camada de igualdade de direitos ainda comprometidos com antiquíssimos papéis tradicionais do século passado.

Sim, diante da situação global das mulheres, eu me queixo em altíssimo nível. Mas é nesse entorno em que vivo. E não posso deixar de pensar que grande parte da população masculina somente “tolera” a igualdade de direitos vivenciada aqui, sem que seus sentimentos sejam convincentes. Pois, de outra forma, não haveria a repetida necessidade de normas como a Lei Alemã de Igualdade de Direitos ou a futura Lei de Transparência Salarial, para que se avance em pequenos passos em prol das mulheres.

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