As cidades perdidas da Amazônia

É inevitável pensar na floresta amazônica como uma gigantesca mata virgem, praticamente intocada. O.k., todos sabemos que a região é habitada por dezenas de povos indígenas. Mas a ideia predominante no imaginário das pessoas é a de que eles sempre viveram em perfeita harmonia com o ambiente, interferindo o menos possível na natureza e tirando dela apenas o essencial para sua sobrevivência. Ao que tudo indica, essa visão romântica está completamente errada.

Não que tenham sido erguidas na Amazônia pirâmides ao estilo das construídas por maias e astecas na América Central – isso continua sendo pura ficção. Mas descobertas arqueológicas feitas nas últimas 3 décadas indicam que, antes de o Brasil ser descoberto, a população nativa da Floresta Amazônica era muito mais numerosa e sofisticada do que se costuma imaginar.

Kuhikugu, no Xingu: a maior “cidade” já descoberta pelos arqueólogos na amazônia brasileira./Foto: Indio San/Superinteressante

Entre os anos de 1000 e 1400, verdadeiras superaldeias interligadas por boas estradas dominavam certas regiões. Em outras, grupos de até 15 mil erguiam aterros com até 10 metros de altura para construir suas casas sobre eles e dar um chapéu nas inundações. “Existiam sociedades complexas no rio Amazonas quase inteiro, no médio e baixo Orinoco, na Bolívia e em outras áreas”, diz o arqueólogo americano Michael Heckenberger, que há anos estuda um conjunto de agrupamentos desse tipo no Alto Xingu. “Em 1500, a Amazônia provavelmente era uma área de enorme variabilidade cultural, com grupos regionalmente interligados.”

Tribos marajoaras

A ideia de uma Amazônia “urbanizada” na verdade é antiga. Quando os primeiros exploradores espanhóis desceram o rio Amazonas vindos dos Andes, em 1542, o cronista da missão – um frade dominicano chamado Gaspar de Carvajal – descreveu-a como um lugar densamente povoado. “Quando nos viram, saíram para nos encontrar no meio do rio mais de 200 pirogas [canoas], cada uma com 20, 30 ou 40 índios”, escreveu o frade. “Em terra firme, era maravilhoso ver os esquadrões que existiam nas vilas, todos tocando instrumentos e dançando.”

Ranzi considera que ainda é cedo para dizer como os geoglifos foram feitos e qual era a sua função original. Muitos ficam em áreas relativamente elevadas. Portanto, diz o pesquisador, podem ter sido usados para monitoramento e defesa do território. Outra possibilidade é a de que as grandes trincheiras funcionassem como tanques para a criação de peixes e tartarugas.

É possível que os indígenas tenham desmatado vastas áreas do Acre para criar sua rede de geoglifos – são mais de 200 num raio de apenas 250 quilômetros quadrados. “Mas tendo a acreditar que, por causa de fenômenos naturais como El Ninõs excepcionalmente intensos, o ambiente não era de mata fechada na época da ocupação”, diz Ranzi. O pesquisador calcula que uma população de aproximadamente 60 mil pessoas vivia na região.

Superaldeias do Xingu

No Alto Xingu, estudos liderados pelo arqueólogo Michael Heckenberger também estão revelando a face “urbana” que a Amazônia já teve. Trabalhando em parceria com membros da etnia cuicuro, ele afirma ter identificado uma rede de antigas vilas – a maioria também do período imediatamente anterior à chegada dos europeus – que fazem as atuais aldeias indígenas parecerem anãs.

Organizados em grandes círculos e com capacidade para abrigar milhares de pessoas, esses agrupamentos eram cercados por fossos de vários metros de largura e profundidade, cercadas por paliçadas e interligadas por estradas respeitáveis, com até 40 metros de largura. Eles teriam surgido no século 9 e atingido seu apogeu cerca de 400 anos depois, no século 13. Mantinham entre si relações de poder e hierarquia. Faziam alianças, negociavam… E guerreavam também. No auge, alguns desses núcleos chegaram a ser endereço para mais de 2 mil moradores. Não se sabe exatamente como eles desapareceram, mas é provável que vários tenham entrado em colapso antes da chegada dos europeus.

Há indícios de que os índios da rede de superaldeias amazônicas deram um duro danado para sustentar a população que, somada, chegava a 50 mil habitantes. Imagens de satélite já revelaram áreas de floresta que provavelmente foram roças ou pomares. E até hoje existem na região trechos de mata virgem que produzem frutos comestíveis em quantidade bem acima da média – provável herança do tempo em que os nativos manejavam habilmente a floresta, selecionando as plantas mais frutíferas para complementar seu sustento. “É como se esses antigos habitantes do Xingu tivessem um modelo alternativo de organização”, diz Heckenberger. Em vez de juntar todo mundo num único – e insustentável – agrupamento, eles viviam distribuídos em vilas de pequeno ou médio porte, mas conectadas por estradas que viabilizavam a formação das redes de comércio e o intercâmbio cultural.

Todos esses dados – sempre é bom lembrar – ainda são preliminares, mas levam a crer que a Amazônia pré-Cabral abrigava muito mais gente do que se costumava imaginar anos atrás. É provável que a densidade populacional tenha despencado com epidemias trazidas pelos europeus, como parece ter acontecido em outras regiões das Américas. Mas isso não impediu que as civilizações da Amazônia deixassem alguns legados. Na tradição oral dos cuicuros e de outros povos do Xingu, há referências às grandes obras do passado. E a cerâmica indígena produzida hoje é bastante similar à encontrada em vários sítios arqueológicos.

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