“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” A frase do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) destaca claramente o impacto negativo que as atitudes violentas geram na sociedade.
Esta semana, o Brasil parou diante da face ensanguentada de Marcia Friggi (51), professora do Centro Educacional para Jovens e Adultos (Ceja) em Indaial, no interior de Santa Catarina. Através de postagens em suas redes sociais, a educadora mostrou as marcas da agressão física que sofreu por um de seus alunos.
Segundo Marcia, a situação foi decorrência de uma má conduta do aluno, que não colocou o livro em cima da carteira quando solicitado pela professora. Após insulto verbal, o aluno de 15 anos foi retirado de sala de aula. Na diretoria, o estudante acusou Marcia de estar mentindo e, logo em seguida, começou a agredi-la. “O último soco me jogou na parede”, relatou a professora.
Diante desta situação, uma realidade muitas vezes negada voltou à tona na mídia: a situação de insegurança e medo que muitos docentes da educação básica no Brasil enfrentam no próprio ambiente de trabalho. De acordo com o Censo Escolar de 2016, existem cerca de 2,2 milhões de professores no Brasil.
“NÃO TEM NENHUM CASO REGISTRADO”
No estado do Acre, segundo informações do setor de Lotação da Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE), existem cerca de 12.116 professores (entre efetivos e temporários) atuando na rede pública estadual de ensino. No Estado, os casos de agressão contra professores existem e vez ou outra são repercutidos na mídia, presume-se que existam poucos casos.
Ao entrar em contato com a diretoria de Gestão da SEE, a equipe ContilNet deparou-se com uma informação um tanto peculiar. Segundo Evaldo Viana, diretor de Gestão do órgão, não existem registros (quantitativos ou documentais) dos casos de agressão (físicas e/ou verbais) contra professores em sala de aula.
Ao ser questionado sobre como a Secretaria procede em casos de agressão contra os profissionais da Educação, Evaldo explicou que, como não existem esses registros, não existe “fluxo de resolução” para essas situações, especificando que “a primeira coisa a ser feita deve ser o boletim de ocorrência (B.O.), com um relatório encaminhado à Secretaria pela coordenação da escola onde ocorreu o incidente”. Isso levaria, segundo Evaldo, à procedência jurídica dentro dos conformes da rede de ensino estadual pública.
BRASIL É CAMPEÃO
De acordo com o levantamento de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde participaram mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos), o Brasil é o campeão no ranking de violência em escolas.
O levantamento é o mais importante nesse tipo de pesquisa e já prepara uma nova pesquisa com dados atualizados, que devem ser divulgados apenas em 2019.
SILÊNCIO NAS ESCOLAS
Mesmo sem um sistema de registro desse tipo de situação, com ou sem boletins de ocorrência, a violência nas escolas é uma realidade que silencia muitos dos profissionais, vítimas de insultos verbais e físicos, que se transformam, em alguns casos, até em ameaças de morte.
Maria José Cruz (43), conhecida como Tita, é professora da rede pública estadual de ensino há 23 anos. De acordo com a educadora, as agressões, principalmente as verbais, são uma realidade frequente nas salas de aula. “Algumas tentativas de registras os ataques geralmente não dão em nada. Quando acontece um ataque físico, o Policiamento Escolar é acionado e vai até a escola, mas logo tenta jogar ‘panos quentes’ na situação”, disse.
O problema está, como explicou Tita, nos números. Para as instituições de ensino – e para os órgãos diretamente ligados na resolução desses conflitos –, não é interessante que o quantitativo exista.
“A realidade é essa: vivemos em função de números. Se a escola chega a possuir um registro frequente desse tipo de situação, não existe mais direcionamento de verbas, não há interesse em tentar resolver os problemas que levam à agressão. O importante é viver num ‘conto de fadas’ para que os investimentos não parem de chegar”, explicou.
Entre as situações vivenciadas pela educadora, está um episódio onde, durante aplicação de provas, um dos alunos rasgou o papel e, ao jogar os pedaços na cara de Tita, afirmou que “quem precisava mendigar salário” era ela.
MECANISMOS DE SOBREVIVÊNCIA
A professora, que já trabalhou em bairros como Sobral, Boa União e João Eduardo, explica que a realidade de violência e criminalidade reflete-se direta ou indiretamente nos ambientes escolares.
“Existem casos variados, mas onde existe uma realidade familiar tóxica, a tendência é fazer com que essa toxicidade se espalhe em outras áreas da vida desse aluno, principalmente nas inter-relações escolares, e um dos principais focos dessa violência é o professor. Quando se recorre à SEE, testemunhamos certo descaso nessas situações”, explicou Tita.
De acordo com a professora, o próprio educador cria mecanismos para sobreviver dentro da escola. Com a experiência adquirida pelo tempo, ela explica que a afetividade e a preocupação com os alunos se tornou um elo de ligação inesperado, chegando até a protegê-la em casos de ameaças vindas de alunos.
“Quando iniciamos a carreira docente, pensamos que vai ser de uma forma, mas na prática, vira algo totalmente diferente. O carinho que você desenvolve pelos alunos pode reverter muitas situações, e a violência que às vezes afeta esse tipo de relação pode ser substituída por carinho se ambas as partes cooperarem com respeito mútuo”, detalhou Tita.
“JÁ VI UMA COLEGA LEVAR TIRO”
Em artigo divulgado em 2015, a professora Alessandra Pinheiro, que também possui quase 20 anos de trabalho em sala de aula, relatou já ter sido agredida em ambiente de trabalho, além de já ter testemunhado disparos de arma de fogo contra uma colega de profissão.
“Já fui covardemente agredida por quem eu sequer conhecia. Já vi uma colega levar um tiro. Ela não morreu, e eu não desisti. Fui muito exigente com meus alunos porque sabia que eles podiam mais”, escreveu a professora e pedagoga do Tribunal de Justiça do Estado do Acre.