Nesta segunda-feira, 16 do mês de outubro, foi celebrado o Dia Mundial do Habitat, que foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1985 e busca refletir sobre o direito à moradia e o acesso igualitário à cidade. No entanto, mesmo tendo se passado 30 anos da formalização desta data, estamos observando no Brasil a ampliação da crise urbana e a redução expressiva de recursos públicos para políticas habitacionais e de urbanização de favelas, trazendo um cenário nada animador. Será que neste dia temos algo a celebrar?
Segundo os dados preliminares lançados neste ano pela Fundação João Pinheiro relativo ao déficit habitacional de 2015, houve um crescimento da problemática se comparada com os anos anteriores. O número de habitações precárias e ônus excessivo com aluguel aumentou em cerca de 200 mil unidades, totalizando um déficit de 6.186.503 moradias. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde a falência do Estado agrava ainda mais a situação, a prefeitura identificou um crescimento de 150% da população em situação de rua, que passou de 5 mil pessoas em 2013 para 15 mil neste ano.
Na região metropolitana de São Paulo, com as informações que a organização social TETO Brasil tem levantado, já foram identificadas pelo menos 115 novas favelas e adensamento de favelas existentes nos últimos cinco anos, com a vinda de novos moradores que não tem encontrado outra opção de moradia acessível.
A deterioração dessa situação tem sido percebida em outras metrópoles também. Em Curitiba (PR), temos visto o retorno de políticas higienistas que tendem a varrer estes abismos sociais para debaixo do tapete, além do espraiamento das ocupações e favelas que tem ampliado a problemática para os demais municípios da região metropolitana. Em Salvador (BA), o aumento do processo de gentrificação tem expulsado as famílias em situação de pobreza e em maior grau de vulnerabilidade dos seus bairros tradicionais. Em Belo Horizonte (MG), desde 2013 houve uma explosão de novas ocupações, como a disputa emblemática da região de Izidora, com as Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, que se tornaram um dos maiores conflitos fundiários da América Latina.
Mesmo com o aprofundamento da crise social e com esta situação alarmante, o governo federal tem priorizado manter sua “governabilidade”. Se por um lado os cortes no orçamento do Ministério das Cidades apresentados para o ano que vem são monstruosos, por outro, a pressa do poder executivo foi enorme em liberar R$ 2 bilhões para emendas parlamentares semanas antes da votação na Câmara sobre a admissão da primeira denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer.
Para dar a dimensão desta discrepância, basta observar a proposta de orçamento de 2018 para o Ministério das Cidades, que foi enviada para discussão no Congresso Nacional e propõe uma redução de R$ 16 bilhões para R$ 2 bilhões no orçamento total, representando uma contração de aproximadamente 85% se comparado com este ano. Já a rubrica Moradia Digna, onde supostamente estão alocados os recursos que serão gastos com moradia popular, passou do montante de R$ 7 bilhões em 2017, para a proposta exorbitante de R$ 00.000.000.000,00 em 2018. A redução do orçamento do Ministério significa também a diminuição drástica no investimento em saneamento básico e urbanização de favelas.
Apesar dos efeitos devastadores desta conjuntura atual, é deste caos que temos visto nascer a esperança de um outro mundo possível. Esperança que surge da resistência, inovação e a construção da cidade pela população organizada. Há algumas semanas, São Bernardo do Campo (SP) acordou com a ocupação de um terreno ocioso organizada por 6 mil trabalhadores e trabalhadoras que sofrem com o desemprego e os altos custos do aluguel, demonstrando a energia que existe na luta para garantir o direito à uma moradia digna.
Na Vila Nova Esperança (SP), os moradores e moradoras têm se organizado e avançado na construção de sua vila ecológica. Nos últimos meses, eles ampliaram a horta comunitária, construíram uma centro de reciclagem e uma cozinha comunitária, entre diversos outros projetos que têm melhorado a vida no bairro.
Em Salvador (BA), por exemplo, a comunidade Vila Vitória tem realizado de maneira organizada melhorias nos acessos à comunidade, reformando e construindo escadas em formato de mutirão, que foram fundamentais para o acesso das famílias a suas casas, além disso já estão se organizando para consolidar sua associação de moradores e seguir lutando pelos seus direitos.
Na Vila Beira Mar (RJ), a comunidade, cansada pela falta de espaços de lazer, construíram em formato de mutirão uma quadra poliesportiva e conquistaram a iluminação pública através de energia solar.
Já no bairro da Caximba (PR), com as dificuldades para conseguirem água de maneira regularizada, um projeto de coleta de água de chuva tem sido a alternativa. Além disso, nos últimos meses construíram uma biblioteca comunitária, uma horta comunitária e ainda desenvolvem atividades de arvorismo para ser uma opção a mais de lazer para os seus moradores e moradoras.
Nestas e em muitas outras comunidades, a população tem ocupado o vazio governamental deixado pela falta de investimento em obras de urbanização e moradia, e estão construindo o futuro com suas próprias mãos. Estão se organizando, resistindo e gerando esperança. Estão nos mostrando que existe, sim, coisas por celebrar. Feliz Dia Mundial do Habitat?