Abastecido por petrodólares, o fundo soberano da Noruega, o maior do mundo com mais de US$ 1 trilhão em ativos (R$ 3,3 trilhões), é sócio de três frigoríficos de carne bovina. O maior beneficiário é a JBS, com investimento de US$ 143,4 milhões (R$ 477 milhões), equivalente a 1,78% da empresa dos irmãos Batista.
Os outros frigoríficos são a Minerva, com US$ 5,6 milhões (R$ 18,6 milhões, 0,76% de participação), e a Marfrig, com US$ 4,2 milhões (R$ 13,9 milhões, 0,31% do total).
A atividade pecuária ocupa 83% da área desmatada em uso na Amazônia, segundo levantamento conjunto do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
A JBS é, de longe, a maior compradora de gado produzida na Amazônia. Parte dessa aquisição é ilegal, de acordo com o Ibama: no ano passado, a empresa foi multada em R$ 25 milhões por comprar gado de áreas de desmate ilegal, durante a Operação Carne Fria.
As informações sobre investimentos foram divulgadas no mês passado pelo fundo, que tem sido cobrado para aumentar a transparência e não financiar empresas envolvidas com desrespeito aos direitos humanos, corrupção e desmatamento, entre outros problemas. É a primeira vez que todas as empresas com o dinheiro norueguês foram listadas.
Em relatório, o fundo afirma que iniciou um diálogo no ano passado com a Minerva e Marfrig para discutir desmatamento e a cadeia de fornecimento. O objetivo é “melhorar os padrões na sua rede de fornecedores para além da Amazônia brasileira”.
Apesar do histórico ruim na Amazônia, a JBS entrou apenas na lista de diálogo de empresas envolvidas em corrupção –é a única brasileira entre as três citadas.
Via assessoria, a JBS afirmou que a empresa está colaborando com as investigações sobre corrupção. O frigorífico, que recorreu das multas do Ibama, afirma que, nos últimos quatro anos, 99,97% das compras de gado na região da Amazônia Legal foram regulares.
Procuradas pela reportagem, a Marfrig e a Minerva não se manifestaram. O fundo norueguês informou que não comenta investimentos em empresas específicas.
DESINVESTIMENTO
Por estarem sob análise, os três frigoríficos correm o risco de desinvestimento, quando o fundo estatal se desfaz de sua participação. Ao menos 66 empresas perderam o dinheiro norueguês nos últimos anos, das quais 58 por risco de promover o desmatamento.
Uma das empresas que sofreram desinvestimento no ano passado por desmate foi a empresa de soja gaúcha SLC Agrícola. No relatório do fundo, ela figura como envolvida na conversão de áreas para o plantio de soja no Brasil.
De acordo com o site de análise de risco ambiental Chain ReactionResearch (Pesquisa de Reação em Cadeia), o fundo soberano vendeu sua participação de US$ 29,4 milhões (R$ 97,9 milhões) no final do ano passado.
A SLC possuiu 323 mil hectares, dos quais 100 mil hectares são reserva legal. São 15 fazendas em seis estados: Mato Grosso, Goiás, Bahia, Piauí, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Nos últimos sete anos, a empresa com sede em Porto Alegre converteu cerca de 30 mil hectares de cerrado em soja.
A SLC foi multada duas vezes pelo Ibama em razão de desmatamento. Na mais grave delas, de 2008, foi autuada por desmatar 1.233 hectares de cerrado da reserva legal de uma das fazendas. A empresa recorreu, alegando que a reserva está intacta e que desmata apenas com autorização e emissão de licença ambiental.
Sobre o desinvestimento, a SLC informou que as todas áreas abertas têm autorização legal e possuem reserva legal. “Infelizmente, outros países desenvolvidos não possuem mais suas florestas originais por terem desmatado no passado. Felizmente, o nosso país prega um desenvolvimento sustentável”, diz a empresa de soja.
NORUEGA NA BERLINDA
A revelação de que o fundo investe em frigoríficos ocorre em um momento crítico para a imagem da Noruega no Brasil. Recentemente, a empresa Hydro Alunorte, que produz alumina (matéria-prima do alumínio), admitiu que estava lançando água contaminada no rio Pará, em Barcarena (PA).
A empresa, que tem 34,3% de capital estatal norueguês, foi multada em R$ 20 milhões pelo Ibama por problemas de financiamento e tem sido alvo de protestos de moradores vizinhos à fábrica.
Por outro lado, o governo norueguês é o que mais contribui para o Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES e voltado a projetos contra o desmatamento. O montante doado chega a US$ 1,1 bilhão (R$ 3,7 bilhões).
Em visita a Oslo em junho do ano passado, o presidente Michel Temer foi alvo de críticas do governo norueguês por sua política ambiental para a Amazônia, marcada por concessões à bancada ruralista, incluindo anistia a grileiros.
Para a ONG norueguesa Rainforest Foundation (Fundação Floresta Tropical), a iniciativa de criar diálogos com empresas envolvidas com desmatamento é um avanço do fundo, apesar da ausência, até agora, de cobrança sobre o tema para a JBS.
“O fundo de pensão da Noruega investe mais dinheiro em empresas que destroem florestas tropicais do que o dinheiro que o país usa para salvar essas florestas”, afirma o analista sênior Vemund Olsen.
“Mas, em vez de desinvestir, o fundo deveria usar sua influência financeira para exigir que empresas como JBS, Marfrig e Minerva cortem seus laços com o desmatamento. Estamos felizes em ver que o fundo está finalmente começando a fazer isso.”