No Reino Unido dos anos 80, o poder da primeira-ministra Margaret Thatcher era enorme. À medida que ela colocava os sindicatos contra a parede e liderava com desenvoltura uma “reforma liberal” no país, sua fama ultrapassava fronteiras. Seu principal rival político na época era Michael Heseltine. Heseltine foi ministro da Defesa de Thatcher, mas as principais diferenças entre os dois residiam na economia.
Certa vez, em meados de 1985, Thatcher recebeu um membro do parlamento que lidava bem tanto com a primeira-ministra quanto com Heseltine. “Primeira-Ministra, o ministro Heseltine estava com alguns colegas e amigos em sua residência dizendo que a senhora estava cada dia mais fraca, e certamente acabará sozinha este governo.” Thatcher respondeu: “Querido, mal sabe Heseltine que ele não tem amigos. Antes de serem amigos e colegas dele, são meus amigos e meus subordinados.”
Na política não existem amizades, podem existir parcerias que eventualmente se transformam em amizades.
Em Brasília, o mesmo se aplica. No entanto, não há um só político na Praça dos Três Poderes com a força individual de uma Thatcher. Sendo o Brasil um país de relacionamentos e onde os círculos de poder valem mais que a institucionalidade, não devemos nos surpreender com o fato de vários de nossos políticos resistirem ao tempo, a acusações, a boicotes e à rejeição popular. A construção de seus círculos ou, suas “turmas”, é o que muitas vezes define o quão sólido é o poder de um indivíduo sobre o outro.
Lula, por exemplo, tinha Gilberto Carvalho, Palocci (sim, Palocci), José Dirceu, Jaques Wagner entre alguns outros como membros de sua entourage.
Já o atual presidente Michel Temer tem em seu grupo mais próximo, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Elcinho Mouco, Márcio Freitas, Gaudêncio Torquato, Beto Mansur e Romero Jucá como aqueles com quem mais dialoga e os que mais participam de decisões envolvendo o governo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também criou um círculo de confiança que aumenta sua capacidade de influência dentro da Câmara dos Deputados. Heráclito Fortes, Orlando Silva, Alexandre Baldy, Benito Gama e José Carlos Aleluia são alguns da “turma” de Maia.
Renan Calheiros é um caso emblemático na habilidade de criar turmas suprapartidárias. Ele sempre sobreviveu justamente por essa capacidade e pela diversidade do primeiro nível de confiança que montou. Não é à toa que Lula já se reaproximou de Renan visando não só a influência que senador ainda tem no Nordeste, mas o apoio de pessoas que “pertencem” ao ex-presidente do Senado.
Mesmo que esses tenham votado a favor do impeachment, não fará diferença para o ex-presidente Lula.
Legal e ilegal
Outros nomes, no entanto, por mais que sejam indiscutivelmente forças individuais, não conseguiram ou buscaram ou compreenderam a dinâmica de se diluir parte do poder entre pessoas próximas. Não devemos confundir “não ter uma turma” com ter integridade e “ter uma turma” com a prática da ilegalidade, pois um político pode sempre buscar pessoas fortes e íntegras para compor seu grupo.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é um que não possui a influência informal ou construiu uma “turma” capaz de aumentar seu poder político perante grupos não ligados a área econômica. Pode ser que esteja formando uma agora ou passe a integrar um grupo já formado.
Dilma é um exemplo interessante. Enquanto ministra, fazia parte do grupo de confiança do presidente Lula. Com a queda de popularidade às portas das eleições de 2014 e a pressão de vários membros do PT para que ela cedesse a vaga para o próprio Lula, Dilma deixou de integrar a “turma” do ex-presidente no início de 2015. Buscou montar a sua própria com Mercadante, Pepe Vargas, Arno Augustin entre outros.
Escala de poder no PMDB
Entre os pemedebistas, a lógica de turmas, feudos ou grupos é mais fácil de ser observada. O ex-presidente José Sarney foi, provavelmente, o fundador da versão moderna dos grupos que existe entre os poderosos em Brasília. Decorrente dele, Renan, Temer, Eduardo Braga (regionalmente), Jader Barbalho, Roberto Requião (regionalmente) e Eunício Oliveira (regionalmente) foram todos capazes de fortalecer-se com base em seus grupos. Para aqueles que conseguiram destaque nacional, mas possuem um poder essencialmente regional, como é o caso de Eduardo Braga, Requião e de Eunício Oliveira, a possibilidade de passar a ter poder nacional diminui, a não ser que passem a integrar o grupo de alguém mais poderoso e influente. Dificilmente liderarão um grupo de projeção nacional, tendo, possivelmente atingido seus ápices na carreira política.
Thatcher nunca viu Heseltine como uma ameaça, pois julgava que a influência dele jamais se materializaria em atos contra ela. Sua visão era de que qualquer um que fosse próximo a ele, era certamente mais próximo dela. Em 1990, na disputa pela liderança do Partido Conservador, foi justamente Heseltine que impediu a vitória de Thatcher.
Naquela situação, Heseltine consegui gerar um alto nível de traição entre aliados de Thatcher que se converteram ao seu lado pouco antes da votação. Por mais que logo depois Heseltine tenha perdido a liderança do partido para John Major, que se tornou primeiro-ministro (e o nomeou vice-primeiro-ministro), ele se sentiu vingado. Nunca formou a sua própria turma, mas destruiu parte da que Thatcher pensava haver formado durante os anos 80.