Narciso: “Eu fui contra o impeachment do Collor, do FHC, da Dilma e sou contra o do Temer”

Narciso Mendes é um nome que faz parte do universo acreano desde a década de 70, quando chegou a Rio Branco como engenheiro de uma empresa chamada Sicol, encarregada de iniciar as obras do famoso Canal da Maternidade. Segundo relato dele próprio, trouxe a primeira retroescavadeira para o Estado.

Veio de Natal, no Rio Grande do Norte, oriundo de uma família de construtores. No Acre iria se envolver, poucos depois, com a política. Em 1982 é eleito deputado estadual pelo PDS, o partido que substituiu a Arena de Paulo Maluf, então governador de São Paulo, na sustentação do regime militar. Narciso é um conversador, um liberal de formação e concepção.

Narciso Mendes foi um dos pioneiros do jornalismo no estado do Acre /Foto: Reprodução

À exceção do ex-governador Edmundo Pinto, ninguém, no Acre, era mais malufista que Narciso Mendes. Só isso já seria suficiente para opor o deputado eleito pelo Acre às ideias pregadas por Tancredo Neves, em 1984, que foi apontado como candidato à presidência no Colégio Eleitoral, após o fracasso da campanha das “Diretas Já”.

No Colégio Eleitoral, além dos deputados federais, tinham direito ao voto deputados estaduais que fossem eleitos delegados pelas respectivas assembleias legislativas. Narciso, que fora escalado para cooptar alguns colegas na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), é gravado fazendo propostas financeiras para cabalar votos para Paulo Maluf e o caso vira escândalo, denunciado da tribuna da Casa pelo então deputado Manuel Pacífico da Costa, do PMDB.

Narciso Mendes era considerado um “paulista”- termo usado nos anos 70 e 80 para identificar pessoas oriundas de outros estados – por causa de suas ligações com fazendeiros e empresários do agronegócio. Portanto, em sua gênese, era inimigo da esquerda. Naquela época já era um deputado estadual muito influente no Acre.

Figura marcante no cenário político, Narciso não tem medo de dizer o que pensa /Foto: ContilNet

Alguns anos depois, reaparece em Brasília já eleito deputado federal pelo PFL. Torna-se dono de “O Rio Branco” e também adquire uma concessão de TV, afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). O politico torna-se tão poderoso ao ponto de concorrer por duas vezes para o cargo de senador da República. As duas sem êxito.

Em 1997, o Brasil havia aprovado o instituto da reeleição para cargos no Poder Executivo, o que iria beneficiar diretamente o então presidente da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. A biografia de um dos mais festejados intelectuais do mundo sairia bem arranhada naquele episódio. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) havia denunciado que muitos dos votos dos deputados favoráveis à emenda haviam sido comprados.

O jornal “Folha de São Paulo” denunciou o escândalo, no qual os principais deputados denunciados eram acreanos e haviam sido gravados por um certo “Senhor X”, que, embora Narciso Mendes nunca tenha assumido a autoria das gravações, as evidencias apontam para ele.

A paixão exacerbada pela política, a inteligência aguçada, a capacidade de persuasão, aliados a uma personalidade hiperativa e quase megalomaníaca, nunca o deixaria ser coadjuvante. E foi essa bagagem que ele ajudou a funda o saudoso Movimento Democrático Acreano (MDA), um conglomerado de políticos que fazia oposição ao governo do PT. “Eu era apenas o roupeiro daquele time”, assim se define Narciso, para quem o governo de Jorge Viana institucionalizou o Estado. “Dou-lhe nota sete e a oposição que fazíamos eram em cima dos outros três”.

Mas o político, talvez por ter combatido “moinhos de ventos pensando serem dragões”, ou porque tenha decidido ser apenas um empresário, abandonou o MDA. Nunca mais, segundo ele, houve oposição organizada. E lá se vão quase 20 anos de dominação do atual grupo comandado pelos irmãos Viana.

Narciso não gosta de avaliar o petismo, mas defende a criação de um modelo econômico para o Acre sair do paternalismo estatal, referindo ao vizinho estado de Rondônia com exemplo de “células de desenvolvimento” e um setor produtivo em organização. “A morte do Chico Mende e ambientalíssimo atravancaram o nosso desenvolvimento”, assim resume ele, ressaltando que o governo de Tião Viana sofre com os rigores da crise econômica que assola o mundo desde 2008.

Perto de completar 70 anos e com 46 anos de casado, ele recebeu a equipe da ContilNet em seu escritório, onde também falou sobre reforma política, crise institucional, BR 364, família, frustrações, entre os assuntos. Veja os principais trechos da entrevista:

ContilNet – O que está acontecendo no mundo?

Narciso – Nos regimes autoritários está acontecendo o que sempre aconteceu: um manda e outros obedecem. Nas democracias, vivenciamos uma crise profunda de representatividade. Sempre que eu me reportava às democracias mais clássicas, destacava a democracia americana. Deste às primeiras eleições até os dias atuais tudo aconteceu dentro da mesma normalidade, com as suas regras bem definidas. Mas eu queimei a língua com a eleição do Trump. Em síntese, o mundo está passando por crise de representação política.

ContilNet – E aqui no Brasil? Quais são esses efeitos?

Narciso – Se levarmos a sério ou não as declarações do Marcelo Odebrecht, o dono da maior construtora do Brasil, e do Joesley Batista, o dono da maior fabrica de processamento de carne do mundo, os candidatos à presidência da República são corruptos. A lava Jato conseguiu unir o Lula, Aécio e o Temer. Os brasileiros não têm a preocupação de acabar com as causas da crise, ou seja, o nosso sistema político estimula e favorece a corrupção. O Emílio Odebrecht disse que, nos últimos 40 anos, ninguém se elegeu sem dinheiro clandestino.

ContilNet – O que o Brasil precisa fazer para criar uma nova cultura política?

Narciso – Desde a Constituinte, o Brasil sabe que precisa fazer uma reforma política. De lá pra cá, todas as reformas foram para piorar o sistema. O governo do presidente Fernando Henrique precisava de 307 votos para ter a maioria na Câmara e contava com apenas três partidos. A Dilma com 17 e o Temer com 20. Se nós tivéssemos uma cláusula de barreiras, por mais modesta que fosse, se um partido não obter 3% dos votos nacionais, por exemplo, deveria ser impedido de existir.

ContilNet – O que é ser de direita ou de esquerda no Brasil?

Narciso – Não sei. Sei dessa referência nos sinais de trânsito [risos]. Politicamente essa definição não prevalece. O equívoco, olha que eu sou anti- petista, é afirmar que o PT descobriu a corrupção no Brasil. O primeiro ato de corrupção no Brasil está na carta de Pero Vaz de Caminha, ao rei Dom Manuel, pedindo emprego pro genro que tinha ficado desempregado em Portugal. A corrupção vem apenas se sofisticando de governo a governo.

ContilNet – O senhor sempre fala que o Brasil se ressente de grandes estadistas. Explique isso?

Narciso – Dizem que o Juscelino Kubitschek foi um estadista. Não elegeu nem o seu sucessor. O Getúlio Vargas perseguiu e mandou matar os oposicionistas. Fernando Henrique Cardoso comprou votos para poder passar o instituto da reeleição, entre outros escândalos. No ressentimos de um Winston Churchill, Helmut Kohl, de um Abraão Lincon. Ah, Rui Barbosa foi estadista sem ser chefe de Estado. Concorreu duas vezes à presidência da República e perdeu as duas. Eu fui contra o impeachment do Collor, do FHC, da Dilma e sou contra o do Temer. Por quê? Porque esse é um remédio tarja preta cujos efeitos colaterais são perigosíssimos. É um remédio jurídico que deve ser usado somente em ultimo caso. Embora esteja no ordenamento jurídico dos Estados unidos, nunca foi usado. Esse instituto foi banalizado no Brasil. Os partidos políticos não mantêm o mínimo de coerência. Veja o PMDB, por exemplo: lutou contra regime militar, depois vem apoiando todos os governos instalados no Brasil. Ao invés de Partido do Movimento Democrático Brasileiro deveria ser o Partido do Poder.

ContilNet – O senhor se considera um liberal?

Narciso – Charles Montesquieu dizia que até para ser virtuoso você precisa ter limites. Em um país desigual como o Brasil é preciso corrigir as injustiças sociais. As minhas ideais são liberais, mas não sou um extremista. As crises são imanentes ao capitalismo. Desde a crise de 1929, vem-se afrouxando as regras e as lógicas do capital. No Brasil, estamos vivenciando uma confluência das crises econômica, política e moral. E olhe lá se não estivermos no meio de uma crise institucional. Quem assistiu ao julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer tem uma ideia do que está acontecendo.

ContilNet – Nas ultimas eleições, Brasil afora, o PT foi acusado de tudo que não prestava. No entanto, quando se computaram os votos em Rio Branco, ganhou com a maior diferença de votos de todos os tempos. Como o senhor explica esse fenômeno?

Narciso – O PT, justa ou injustamente, foi santanizado. Aí vem a Eliane Sinhasique, a principal candidata da oposição. Eu até digo que ela teve um bom desempenho dentro das suas limitações. Os candidatos proporcionais não aderiram à sua campanha e o Marcus Alexandre deu uma surra política de quase 70 mil votos. É a história conhecida de que uma andorinha sozinha não faz verão. Aí o PT fez inverno. Não existe unidade não oposição. Não existe uma causa política capaz unir os seus líderes. Da Frente Popular acusem tudo, mas no período eleitoral eles estão sempre unidos.

ContilNet – Como o senhor avalia o nome do senador Gladson Cameli?

Narciso – Ele é um dos beneficiários do anti-petismo. E tem a vantagem de ser uma pessoa extremamente simpática. Nunca vi alguém sorrir tanto. Ele rir mais do que o jornalista Ricardo Boechat apresentando o programa do José Simão. Ele também pode ser vítima dessa explicita desunião. Se oposição não tiver unidade, ela caminha inexoravelmente para mais uma derrota. Unidade não significa unanimidade, que, segundo o Nelson Rodrigues, é burra.

ContilNet – Existem duas vagas para o Senado e as opções de candidatos, até o momento, são muito ruins. Por que o senhor não concorre a uma dessas cadeiras. Não era o seu sonho?

Narciso – Você já leu a fábula de Jean de Lafontaine? Você sabe por que a girafa tem o pescoço longo? Porque ela viu um cacho de uvas bem alto e começou a esticar o pescoço para alcança-las. Esticou, esticou até que, quando não dava mais para esticar, ela disse: as uvas estão verdes e eu não quero mais. Eu não estou desdenhando daquilo que eu não alcancei. Meu sonho era ser senador, porém eu não tenho mais tesão. Quando eu entrei para a política nunca pensei em exercer os cargos de prefeito ou governador. Eu e a minha família fizemos um juramento de fé para que nenhum um de nós nunca mais fôssemos candidatos. Quando eu perdi as eleições de 2006, achava que era uma das pessoas mais ativas da oposição. A coisa que eu mais gostava era de fazer política, mas meu filho, o Narcisinho, deu-e um conselho: papai, abandone isso! E continuou: o senhor é o tipo único que provoca duas reações nas pessoas. Nos adversários o ódio, nos aliados a inveja. O Roberto Campos dizia que a política foi a amante que ele mais gostou, porém foi aquela que mais lhe corneou [gargalhadas].

ContilNet – E a BR 364? Existem tecnologias para se fazer uma estrada de qualidade naquela região?

Narciso – Sim, claro que existe. Quando o partido A está no poder fica dizendo que o preço do partido B está superfaturado. Quanto é ao contrário acontece a mesma coisa. A BR 364, sentido Rio Branco Cruzeiro do sul, para ter qualidade, precisa ser feita com preços efetivos de mercado. É a maior mentira dizer que aquela obra foi superfaturada. A BR está naquelas condições porque não foi feita com preços de mercado. Obra é de péssima qualidade porque foi subfaturada.

 

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Narciso: “Eu fui contra o impeachment do Collor, do FHC, da Dilma e sou contra o do Temer”