OPINIÃO: A lei ambiental e a democracia

Para surpresa de muita gente que tenta regularizar sua propriedade rural, alguns membros do Ministério Público do Estado de São Paulo têm buscado restringir, por via judicial ou extrajudicial, a aplicação do Código Florestal (Lei 12.651/2012), como se ele não expressasse devidamente o interesse público. Trata-se de uma situação no mínimo excêntrica, já que a função do Ministério Público é justamente proteger e favorecer o cumprimento da lei.

A resistência na aplicação integral do Código Florestal ocorre, por exemplo, na compensação da reserva legal. Salvo raras exceções – por exemplo, áreas com empreendimentos de geração de energia elétrica –, toda propriedade rural deve ter um determinado porcentual de terra mantido com a vegetação nativa, a chamada reserva legal. Como forma de estimular a regularização de muitas propriedades antigas, que não dispõem dos porcentuais mínimos de vegetação nativa, a lei de 2012 autoriza compensar essa área de reserva por outra área equivalente, fora dos limites da propriedade, com a condição de que esteja localizada no mesmo bioma. Alguns promotores de Justiça, no entanto, entendem que a lei é muito branda com os proprietários rurais e têm dificultado essa compensação.

É legítima – e democraticamente muito saudável – a existência de críticas à legislação vigente. Essa liberdade de pensamento e de expressão, porém, não autoriza o descumprimento ou a não aplicação da lei. O cidadão comum conhece bem essa realidade. Ainda que não esteja de acordo com algum artigo do Código Penal, por exemplo, ele sabe que, se praticar determinada conduta tipificada como crime, estará sujeito às penas da lei.

A obrigatoriedade da lei não tem estado, no entanto, muito clara para algumas autoridades, como se o seu cargo lhes permitisse resistir à legislação. Em vez de intérpretes e aplicadores da lei, julgam-se seus árbitros. Essas pessoas se consideram no direito de não aplicar a lei caso entendam, por exemplo, que ela não protege suficientemente bem o meio ambiente. Estariam, é o pressuposto desse tipo de raciocínio, acima da lei.

Na resistência a aplicar uma lei vigente há uma implícita afronta ao Poder Legislativo, como se ele não fosse idôneo para expressar o interesse público. Não há dúvidas de que o conteúdo da Lei 12.651/2012 não agrada a todos, mas isso não retira a sua obrigatoriedade. Enquanto estiver vigente, a lei é, por força do princípio democrático, a melhor expressão do interesse público e, como tal, deve ser respeitada.

Não se trata de considerar perfeito o processo legislativo, mas de fazer valer o princípio democrático frente às variadas avaliações individuais possíveis. Uma lei só perde sua vigência se o Congresso a revogar ou se o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que ela viola a Constituição, o que não ocorreu no caso.

Logicamente, não basta alegar, como fazem alguns, a existência de ações no STF questionando a constitucionalidade do Código Florestal. Basear-se nesses processos para não cumprir a lei seria uma arbitrária antecipação de efeitos de uma decisão futura, cujo conteúdo pode vir a ser uma rotunda defesa da Lei 12.651/2012.

Objeto de amplo debate no Congresso, o Código Florestal cumpriu rigorosamente o processo legislativo e fornece um marco jurídico ambiental atualizado, dentro de um contexto de equilíbrio entre produção rural e sustentabilidade. Ao contrário da ideia tantas vezes difundida, a Lei 12.651/2012 é exigente com os produtores rurais, impondo-lhes não pequenos investimentos no cuidado e na recuperação do meio ambiente. E o fato é que ela tem funcionado bem. Basta ver que já foi realizado o Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 96,38% de toda a área passível de cadastro, tendo por base o Censo Agropecuário 2006 do IBGE.

O Código Florestal é uma cabal demonstração de que a democracia funciona e produz avanços. Basta ter o cuidado de respeitar aquilo que é o seu principal instrumento – a lei, votada e aprovada pelo Congresso.

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