“Apesar dos pesares, a comunidade indígena resiste bravamente”, diz indigenista José Meirelles

Na semana em que se comemora o Dia do Índio (19 de abril), uma decisão polêmica envolvendo a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi destaque em todo o país. Após pedido da bancada ruralista – acatado pelo presidente Michel Temer –, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas foi exonerado do cargo de presidente do órgão. Após a decisão do Palácio do Planalto, é esperado que Freitas deixe o cargo até a próxima segunda-feira (23).

Entre estas e outras movimentações, que incluem conflitos com latifundiários, mineradoras e usinas, a população indígena brasileira, que ocupa cerca de 13,8% do território nacional divididas em mais de 250 etnias distintas, segue tentando sobreviver às mudanças do cenário nacional.

José Carlos Meirelles durante entrevista no programa “Encontro”. Imagem: Reprodução

A pedido da ContilNet, o indigenista, sertanista e assessor de governo José Carlos Meirelles comentou sobre os rumos das políticas públicas voltadas para os indígenas, destacando que ainda há muito trabalho pela frente.

MEIO SÉCULO DE ATUAÇÃO

Referência na preservação dos direitos indígenas, José é natural de Ribeirão Preto (SP) e abandonou o curso de engenharia mecânica para trabalhar no Acre em 1976, quando a unidade acreana da Funai surgiu. Ao longo de 44 anos de carreira dentro do órgão, Meirelles atuou em ações que envolveram os índios Manchineri, Jaminawa, Kaxinawá, Ashaninka e tantas outras etnias, com destaque para seu trabalho com as aldeias isoladas do Acre.

Registro de comunidade isolada no território acreano. Foto: Gleilson Mirada

Em 2010, José pediu demissão da Funai; no ano seguinte, iniciou um trabalho para a Assessoria Indígena do governo do Acre junto com lideranças indígenas, antropólogos e outros profissionais.

O indigenista e sertanista também foi destaque em rede nacional no programa “Encontro” em 2016, quando foi convidado para falar sobre comunidades indígenas isoladas do Brasil. Em um dos relatos, uma aldeia teve dois terços da população dizimada por narcotraficantes do Peru.

SOBRE O DIRECIONAMENTO DAS ESTRUTURAS

“As políticas públicas no Brasil em relação aos índios vêm piorando, e não é de hoje. Aliás, nunca foram o que seria considerado ‘ideal’. Comecei a trabalhar na Funai na década de 1970, e passei por 34 presidentes da Fundação, de generais a Romero Jucá. Ou seja, todo tipo de gente passou pelo órgão. Claro que houveram alguns avanços: terras indígenas demarcadas, 13% do território nacional hoje é de terra indígena… Mas também ocorre um desmonte progressivo das políticas públicas. Não só em relação aos índios, mas em relação a qualquer minoria neste país. A maioria prejudicada, é claro, corresponde à população pobre. As políticas públicas parecem estar sendo direcionadas em outro sentido.”

SOBRE A EXONERAÇÃO DE FRANKLIMBERG

Franklimberg Ribeiro de Freitas estava na presidência da Funai desde janeiro de 2017. Foto: Reprodução

“Tínhamos um general evangélico, ou seja, dois ‘belos’ atributos para trabalhar com os indígenas. E agora ele foi trocado. Por qual razão? Porque a bancada ruralista deu um recado ao presidente Temer afirmando que ele ‘não estava atendendo aos anseios dos ruralistas’ – ou seja, quer dizer que o presidente da Funai tem que atender aos interesses de ruralistas, pelo visto. Possivelmente será um ruralista que irá para a presidência da Funai. Daqui alguns dias, é capaz de ser até alguém da Bancada da Bala. Estes sinais, infelizmente, demonstram que não existe vontade dos últimos governos de resolver realmente os problemas dos índios. Eles, no entanto, sobrevivem apesar de tudo.”

“O ACRE É UMA EXCEÇÃO”

“Infelizmente, creio que não há muito que se comemorar neste Dia do Índio. Entretanto, existem exceções, claro. Não é porque eu trabalho no governo, não, mas o Acre realmente é uma exceção. Nas últimas décadas, o caminho trilhado permitiu que qualquer índio no Acre tenha livre acesso às ações do governo do Estado. Estas ações envolvem recursos, tecnologias, transferência destas tecnologias… Mas veja bem: não estou dizendo que é a melhor coisa do mundo, não – porém, se comparado, por exemplo, ao estado do Mato Grosso do Sul, a situação é outra. Se você estiver em qualquer prefeitura desse Estado dizendo que quer debater alguma ação voltada para os indígenas, é capaz de passar um mês sentado na calçada esperando. Aqui, existem várias vertentes e investimentos em projetos culturais, auxílio-festivais, convênios. Apesar dos pesares, a comunidade indígena resiste bravamente.”

TERRAS INDÍGENAS DO ACRE

Registro em aldeia do Acre. Foto: Sérgio Vale

No território acreano, existem cerca de 19.962 integrantes da população indígena em 34 Terras Indígenas. De acordo com a publicação “Acre em Números 2017”, estes povos – que se dividem em 18 etnias (15 contatadas e três de índios isolados) – vivem em 209 aldeias acreanas.

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