O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) emitiu Nota de Repúdio à decisão judicial do Juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, que suspendeu a Resolução nº 001/1990 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), estabelecendo normas para a atuação dos psicólogos em relação às questões de orientação sexual. A instituição também manifesta apoio à integridade da Resolução.
A nota é assinada pelo Centro de Atendimento à Vítima (CAV), Promotorias de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, 7ª e 8ª Promotorias de Justiça Cíveis (Família), 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco, 16ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco (Crimes contra a Vida), 13ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco (Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher).
Veja a íntegra da nota:
NOTA DE REPÚDIO À DECISÃO DO JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA DO DISTRITO FEDERAL WALDEMAR CLAUDIO DE CARVALHO REFERENTE À AÇÃO POPULAR N. 1011189-79.2017.4.01.3400, DE 15 DE SETEMBRO DE 2017 E DE SOLIDARIEDADE AO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA.
O Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público do Estado do Acre e as Promotorias de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, 7ª e 8ª Promotorias de Justiça Cíveis (Família), 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco, 16ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco (Crimes contra a Vida), 13ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco (Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), manifestam o seu repúdio à decisão judicial proferida pelo Juiz Federal Dr. Waldemar Cláudio de Carvalho, em Audiência de Justificação Prévia, realizada no dia 15 de setembro de 2017, nos autos da Ação Popular nº 1011189-79.2017.4.01.3400, visando a suspensão dos efeitos da Resolução nº 001/1990 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a qual estabeleceu normas para a atuação dos psicólogos em relação às questões relacionadas à orientação sexual, ao mesmo tempo em que se manifestam em defesa da integridade da referida Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 001/1990, nos seguintes termos:
O Relatório de Violência Homofóbica, publicado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e Direitos Humanos, da Presidência da República, publicado em 2016, informa que recebeu 1.695 denúncias por meio da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, correspondendo a 3.398 violações, sendo a grande maioria pessoas do sexo masculino (73%), predominantemente em idade entre 18 e 30 anos de idade (54%). Desse total, 40% sofreram violência psicológica e 36% discriminação, sendo que 77% informou que as violações foram relativas à orientação sexual e 15% relacionadas à identidade de gênero, associadas à lesão corporal (52%) e maus tratos (37%). Especificamente em relação à agressão, 43% afirmaram ter sofrido abuso sexual e 37% estupro. Importante destacar que as pessoas do sexo masculino sofreram as agressões por serem gays (53%) e travestis (26%).
Em maio de 2017, o jornal O Globo publicou dados sobre violência LGBT. Segundo o jornal, a Associação Transgender Europe coloca o Brasil como um dos países com o maior número de assassinatos de transexuais em número relativos no mundo entre 2008 e 2016. Somente no ano de 2016, pelas estatísticas foram registradas 343 mortes com motivação homofóbica, consideradas mortes violentas. Desse total, 173 foram homens gays (50%); 144 travestis e transexuais (42%), 10 lésbicas (3%), 04 bissexuais (1%), incluindo na lista 12 heterossexuais, como amantes de transexuais.
O Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público do Estado do Acre, inaugurado em junho de 2016 já atendeu 12 casos extremos de violência física e sexual de pessoas LGBT, os quais alegam, além das agressões sofridas por motivação homofóbica, maus tratos e humilhações nos setores públicos de atendimento à vítima. Além desses casos, no ano de 2016 foram registrados 04 homicídios dolosos contra homossexuais no Acre e em 2017 foi registrado 01 caso em Rio Branco, cujas características evidenciam a crueldade humana em face das diferenças de gênero.
A decisão do Juiz Federal Dr. Waldemar Cláudio de Carvalho determina ao Conselho Federal de Psicologia que não se proceda interpretação equivocada da Resolução 001/1990, baseada no art. 5º, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por isso, assegura aos profissionais de psicologia a plena liberdade de “promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”. Dessa forma, concede a possibilidade do uso de terapias para a reversão sexual.
Destaque-se que a referida Resolução é, em síntese, uma carta de princípios éticos aos profissionais da psicologia que, ao contrário de ter o propósito de censura, ressalta a soberania dos bens jurídicos mais valiosos, que são a vida, a liberdade, a igualdade, a dignidade e a segurança, expressos no mesmo artigo constitucional.
A questão central da Resolução 001/1990, por sua vez, trata-se de garantir aos indivíduos, independente de sexo ou identidade de gênero, a não discriminação, vez que a orientação sexual ou identidade de gênero não são consideradas condição patológica, segundo a Organização Mundial de Saúde (1990) e, sendo a psicologia uma ciência de saúde, não há contradição, nem mesmo incoerência entre a liberdade de expressão da atividade intelectual, nem mesmo científica, matéria que deve ser tratada com mais embasamento científico e com a participação de outros órgãos científicos especializados no tema.
A “cura das homossexualidades ou cura gay”, em face da decisão do Juiz Federal Dr. Waldemar Cláudio de Carvalho, recoloca na centralidade das discussões e da opinião pública as contradições entre o senso comum (ideologias ou crenças); a ciência (definições da OMS) e o bom senso (intepretação e aplicação das leis), sem considerar as consequências sociais terríveis para as pessoas LGBT, em que as discriminações, preconceitos e intolerâncias de gênero foram responsáveis por 3.306 assassinatos dos anos 2000 a 2016, conforme é demonstrado no estudo realizado pelo Grupo Gay da Bahia, estatísticas que tem embasado diversos diagnósticos para elaboração de políticas públicas no Brasil.
A violência direcionada à orientação sexual e identidade de gênero se manifesta em forma de tratamentos diferenciados, violência física, psicológica e simbólica, posicionando as pessoas travestis e transexuais entre as categorias mais vulneráveis socialmente no Brasil. Tal decisão, novamente, abre precedentes para se criar separação e conflitos sociais pelas diferenças de gênero, vez que a (re)orientação sexual não categoriza sujeitos humanos pelas preferências homoafetivas e sim pelas condições de saúde. Contudo, a OMS estabelece que saúde é “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente a ausência de afeções e enfermidades”.
Importante, ainda, dar relevo as conquistas da população LGBT no Brasil nos últimos 20 anos, especialmente no que tange aos direitos de saúde, previdência social e de família, todas elas reconhecidas pela Corte Suprema do país.
Decisões ou recomendações de autoridades públicas constituídas e legitimadas devem alicerçar-se pelo princípio do interesse do bem comum, visando a eliminação dos conflitos sociais que resultam na prática indiscriminada de violência e o fomento de uma cultura de paz.
Assim sendo, os Procuradores e Promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre se posicionam em defesa da integralidade da Resolução nº 001/1990 do Conselho Federal de Psicologia, com a redação explicita na forma em que foi formulada, considerando o texto e o contexto em que foi publicada, bem como o atual cenário nacional de acirramento da violência pela intolerância de gênero e conclama uma manifestação pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), órgão do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), por considerar que se trata de um retrocesso na defesa dos direitos fundamentais.
Rio Branco-Acre, 19 de setembro de 2017.
Patrícia de Amorim Rêgo
Procuradora de Justiça
Coordenadora do Centro de Atendimento à Vítima (CAV)
Sammy Barbosa Lopes
Procurador de Justiça
Marco Aurélio Ribeiro
Promotor de Justiça
Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania
Promotor de Justiça da 7ª e 8ª Promotoria de Justiça Cível de Rio Branco
Joana D’arc Dias Martins
Promotora de Justiça
2ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco
Tales Fonseca Tranin
Promotor de Justiça
16ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco
Dulce Helena de Freitas Franco
Promotora de Justiça
13ª Promotoria de Justiça Criminal de Rio Branco