20 de abril de 2024

Ministros do STF querem estender sigilo de delações por mais tempo

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os processos da Lava-Jato, está prestes a promover uma mudança que deixará as futuras delações premiadas em sigilo por mais tempo — e, em alguns casos, para todo o sempre. Atualmente, o sigilo é retirado logo depois de aberto inquérito na corte para investigar os fatos. Ao menos dois dos cinco integrantes do colegiado defendem que as delações permaneçam secretas até o STF receber a denúncia do Ministério Público e transformar o inquérito em ação penal. Outro ministro estaria inclinado a acompanhar o mesmo entendimento, o que formaria maioria na turma.

A abertura de uma ação penal costuma levar, em média, um ano. Isso nos casos em que o Ministério Público Federal apresenta denúncia ao STF. Quando houver pedido de arquivamento em vez de apresentação de denúncia, por falta de provas suficientes para se manter a investigação em pé, a delação permanecerá em sigilo por tempo indeterminado. Se houver mudança na regra, muitos inquéritos serão abertos na mais alta corte do país sem a divulgação do assunto tratado.

Edson Fachin, relator da Lava-Jato, defende a regra atual /Foto: Reprodução

O tema foi discutido na sessão da Segunda Turma do dia 13. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes defenderam a regra para casos futuros. Ricardo Lewandowski estaria inclinado a acompanhar os colegas. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, costuma defender a regra atual, em que o sigilo é retirado no momento da abertura do inquérito, com a divulgação dos depoimentos prestados e as provas apresentadas pelos delatores. O ministro Celso de Mello não defendeu nenhum dos lados, mas ressaltou a importância de se discutir o assunto quando novas delações chegarem ao tribunal.

O atual entendimento de que o sigilo das delações deve cair depois que o inquérito for aberto ganhou força quando o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro, comandava a Lava-Jato. A partir dessa interpretação, outros ministros do STF passaram a adotar o mesmo comportamento, para dar unidade às decisões da corte. Depois da chegada da delação da JBS, com elementos comprometedores para o presidente Michel Temer, alguns integrantes do tribunal passaram a defender com maior veemência a necessidade de se manter delações em sigilo por mais tempo.

Na última quinta-feira, quando o STF discutiu as regras de homologação de delações em plenário, Toffoli voltou a defender que a corte discuta novamente o sigilo dos depoimentos prestados pelos colaboradores. Na semana que vem, o tribunal deve bater o martelo sobre em que casos os benefícios concedidos aos delatores podem ser revogados. Depois disso, o foco passará a ser a regra do sigilo das delações.

Fachin vai debater o tema

Na sessão do dia 13, a Segunda Turma analisou mais de 50 recursos questionando o levantamento do sigilo da delação da JBS. Fachin começou o julgamento ponderando que o sigilo já estava levantado, portanto, não haveria mais o que fazer no caso específico. Antes dessa sessão, ele ouviu de colegas, em sala reservada, que havia interesse em mudar a regra. Fachin se comprometeu a levar o tema para debate no colegiado assim que receber a próxima delação da Lava-Jato.

Com isso, as delações que já tiveram sigilos derrubados até agora permaneceriam públicas. E a regra a ser aplicada às futuras decisões seria debatida na turma. Os demais ministros elogiaram a solução.

Por unanimidade, os ministros concordaram em manter a delação da JBS pública, com a promessa de rediscussão do caso no futuro. Segundo Toffoli, a lei que rege as delações garante a preservação do nome e da imagem do depoente até o recebimento da denúncia. Portanto, para que o sigilo caísse antes da abertura da ação penal, seria necessário haver a concordância não só do Judiciário e do Ministério Público, mas também do delator.

“Este contrato feito entre colaborador e o Estado investigador impõe direitos e deveres a ambas as partes. O Estado investigador não pode levantar sigilo antes do recebimento da denúncia ao seu bel prazer, porque a lei estabelece que o acordo deixa de ser sigiloso no recebimento da denúncia. Se o agente colaborador não autorizar por escrito ao juiz a possibilidade do levantamento antes desse momento, entendo que não é possível fazê-lo”, argumentou Toffoli.

Há delações em que, na colaboração, há cláusula estabelecendo que o levantamento do sigilo ficaria a critério do Ministério Público e do Judiciário. Para Toffoli, esse tipo de cláusula é ilegal.

“Entendo que essa cláusula não é cabível, até porque o colaborador está em uma situação que não é de igualdade com o agente do Estado”, afirmou.

Gilmar concordou com o colega

“No que concerne ao tema da divulgação, a falta de liberdade no processo decisório por parte do delator, aqui também há a questão relativa ao flagrante descumprimento da lei, me parece que isso precisa ser examinado”, disse Gilmar.

Todos os ministros concordaram que o tema precisa ser debatido mais a fundo no futuro, diante da próxima delação recebida pelo STF.

“Estamos dizendo que é uma matéria que pode ser revisitada, para mudar ou manter o entendimento. Um tema extremamente importante, que diz respeito à ponderação entre a publicidade dos atos e o direito ao resguardo da imagem do colaborador”, declarou Fachin.

“Esse diálogo é extremamente importante. Quando aqui aplicamos determinada interpretação da legislação das organizações criminosas, isso tem um reflexo na nação inteira”, alertou Toffoli.

“Penso que nós precisamos lançar um novo olhar sobre o papel do magistrado ao homologar esse tipo de instrumento. Tenho certeza de que o STF encontrará a melhor solução não só do ponto de vista jurídico, mas também da eficácia da importância desse instrumento”, disse Lewandowski.

“Na medida em que evoluímos na experiência (da delação premiada) nos deparamos com problemas sérios e graves, a multiplicidade de questões de dúvidas é imensa”, afirmou Celso de Mello.

Em processo sobre a Lava-Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a queda do sigilo das delações logo na abertura de inquérito pelo STF, se isso não prejudicar a eficiência das investigações. “Muito pelo contrário, é até recomendável a sua antecipação para garantir a transparência do trabalho jurisdicional e dos demais agentes públicos, que têm como marco teórico de controle o princípio da publicidade”, escreveu.

Proteção do investigado

Fachin concordou, ao anotar em decisão recente: “Referido dispositivo que, como dito, tem a preservação da ampla defesa como finalidade, não veda a implementação da publicidade em momento processual anterior”.

Historicamente, o STF se divide em relação ao sigilo de investigações criminais. Na gestão do ministro Cezar Peluso, havia uma determinação de que os pedidos de abertura de inquérito chegassem à corte com a condição de sigilosos. O nome da pessoa investigada ficava protegido pelas iniciais no andamento processual. Depois que o relator sorteado para o caso examinasse o caso, decidia se retirava ou não o sigilo das investigações.

Recentemente, alguns ministros adotaram uma outra forma para preservar alvos de investigação. Diante de pedidos da PGR para abrir inquéritos, ao menos três ministros — Luiz Fux, Toffoli e Gilmar — têm autorizado que os investigados prestem esclarecimentos prévios. Normalmente, no STF, a praxe é a abertura do inquérito automaticamente, diante do pedido da PGR.

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