Por mais áreas oceânicas totalmente protegidas

Dotado de uma invejável extensão territorial, o Brasil frequentemente esquece que os seus domínios são ainda maiores graças à projeção de nossos cerca de 8 mil quilômetros de litoral e ilhas ao largo, numa imensa jurisdição marítima que agrega ao patrimônio – e à responsabilidade – de todos os brasileiros mais de 3,6 milhões de quilômetros quadrados de águas ainda ricas em vida, cerca de 40% de nosso território. É o que os militares batizaram de “Amazônia Azul”, em analogia aos recursos daquela região terrestre, e sua equivalência com a área marítima.

Até recentemente esse patrimônio natural era severamente negligenciado em sua gestão e conservação. Menos de 1,5% do mar brasileiro foi protegido até hoje em Unidades de Conservação. Tal fato cria embaraços internacionais ao País, ao mesmo tempo que permite que a pesca predatória provoque um colapso. Um dos maiores problemas dos oceanos, superando o aquecimento global, é a pesca predatória. Ela segue destruindo até a beira da extinção. Populações inteiras de espécies comercialmente valiosas e outras de enorme importância para a saúde dos ambientes marinhos, caso dos tubarões, são perseguidas até o extermínio.

Nosso destino está inexoravelmente ligado ao mar e à navegação, só os brasileiros não sabem. Sim, o Brasil deu as costas ao mar. Não conhece ou valoriza a saga que nos trouxe à luz, a epopeia náutica portuguesa; e não cultiva a história marítima. Entre outras, essas são razões que explicam nossas áreas oceânicas serem tão distantes do pensamento da população e dos governantes. Elas estão ao deus-dará há décadas. Enquanto isso, seus tesouros ecológicos são saqueados, apesar do alerta de multidões de cientistas para a necessidade de preservação. Enquanto no mundo crescia a tomada de consciência sobre a importância de proteger a vida marinha, com a criação de extensas áreas preservadas, aqui as oportunidades milionárias de gerar emprego e renda com essa preservação, que vão da recomposição dos estoques pesqueiros à atração de ecoturismo de padrão internacional, seguiram ignoradas.

Foto: Reprodução

A roda da História girou a favor do mar brasileiro quando o presidente Michel Temer acertou na escolha de dois ministros, o do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e o da Defesa, Raul Jungmann, cujo trabalho conjunto está trazendo à luz a oportunidade histórica de se protegerem algumas das áreas mais relevantes do mar brasileiro: os arquipélagos oceânicos de São Pedro e São Paulo e Trindade e Martim Vaz. Não apenas essas ilhas isoladas abrigam no seu entorno conjuntos únicos de espécies de peixes e invertebrados raros, endêmicos e/ou ameaçados de extinção, mas ainda as águas que as circundam abrigam muitas espécies pelágicas, de mar aberto, que a sobrepesca não conseguiu extinguir (mas poderá fazê-lo em breve se a proteção não for concretizada).

Somadas, as áreas propostas para as novas Unidades de Conservação abrangerão cerca de 900 mil km2, fazendo nossa porcentagem de mar sob gestão conservacionista saltar de 1,5% para quase 25%. Com isso o Brasil cumprirá à risca seus compromissos internacionais de gestão ambiental marinha, credenciando-se a receber recursos internacionais vultosos para a sua gestão, cuja proteção, graças a esse entendimento entre ministérios, terá a participação ativa e muito bem-vinda da Marinha do Brasil, essencial à garantia de que nossa soberania ambiental não será violada por frotas e interesses estrangeiros.

O anúncio da abertura de consultas públicas para a criação dessas Áreas Marinhas Protegidas já vem atraindo enorme interesse internacional, tanto da parte da mídia como do trade de turismo e de instituições ligadas à conservação, oferecendo ao presidente Temer uma pequena amostra da repercussão positiva que a sua decretação e a implantação trarão, contribuindo, num momento crítico da nossa História, para melhorar a imagem do Brasil no conjunto das nações que aprenderam a aliar desenvolvimento e conservação do patrimônio natural.

Um único reparo a esse histórico e bem-vindo processo: as áreas propostas para Proteção Integral, onde os usos predatórios da vida marinha ficariam definitivamente vedados, não são extensas o suficiente para assegurar de fato a conservação dos valores ambientais ali existentes, em especial para afastar a sobrepesca, que tanto dano já causou a essas regiões. Por isso defendemos a ideia de que os ministros Sarney e Jungmann e o comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, dono de extensa e bela folha de serviços prestados, encontrem um entendimento que permita levar em uníssono ao presidente a proposta de ampliar essas áreas totalmente protegidas em todo o entorno dos arquipélagos e, principalmente, aumentando a extensão para proteção integral ao redor de São Pedro e São Paulo. Com isso, não apenas a biodiversidade única desses locais estará protegida, mas também estarão salvaguardados os valores ambientais capazes de atrair visitantes, pesquisadores e investimentos para esses novos Monumentos Naturais em véspera de criação.

Como dissemos neste espaço há um par de meses, o presidente Michel Temer está às portas de inscrever seu nome na História Ambiental do Brasil e elevar nosso país no plano internacional a uma posição de destaque nas temáticas marinhas, com reflexos favoráveis em ampla gama de foros. Ao mesmo tempo que abre oportunidades de captação de recursos e apoios para a gestão ambiental.

Tudo o que precisamos, agora, é coragem política para concretizar esse grande passo. A hora de fazê-lo é agora. Chegou a hora do mar – do Mar do Brasil.

*Jornalista, editor do site www.marsemfim.com.br e consultor ambiental; e vice-presidente do Instituto Augusto Carneiro

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