Muita gente gosta de dispor de dinheiro vivo em casa. Uns por comodismo, outros para escapar das filas e das tarifas dos bancos. Mas há também os que escondem grandes quantias de origem duvidosa debaixo dos colchões para escapar da fiscalização e dos rigores da lei. Foi o caso do ex-deputado Geddel Vieira Lima, que mantinha em um apartamento em Salvador malas com mais de R$ 50 milhões. É de olho nesses desvios que a Receita Federal acaba de adotar uma medida que torna obrigatória a comunicação de operações que envolvam dinheiro em espécie em valor igual ou superior a R$ 30 mil. Com a medida, o governo espera lacrar uma porta que ainda estava aberta à corrupção, à sonegação e à lavagem de dinheiro. Daqui em diante, até será possível guardar em casa dinheiro amealhado ilegalmente, mas será muito mais difícil fazer uso da propina. Na prática, a Receita quer saber quem compra imóveis, carros, joias, quadros e outros bens com dinheiro vivo – uma das ferramentas mais comuns da lavagem de dinheiro. Ou seja, a partir de agora, os políticos que lançam mão desse expediente nada republicano deverão ter mais cuidado.
ISTOÉ fez um levantamento com base nas declarações de bens de deputados federais das principais bancadas e dos 27 senadores eleitos em 2014 para saber quem poderia cair na mira do Leão caso realize transações em dinheiro vivo. Entre os senadores da safra 2014, somente dois declararam guardar valores em espécie na residência: Acir Gurgacz (PDT-RO), que mantinha R$ 500 mil, e José Maranhão (PMDB-PB) que dispunha de R$ 398 mil.
As seis maiores bancadas, por estado, possuem 269 deputados. São elas: São Paulo (70 parlamentares), Minas Gerais (53), Rio de Janeiro (46), Bahia (39), Rio Grande do Sul (31) e Paraná (30). Desse total, 25 deputados declararam à Justiça Eleitoral, em 2014, terem mais de R$ 300 mil em espécie. Chama atenção os valores milionários mantidos dentro dos portões de suas residências pelos deputados Fernando Torres (PSD-BA) com R$ 3.234.256,82, Leonardo Quintão (PMDB-MG) com R$ 2,6 milhões, Misael Varella (DEM-MG) com R$ 1.374.191,69, e João Bacelar (PR-BA) com R$ 1,2 milhão. Em geral, a justificativa dada aos curiosos é a proximidade de compromissos financeiros de ordem pessoal. Daí a necessária liquidez.
O campeão de recursos em espécie guardados em casa pertence à bancada de Pernambuco. É o deputado Marinaldo Rosendo (PSB), que declarou ter R$ 3,82 milhões. Em agosto desse ano, Marinaldo teve as contas de sua gestão à frente da prefeitura de Timbaúba rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado por três votos a zero. Foi acusado de irregularidades na compra de material escolar e no repasse de recursos de empréstimos consignados aos servidores. De família tradicional mineira, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que está no 10º mandato consecutivo, possuía, em 2014, R$ 950 mil em dinheiro vivo. Ele foi o relator da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e proferiu um parecer pela rejeição do caso.
O deputado Nelson Meurer (PP-PR) é réu da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, acusado de receber propinas de R$ 29 milhões entre 2006 e 2014. Apontado como um dos líderes do ‘quadrilhão do PP’, Meurer declarou ao TSE uma quantia de R$ 762.360 mil em espécie. O processo contra ele na Lava Jato está na reta final e o julgamento será marcado em brave. Outros paranaenses com fortunas em casa são Luiz Nishimori (PR), que possui R$ 800 mil, e Osmar Bertoldi (DEM) com R$ 700 mil. Em São Paulo, a curiosidade é que Paulo Maluf não aparece na lista. O ex-governador declarou ao TSE um patrimônio de R$ 39 milhões, composto de imóveis, terrenos ações, aplicações de renda fixa e fundo de investimento. Mas não tem reserva financeira em casa. Os principais destaques de SP no quesito dinheiro em espécie vão para os deputados Ricardo Izar (PSD), de R$ 800 mil, e Ricardo Tripoli (PSDB), num total de R$ 742 mil. Bruna Furlan (PSDB), que em 2010 tornou-se a deputada federal mais votada da história de São Paulo e é filha do prefeito de Barueri, Rubens Furlan, declarou guardar R$ 300 mil em casa.
Agora, os nobres parlamentares devem se cautelar, mesmo quando o dinheiro tiver origem lícita. Cada vez que recorrerem ao cofre doméstico para consumir ou cobrir despesas correntes, as operações deverão ser reportadas em formulário eletrônico denominado Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie (DME), disponível no site da Receita. Quando a transação for feita em moeda estrangeira deverá ser efetuada a conversão em reais para fins de declaração.
Será quase impossível movimentar dinheiro vivo sem chamar atenção das autoridades. A pessoa física ou jurídica que receber recursos em espécie em valores iguais ou superiores a R$ 30 mil e não declarar à Receita Federal ficará sujeita a multa de 1,5% a 3,0% do valor da operação, respectivamente, quando omitir informações ou prestá-las de forma inexata ou incompleta. Guardar dinheiro embaixo do colchão deixará de ser uma prática tão vantajosa. E pode ser arriscado. O Leão está com os dentes afiados.