Tive um passado esquerdista, confesso! Acreditei na doce utopia da igualdade. Queria, como muitos jovens de minha época, transformar o mundo. Fazer algo para superar as angústias naturais da vida. Era uma utopia que envaidecia, afinal propunha que fôssemos os artífices de nossa própria história. Não seríamos vassalos do destino. Seríamos heróis de um tempo. Seríamos os revolucionários a salvar a humanidade da ganância, da opressão e da pobreza.
As ideias penetram na cabeça dos jovens e se transformam em sonhos. O confronto destes sonhos ao cotidiano, à realidade nua e crua, é sempre transformador. Como ver seu pai na labuta, dia a dia, ao lado de seus trabalhadores, para produzir e fazer girar a roda da vida e aceitar, segundo cartilhas marxistas, que ele era um dito latifundiário explorador do trabalhador rural? A realidade não se encaixava na teoria empobrecida. Meu pai trabalhava de sol a sol. Jamais o vi explorar trabalhador, pelo contrário, tratava a todos com respeito, ganhando, em troca, admiração. Ele não era o latifundiário explorador das cartilhas. Era um líder respeitado no trabalho!
Aquele homem enfrentava as intempéries, os obstáculos da falta de infraestrutura, a saudade dos seus familiares, as suas dificuldades naturais e a de seus empregados, tudo para tirar do seio da natureza o sustento próprio e dos seus. Eu não podia aceitar a versão estereotipada de ruralista (latifundiário explorador) que o surrado marxismo pregava. A teoria teria que ser brutalmente encaixada na realidade da minha família e do meu pai para ser aceita como plausível. Percebi, com profundidade, que algo estava errado; desconexo. Percebi que a realidade era mais complexa do que a teoria.
Entendi que havia uma simplificação brutal feita pelos marxistas sobre as relações entre os seres, a complexidade da vida, o trabalho, a economia e as relações sociais e culturais. Nada, absolutamente nada, do que eu via na fazenda do meu pai poderia ser explicado pela fórmula mecânica de proletários e burgueses; de empregadores explorando empregados.
Vi, na fazenda Liberdade, caridade cristã sendo exercida: caridade espontânea que não estava a esperar por retribuição ou por adesão. Nada se encaixava na teoria marxista. Aliás, Marx dizia que a religião era o ópio do povo. Ledo engano! O que mais presenciei na minha vida política foi a religião salvar pessoas das piores condições possíveis. Salvar casamentos ruins, salvar viciados em drogas, salvar a vida de crianças. Vi que a fé é algo poderoso e não um ópio como simplificou o pai do socialismo.
Entretanto, quando o veneno teórico vai fundo demais, evidências ficam turvas e guardadas para um momento em que elas serão mais eficientes. A vida não parou de mostrar suas evidências. Com a maturidade, pude atestar que vários momentos difíceis da minha vida política não seriam superados sem a ajuda crucial de minha família. Hoje sei da importância profunda da instituição familiar para o bem comum e o bem dos indivíduos. Sei, com convicção, que honrar pai e mãe é um dos fatores mais importantes para haver vida digna e plena.
Como aceitar a posição marxista sobre a família sabendo que sem ela eu jamais seria o que sou: “Abolição da família! Até os mais radicais ficam indignados com essa infame intenção dos comunistas. Sobre que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o lucro privado. A família plenamente desenvolvida existe apenas para a burguesia (…) A família do burguês cai naturalmente com a queda desse seu complemento, e ambos desaparecem com o desaparecimento do capital”, conforme está no Manifesto Comunista, escrito por Engels e Marx em 1848.
A família é o alicerce mais profundo e importante da sociedade. Querer destruir a família é querer destruir uma forma de viver profundamente arraigada na história do humano: a que garante a mais eficiente forma de viver. Destruir a família é destruir a sociedade. É intenção claramente maligna: os fins justificam os meios, para chegar ao socialismo a família tradicional haverá de ser destruída. Inaceitável aos meus olhos de hoje! Ao se destruírem valores, destroem-se os alicerces de edificação segura. Todas as evidências da vida levavam ao meu descrédito ao credo socialista.
Comecei a desconfiar de que a igualdade era em si uma ilusão. Ela só poderia ser alcançada por meio da violência física e simbólica. Igualar os desiguais implicaria em alijar os dons, as diferenças, a criatividade e mesmo a própria vida individual. Para igualar finalmente os desiguais seria necessário suprimir o livre arbítrio e a responsabilidade dos indivíduos. Seria, portanto, matar a liberdade concedida por Deus aos seus filhos. A história é implacável em nos mostrar como todas, absolutamente todas as utopias da igualdade findaram em governos despóticos e genocidas.
Por tudo isso, e mais, deixei de ser socialista.
Marcio Bittar foi deputado estadual, duas vezes deputado federal e atualmente é pré-candidato ao Senado pelo MDB