23 de abril de 2024

Na América do Sul com a magrela

Surpresas são bem-vindas, ainda mais as boas. Quando se planeja viagem de um ano de bicicleta, longe da segurança de casa, ser surpreendido positivamente chega a ser importante para a sobrevivência. Pois foi o que aconteceu com Thiago Fantinatti. Partindo de Ourinhos, no Interior de São Paulo, onde morava na época, o então analista de sistemas e fotógrafo de 28 anos contornou, entre 2008 e 2009, a costa Atlântica até o Sul do Brasil, passou pelo Uruguai, Argentina e Chile, na ponta do continente, e subiu pelo Deserto do Atacama, pelos Andes até alcançar a Amazônia.

Segundo ele, o que mais chamou sua atenção não foram as paisagens e, sim, quem passou pelo caminho. “Imaginava visitar e fotografar lugares bacanas, aproveitar a possibilidade de estar um pouco longe de casa, que eu acredito fazer bem para todo mundo como aprendizado, porém, o que mais me surpreendeu foi o encontro com as pessoas. Começava o dia pedalando, não sabia até onde ia e com quem terminaria”, conta o agora morador de Curitiba de 38 anos. A experiência foi tão rica que, em 2011, foi publicado o livro Trilhando Sonhos – 365 Dias de Bicicleta pela América do Sul. A obra está sendo relançada como parte do Clube Select, divisão da empresa especializada em títulos de autores independentes. Confira entrevista com Fantinatti:

Analista de sistemas percorre, por um ano, Uruguai, Argentina e Chile e se surpreende com quem conheceu

Após tanto tempo da viagem, o que mudou sobre como se enxerga como turista e pessoa?

No começo da aventura tinha muita preocupação com a segurança. Aos poucos fui me libertando e lidando com o fato de que não era possível ter absoluto controle sobre tudo. Aí que a coisa começou a ficar interessante e quebrei as barreiras iniciais. No momento em que você assume que o inesperado faz parte da rotina, as coisas passam a acontecer. É curioso porque a bicicleta carregada chama atenção. Em povoados isolados as pessoas chegam para oferecer comida e abrigo. E isso realmente mexeu comigo. Estamos acostumados a viver nas cidades atrás das grades, então, ser ajudado por estranhos é diferente. Além disso, quando partia, parecia que levava comigo o sonho delas na minha bagagem. É como quisessem vir junto. Isso me marcou demais. Numa ocasião, no Sul do Brasil, cheguei em um posto de gasolina em local isolado e comecei a conversar com o dono. Quando vi, estava jantando com ele e a família, acampei na garagem com a porta da cozinha aberta para que eu pudesse usar o banheiro. Isso não tem o que pague. É algo muito intenso, realmente. Então, a viagem, mudou em mim a visão do mundo, que é um lugar bom. Mas se a gente não sai para ver com os próprios olhos, fica achando que tudo é perigoso.

Quais foram os destaques da experiência e o que mudaria?

Quebrei o braço esquerdo no segundo dia de viagem, a 150 quilômetros da minha casa. Tive que voltar e esperar 56 dias até ficar totalmente recuperado para recomeçar. No momento, fiquei muito chateado, mas, aos poucos, fui entendendo que não tinha controle também sobre isso. Hoje vejo que foi fundamental para minha sobrevivência na estrada. Repensei os itens de segurança e a postura. O atraso foi bom porque conheci as pessoas certas, na hora certa. Fico pensando se não tivesse acontecido o acidente. Não tenho arrependimentos. Talvez, se não tivesse viajado. Foi tudo muito legal e perfeito.

Que dicas pode dar para quem pretende fazer o mesmo?

Hoje o pessoal que viaja de bife tem muita informação, comunicação, sities e segurança. Não tinha muito acesso na época, acertei as coisas meio sem querer, tive muita sorte. O que eu tenho a dizer é: não é fácil. Tem os dias de Pireneus, de dificuldades. Sair do sofá e começar a viajar é o mais complicado. Deixei o trabalho, terminei um namoro de três anos e vendi o carro. Mas, quando se consegue sobreviver mentalmente aos primeiros momentos da viagem e percebe que é aquilo mesmo, não tem mais volta. A dica é começar com uma viagem teste e curta para saber se é esse tipo de ‘problema’ que deseja mesmo para sua vida. Seis meses antes, fui de Coritiba a Florianópolis, uns 500 quilômetros. Foi importante para testar o equipamento, as pessoas, o cansaço, a dor. Senti na pele tudo e tive certeza absoluta de que era o que queria.

Você pensa em ter uma nova aventura dessas?

Penso sim. Agora com minha mulher e filha, que tem 6 anos. Vamos começar por pequenas viagens de bicicleta, mas temos o sonho de adquirir um trailer sobre rodas e viver de forma remota. As vezes, tenho vontade também de voltar às regiões que já estive, como o Deserto do Atacama, no Chile. Queria ter a chance de pedalar por lá sozinho.

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