Na política há violência – Por Vinício Martinez

Ao contrário do que se quer acreditar, o poder não busca conformidade, mas sim obediência. E há, obviamente, quem não queira obedecer, preferindo suas próprias regras. Portanto, em sentido frio, a política é o quente reino da violência. Ninguém faz o jogo da política para participar. Não cabe fair-play numa relação em que ou há vencedores ou perdedores, vivos ou mortos. “Por perdedores” entenda-se quem está fora do jogo, sem direito a outra partida. Daí que as disputas são ferozes, ao contrário de quem supõe haver alguma possibilidade para a “ética na política”.

A ética do poder prevê o uso da força e da convicção para vencer, e tanto faz o uso específico ou combinado dos meios; desde que se vença e se imponha a ética do vencedor. O perdedor, via de regra, reclama da falta de ética; mas, assim o faz porque sua ética ou predileção saiu derrotada. Se vencesse, sua ética seria outra: como a ética de quem precisa manter o poder e, assim, faria uso de tais meios.

A política não é uma relação jurídica. Obedece às regras do poder, regras práticas de quem decide e de quem sobrevive. Vigoram as regras do realismo político, da realidade governada por quem tem poder. Por isso, só há regras ou procrastinação quando é de interesse de quem governa, ou seja, exerce o poder. Pode-se chamar de uma definição cínica do poder e da sua gerência (da política). Entretanto, é a própria definição da realidade do poder: na política não há esquecimento. Por isso, tanto não há realidade fora do poder quanto não há “ausência de poder”. E não havendo lapso de poder, sempre haverá disputas. Porém, em oposição ao direito, na política não há impunidade. Bateu, levou.

Esta é a principal lição que tiramos de nossa experiência no pós-2016. E é o cenário que se apresenta no processo eleitoral de 2018. Se já sabíamos que a política não é uma prática social para amadores, ao menos não na realidade da política nacional – inclusive ou especialmente porque o povo sempre foi convidado a se retirar –, agora aprendemos que amigos são bons até se tornarem inimigos. Também aprendemos que forças políticas, antes natimortas por falta de poder, interesse ou representação, hoje são mais do que ativas e seus objetivos são os mais infensos à ética. De certo modo, este é um relevo vivo do que se denominou de Poder Nu, ou seja, sem as vestes ou as máscaras do direito e da contenção institucional. Quem faz o direito é quem faz a política, então, tudo se resume à manobrabilidade do poder. De forma direta, podemos dizer que experimentamos o realismo da política, com o único objetivo da vitória, sem compensações para os derrotados, sem conclamação ao segundo turno das esperanças. Isto é, mesmo que os príncipes sobrevivam, os peões expostos serão derrotados e aniquilados – pela única razão de se demonstrar quem é que manda e para que não haja reagrupamento posterior contra os conquistadores do poder.

Assim, não é à toa que se veja este fenômeno e cenário ocorrerem nos três poderes, do alto a baixo. Não se trata de uma batalha do Brasil antigo contra o mundo novo, se é que isto ocorreu alguma vez foi no enfrentamento aos regimes de exceção aqui instalados: com início no combate à escravidão. Fora dessas circunstâncias predominam apenas as lutas intestinas pelo Poder Nu, sem anjos (inocentados de crimes) e nem demônios totalmente descaídos de representação. Em suma, não produzimos anjos e por isso na política não há perdão. Mesmo a vingança não é totalmente pessoal, atendendo, a violência, muito mais à reconquista ou à manutenção do poder.

Na política não há um palco para crianças jogaram jogos que podem gerar empates e se desafiarem em aprendizado, nem se mistura com rixas familiares. A política é guerra total. E o que vemos como sinal vermelho entre 2016-2018 não é nada além disso. Só causa estranheza a falta de regras a quem acreditou que haveria um direito à política. Outra diferença é que usamos o direito para uns ou contra alguns e ainda há outros que nem se preocupam com isto. Contudo, como visto na pele e nos corações, na política vigoram as regras do vale tudo. Neste jogo, perder pode significar literalmente a morte. Não se trata de morte simbólica, como se a legenda fosse abalada por tiros ideológicos fatais. Não, trata-se de perder a vida em crimes de pistolagem, como temos visto em 2018 – e como vimos tantas vezes na história da República que luta pelo poder. Os césares já conhecemos, resta saber quem será o Brutus a dar o golpe derradeiro. Outra conclusão é que, com César, o país pode ir para frente ou para trás; no entanto, os meios empregados não são diferentes.

Esta análise, que para alguns é cínica, não é falta de esperança, é realismo. Tanto quanto dizer que na política não há salvação das almas. A política é apenas sobrevivência e nisto se diferencia da condição do “ser social” – é um ato deliberado (nem sempre calculado) para a conquista do poder, sem meias intenções, sem outras conotações que não sejam afirmações dos interesses diretos. Por isso, mesmo que os erros sejam culposos – como o poder é premeditado –, para quem perde, a imputação é sempre dolosa. Prender e soltar, ou só punir (ou nunca punir, ou nunca soltar), tudo dá na mesmo. Afinal, na história da política só conta a visão do vencedor. Na política não há meio termo, isto é, não existe equilíbrio, perdão. Na imagem da política só há ufanismo ou “aqui jaz”. Não se conjuga o verbo perder. O poder não é representado, ou se exerce soberanamente ou não. A equação é simples: a soberania não recebe superlativo. Porque na política não há impunidade e o custo é sempre alto.

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