A redução do tráfego causada pela greve dos caminhoneiros reduziu pela metade os índices de poluição na cidade de São Paulo, segundo relatório preliminar produzido pelo patologista Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com o relatório, produzido no sétimo dia da greve, as emissões em São Paulo caíram pela metade em duas estações – Ibirapuera (zona sul) e Cerqueira Cesar (região central) – do Sistema de Informações de Qualidade do Ar da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
“Os resultados ainda são muito preliminares, mas os dados mostram que houve uma redução de 50% da poluição na capital paulista. Esse é um episódio raro e vamos estudar suas consequências na saúde pública. Quem sabe essas evidências quantitativas sirvam de argumento para a criação de políticas públicas”, disse Saldiva ao Estado.
Os dados diários da Cetesb sobre poluição atmosférica na capital mostram que os índices de poluição aumentaram no início da greve, quando houve a liberação do rodízio. Mas, em seguida, quando o combustível começou a faltar e a circulação de veículos foi reduzida, houve forte queda. Na tarde da segunda-feira, 28 – o sétimo dia da greve dos caminhoneiros -, a qualidade do ar era considerada boa em todas as estações de medição e para todos os poluentes analisados, diz o relatório.
“Em geral, temos picos de poluição atmosférica na segunda-feira e na sexta-feira – quando o trânsito é mais intenso – e queda nos fins de semana. Desta vez a semana começou com um índice alto de poluição, com contribuição das condições meteorológicas, que piorou com a liberação do rodízio na quinta (dia 24). Com a redução dos veículos, porém, na sexta houve queda súbita nos níveis de poluição”, explicou Saldiva.
Oportunidade única. Segundo Saldiva, a situação singular, configurada pela queda súbita da circulação de veículos, produziu a oportunidade para uma espécie de experimento natural. Segundo ele, o relatório será utilizado para a produção de um estudo de caso com o objetivo de quantificar os custos reais da poluição para a saúde pública na cidade.
“Não temos um experimento, temos um ‘quase-experimento’. É uma observação empírica com base em modificações ecológicas não planejadas. Ninguém poderia imaginar que teríamos tamanha redução do tráfego. Precisamos agora esperar que a cidade volte ao normal para podermos mostrar que a poluição atmosférica caiu por conta da redução de carros e que depois voltará ao nível original”, declarou.
Quando o experimento estiver concluído, segundo Saldiva, será possível correlacionar a redução das emissões de poluentes aos impactos na saúde. “Há funções matemáticas que correlacionam variações da poluição às variações do número de internações e mortes. Com isso, poderemos calcular como um corte nas emissões reflete no número de internações evitadas e no custo para os sistemas de saúde pública e suplementar.”
Segundo Saldiva, os dados da Cetesb registraram queda em todos os poluentes medidos durante a greve dos caminhoneiros, mas houve redução especialmente pronunciada de dois poluentes ligados diretamente às emissões veiculares: o monóxido de carbono e o dióxido de nitrogênio. “Isso mostra que seria possível reduzir a poluição aos níveis recomendados pelos padrões de qualidade com base em transportes menos poluentes, como ônibus híbridos, elétricos, ou movidos a etanol”, afirmou.
Saldiva destacou que, no fim de abril, o novo edital de licitação dos ônibus de São Paulo estabeleceu que as empresas terão até 2028 para reduzir as emissões de monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio à metade e até 2038 para cortá-las a zero. “O estudo que faremos poderá mostrar como foi nocivo adiar esse prazo em 20 anos. Uma redução desses poluentes terá impacto enorme na saúde pública.”
Para ele, o episódio da greve também deu outra lição à população: as pessoas são capazes de utilizar menos os veículos e isso tem efeito considerável na poluição. “Foi uma demonstração de que muitas pessoas poderiam aderir a um uso mais racional dos veículos.”