SOS para a Amazônia

Poucos dias antes da viagem do presidente Michel Temer à Noruega, realizada no mês passado, o ministro do Meio Ambiente daquele país, Vidar Helgesen, no cargo desde dezembro de 2015, escreveu uma carta ao seu par no governo brasileiro, José Sarney Filho. Ao longo de três páginas e meia, Helgesen elogiava as ações desenvolvidas pelo Brasil para controlar o desmatamento da Amazônia, mas ressaltava sua preocupação com o cenário recente. Não era para menos: em 2016, a devastação na região aumentou 30%, o pior resultado desde 2008. Na conclusão, o ministro nórdico era claro: as doações de seu país para o Fundo Amazônia, criado em 2009, que já somam 1,1 bilhão de dólares, poderiam ser cortadas. Durante a visita de Temer, a Noruega anunciou uma redução de 50% no orçamento destinado ao Brasil em 2017 para proteção da região amazônica (agora serão cerca de 200 milhões de dólares). Formado em direito pela Universidade de Oslo e ex-chefe de gabinete da atual primeira-ministra, Erna Solberg, Helgesen, de 49 anos, é diplomático ao falar da política brasileira na entrevista a seguir. Contudo, enfatiza: “Temos tolerância zero com a corrupção”.

A Noruega cortou em 50% as doações que estavam destinadas ao Brasil em 2017 para proteção da Amazônia. Existe receio de uso ilegal desses recursos financeiros? Temos tolerância zero com a corrupção. Preocupamo-nos com os relatos sobre os desvios no Brasil, assim como em outros países, mas cabe às instituições nacionais lidar com essas questões. De nossa parte, investimos nas garantias para monitorar as doações.

Esse foi o tom da reunião do presidente Michel Temer com a premiê Erna Solberg, na qual o senhor esteve presente? No encontro, o Brasil procurou mostrar que segue comprometido com a redução do desmatamento na Amazônia. Foram citadas medidas de aumento de áreas de proteção e maior orçamento para o Ibama fiscalizá-las. Penso que, no longo prazo, o país precisa construir uma abordagem sustentável para o mercado internacional. Ao produzir para uma economia global, é necessário demonstrar e documentar cadeias de produção livres do desmatamento. No curto prazo, o governo brasileiro disse que vai investir em fiscalização e controle –no entanto, o futuro exige uma agenda crítica de sustentabilidade.

Diante das crises política e econômica, o senhor acredita que haja descaso do governo do Brasil em relação ao meio ambiente? É difícil julgar a política brasileira. Quando fazemos parcerias, nós nos baseamos em acordos e em resultados de índices de desmatamento. No Brasil, a crise política tirou a atenção de outras questões, mas deixamos a política brasileira para os políticos brasileiros, a sociedade civil e a imprensa brasileira.

Quais as expectativas daqui para frente? Mais do que expectativas, a Noruega e o Brasil têm firmado um acordo bastante claro. Se o desmatamento aumenta, o dinheiro diminui. Se a devastação for contida, os recursos voltarão.

Por que investir na preservação da Amazônia? O básico para combater as mudanças climáticas e ter alguma chance de atingir os objetivos do Acordo de Paris é salvar as florestas do mundo. Temos que protegê-las e produzir sustentavelmente com os recursos delas. O especial em relação ao Brasil é que o país foi um exemplo global, com grandes resultados na última década, e o esforço de maior sucesso para combater o desmatamento.

“Tradicionalmente, conservacionistas ficavam de um lado e exploradores, de outro. Hoje, se uma empresa não for sustentável, sabe que a floresta da qual ela depende poderá não estar mais lá no futuro”

Quais as principais preocupações com o aumento do desmatamento na Amazônia? Os efeitos interferem no clima global, o que altera a produção de alimentos e a disponibilidade de água. Além disso, colocam em xeque o modelo econômico bem-sucedido de se aumentar a produção agropecuária sem deixar de cuidar das florestas. Temos uma filosofia de proteger e produzir ao mesmo tempo.

A conservação aliada à economia é a melhor maneira de garantir a preservação do meio ambiente? Sim. Quando se fala em uso da terra, há um erro de conceito ao se acreditar que produzir mais equivale a eliminar florestas. O Brasil tem áreas enormes já desmatadas com baixa produtividade.

Qual é a avaliação que o senhor faz dos últimos dez anos do trabalho do Brasil na conservação da floresta? O Brasil, ao diminuir o desmatamento em 75% em alguns anos, fez algo sem precedentes. O modelo pode e deve ser replicado em outros países de floresta tropical.

Disseminar a mensagem de proteger e produzir é mais difícil num mundo marcado pelo extremismo? Extremismo é ruim em todas as áreas. Tradicionalmente, conservacionistas ficavam de um lado e exploradores de outro. Hoje, se uma empresa não for sustentável, a floresta da qual ela pode depender não estará lá no futuro, o que implica em uma gigantesca perda econômica. Do lado ambientalista há um entendimento maior sobre a produção para garantir recursos das florestas, inclusive para a sobrevivência de indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais. Por isso acreditamos que proteção e produção possam e devam andar de mãos dadas.

Entre as consequências sociais das mudanças climáticas, o que veremos no futuro? Podemos começar com a atual crise imigratória na Europa. A região que mais sofrerá é a que engloba o Oriente Médio e o norte da África. Ela terá o dobro de efeitos em comparação à média global. A insegurança na produção de alimentos e na disponibilidade de água aumentará o fluxo de pessoas como consequência climática. São efeitos locais, regionais e globais. É um paradoxo que enquanto o Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, os líderes militares do país reconhecem as mudanças climáticas como uma questão de segurança, porque os efeitos vão impactar a segurança e a estabilidade globais. Há muito em risco.

Como a tecnologia pode ajudar? Se falarmos sobre desmatamento, há um monitoramento global, com imagens de satélites e disseminação de informações, que criou transparência sem precedentes sobre o que acontece nas florestas. Organizações criminosas e políticos não podem mais se esconder dos fatos que surgem em tempo real. Fica mais difícil ser passivo quando todos sabem que algo de errado aconteceu. Aplicativos ajudam consumidores a fazer as escolhas certas, preferir produtos livres de desmatamento e de substâncias nocivas.

“Precisamos evitar pregar só para os convertidos e conversar também com o público leigo. Mas seria um desperdício focar naqueles que não acreditam nos riscos climáticos que enfrentamos”

Qual foi a mensagem que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou ao mundo quando saiu do Acordo de Paris? O presidente Trump mostrou que os Estados Unidos não vão mais ser a liderança na questão climática. Ele entendeu o acordo como uma conspiração contra o seu país, o que é totalmente equivocado. Entretanto, o principal foi a resposta da União Europeia, China e Índia, entre outros: todos deixaram claro que vão cumprir com as suas metas, honrar os compromissos e assumir a liderança quando os Estados Unidos não estiverem mais lá. A reação ao discurso de Trump foi muito encorajadora, o que mostra que sua decisão individual pode não ser tão impactante e, é claro, receberemos os Estados Unidos de volta à mesa quando eles desejarem.

Ao mesmo tempo em que a Noruega é uma das lideranças globais na preservação da natureza, sua economia depende de exploração de petróleo e gás. Como o país equilibrará isso? Estamos passando por uma transformação verde significativa. Sabemos que nos cenários de energia das próximas décadas os renováveis vão se tornar dominantes e haverá crescimento exponencial nesse setor. Enquanto petróleo e gás forem necessários, vamos extraí-los da maneira mais sustentável e sensível possível. Mas, no fim, é a demanda que definirá até quando e o quanto serão necessários. O setor de transporte é o maior consumidor e assumimos a liderança para diminuir a demanda. Temos uma política de transporte elétrico que é a mais ambiciosa do mundo. Um terço dos veículos vendidos no país é elétrico ou híbrido e isso demonstra que é possível diminuir a demanda.

Há quem diga que a Noruega não conseguirá cumprir o Acordo de Paris. Qual a sua opinião? Seguimos as regras da União Europeia, o que significa que nossas indústrias de petróleo e gás estão inseridas no sistema europeu e contribuem com a redução de emissões de carbono de toda a Europa. As políticas europeias são baseadas no Acordo de Paris. Com nossas iniciativas no setor de transportes, tenho confiança de que cumpriremos aquilo que nos cabe.

Países menos desenvolvidos, como o Brasil, têm o potencial de manter as mesmas prioridades? O Brasil demonstrou que é capaz de criar desenvolvimento econômico sadio com produção agrícola e ter, ao mesmo tempo, bons resultados em termos de preservação do meio ambiente. Está cada vez mais claro que novas economias devem ser construídas em alicerces ecológicos. Exageramos na exploração da Terra e estamos diante da indisponibilidade de recursos, em florestas e oceanos. De muitas maneiras, o Brasil e países em desenvolvimento podem aprender com os erros passados e provar para o mundo que outra abordagem é possível e lucrativa.

Muitas pessoas ainda duvidam das ameaças climáticas que enfrentamos. Como lidar com esse público? Temos que ser claros sobre os agentes envolvidos e menos técnicos na comunicação. Precisamos evitar pregar só para os convertidos e também conversar com o público leigo. Contudo, seria um desperdício de recursos caso escolhêssemos focar em quem se recusa a aceitar dados científicos e não acredita nas mudanças climáticas. Para ter resultados, temos que mobilizar quem entende a gravidade da questão.

O senhor é otimista em relação ao futuro do planeta? Sim. A preocupação com o meio ambiente aumentou em círculos políticos, na indústria; o conceito de economia circular ganhou espaço, os investidores estão hoje preocupados com sustentabilidade. Isso permite que soluções verdes ganhem espaço com rapidez para conquistar os resultados que precisamos. Ao mesmo tempo em que o aquecimento global se acelera, também investimos nas tecnologias que podem ser usadas para combatê-lo.

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