“Vi meu velório”, diz Moisés Diniz ao relatar experiência de “quase morte” após princípio de infarto

Ainda em fase de recuperação após sofrer um princípio de infarto, o ex deputado federal Moisés Diniz, hoje Diretor Presidente do Departamento de Pavimentação e Saneamento (Depasa), fez um relato emocionante em seu perfil no Facebook.

Deputado Moisés Diniz/Foto: reprodução

Na postagem feita na noite de quinta-feira (11), Diniz relata que teve uma ‘Experiência de Quase Morte’ (EQM) e diz ter entrado em uma porta gigantesca, como fosse se um abismo “da cor do barro de um barranco de rio, semelhante uma planície entre montanhas silenciosas”, relata ele.

O ex-parlamentar disse lembrar de todos os detalhes, desde os afazeres do seu dia a dia até o momento em que teve a experiência. “Vi meu velório e meus amigos. Foi terrível, uma dor que não se explica”, diz o relato.

Confira todo relato:

A MORTE É QUASE INSUPORTÁVEL, MAS É UMA PORTA PARA SENTIMENTOS ETERNOS

Na última segunda-feira, eu vivi uma experiência de quase morte. Os especialistas devem dar outros nomes, mais sofisticados, outros podem achar que foi alucinação. Mas, eu ‘vivi’ (se é esse o termo) um momento tão intenso com a morte, que foi como se fosse uma batalha eterna, entre anjos e demônios, que disputavam meu corpo e minha mente.

Na quinta-feira (7/05), eu peguei a estrada para Feijó, para ser apresentado à equipe do Depasa de lá. Na saída de Sena Madureira, comecei a sentir uma tontura muito forte. Mas, dois outros fatores me levaram a não entender aquela tontura: um temporal violento nos pegou na estrada e a minha coluna doía de forma quase insuportável. A tempestade e a dor na coluna desviaram a minha atenção. Após a reunião lá, comi um açaí. Aí a minha tontura dobrou. Como eu estava há quatro meses que não media meu colesterol, achei que era ele o culpado. Então, comprei um remédio e tomei.

No dia seguinte, em Tarauacá, a tontura persistiu e se agravou. Eu segui participando de reuniões, sempre com a mesma tontura. No domingo, participei de outra reunião, densa e complexa. E a tontura se tornava cada vez mais intensa. Eu quase não conseguia mais raciocinar. Não compreendo como não percebi que havia algo anormal. Foram cinco dias de tontura e eu não medi nenhuma vez a minha pressão arterial.

Já no leito da UTI, sozinho, fiquei imaginando como a gente não consegue perceber a dor das pessoas. Como a humanidade seria melhor e mais saudável, se tivéssemos como regra, perguntar como as pessoas estão. Eu estava, há cinco dias, abrindo as veias do meu coração e meus gânglios (meus enzimas deviam estar fervendo) para um infarto ou AVC e não percebia.

Na segunda-feira, a tontura continuou muito forte, mas, segui com agendas desde as 6:30 da manhã. À tarde, quando eu estava indo para uma agenda com o governador, para tratar demandas do saneamento, eu já estava sentindo dificuldades na respiração, sentindo frio e suando. Eu não conseguia sequer reagir aos cumprimentos dos assessores do gabinete governamental.

Quando percebi que se intensificava uma dor no peito, muita dificuldade em respirar e, mesmo sentindo frio, eu suava, então pedi ajuda. O SAMU foi acionado e fui levado ao Pronto-socorro. Do SAMU, passando pela Sala de Emergência e INTO, até a UTI do HUERB, eu fui tratado pelo SUS.

Ali começou a minha experiência de quase morte, que eu não conseguia falar ou fazer sinais físicos para que os médicos percebessem e me entendessem. Ouvia quando eles perguntavam a minha idade ou o mês em que estávamos. No começo, conseguia responder parcialmente. Depois, fui perdendo, rapidamente, a capacidade física de reagir aos estímulos. Ouvia quando eles perguntavam se eu era hipertenso, se eu era diabético, qual o remédio que eu tomava pra pressão arterial, se eu fumava… Ali, eu vi o quanto são guerreiros aqueles profissionais. Foram agindo e me salvando, quase sem nenhuma informação médica sobre mim. Eles apertavam, com força, minhas pernas e meus braços, pra saber se eu estava sentindo. No início, eu reagia, mas, em seguida, eu não conseguia mais responder. Eu ouvia eles perguntando, mas, não sentia.

Então, percebi que eles me colocaram numa máquina pra fazer algum tipo de exame, tipo uma tomografia. Não sei quanto tempo durou, mas, o que aconteceu comigo lá dentro, foi uma eternidade, a minha experiência de quase morte.

Toda a minha região bucal ficou como se estivesse anestesiada, irradiando a dormência para o nariz, os olhos e a parte inferior dos ouvidos. Mas, eu ouvia longe os profissionais falando. Eu não sentia os meus pés e os meus braços. Era como se eles não existissem. Então, comecei a entender que estava morrendo e eu não podia fazer nada.

Minha mente estava intacta, mas, era como se meu corpo estivesse sendo consumido por uma máquina de anestesia, que triturava sem fazer barulho. Então, eu decidi organizar, na minha mente, a minha despedida. Mas, com uma revolta racional: eu não queria ir. Não aceitava morrer tão cedo. Vi meu velório e meus amigos. Foi terrível, uma dor que não se explica. Apesar da revolta, entendi que era irreversível, que eu precisava fazer valer meus últimos pensamentos. Meu primeiro ato racional foi de perdão. Pedi perdão a todos que passaram pela minha vida e depois disse: ‘Deus, perdoa todos também! Que não aconteça nenhum mal a quem, por qualquer motivo, desde que eu nasci, me fez algum mal. Tudo isso é pequeno e insignificante, eu amo todos, meu amor é infinito agora! Cuida, também, da minha família!’ Senti uma paz imensa naquele instante.

Aí comecei a cantar, mentalmente, a canção que eu cantara quatro horas atrás, pra fazer minha neta Marina dormir: “uma dia uma criança me parou, olhou-me nos meus olhos a sorrir, caneta e papel na sua mão, tarefa escolar para cumprir, e perguntou no meio de um sorriso, o que é preciso para ser feliz? Amar como Jesus amou, sonhar como…” Lembrei que, no final da manhã, Marina chegara da escola muito agitada, rebelde, inquieta, diferente de todos os outros dias. Naquele instante, entendi que Marina estava prevendo algo na sua inocência. Foi com essa música que a fiz dormir. Cantar aquela música, silenciosamente dentro da minha mente, naquele instante terrível, era como uma despedida carinhosa daquele pedacinho de gente que eu tanto amava.

Lembro ainda que, quando cheguei para almoçar, as 13:30 horas, disse para a minha mulher: “tem algo muito errado comigo. Ontem, domingo, tratei um assunto importante de trabalho com um de nossos dirigentes do Depasa, e hoje voltei a tratar. Eu, literalmente, esqueci hoje que já tinha tratado ontem. Acho que foi um sinal vermelho”. Só não sabia o que dizia o sinal.

Depois que cantei a música, uma porta gigantesca se abriu perante os olhos da minha mente: um abismo da cor do barro de um barranco do rio, como se fosse uma colossal planície entre montanhas silenciosas, que expeliam fumaça, com casas velhas sem telhado e sem portas. Figuras humanas se aproximavam e sussurravam palavras ininteligíveis pra mim, como se, desesperadamente, quisessem me avisar de algum perigo ou precisassem me ajudar. Vi que suas bocas e narizes eram apenas cicatrizes, e que havia um esforço imenso pra falar e não conseguiam. Seus olhos eram como dois ninhos de joão-de-barro, opacos e tristes, sem claridade, mas, havia um sinal distante de luz dentro deles, como aqueles pingos de canetas eletrônicas. Era como se passassem uma mensagem que havia alguma esperança, além da dor silenciosa, naquelas figuras mortas como o barro. Se aquela imagem fosse a do Purgatório, era algo comovente, assustador e esperançoso ao mesmo tempo.

Enquanto eu tentava entender aonde estava, uma tempestade de vento, como se fosse uma mão carinhosa e gigantesca, me arrastou para cima da montanha. Aí vi algo comovedor, uma mulher vestida de rosas. Não sei se era minha mãe ou era Nossa Senhora, só ouvi quando ela me disse: “meu filho”… Foi o instante em que senti vontade real de não voltar, de aceitar a morte como porta para aquele novo mundo, de abraçar aquela mulher e conhecer aquele mundo tão diferente, que pacificava a guerra que ainda ocorria na minha mente, como se fosse uma anestesia poderosa que, agora, desligava o meu cérebro, como última resistência da vida.

Então, ouvi outra voz, como se fosse um grito: “não desiste, Diniz! Luta!”

Não sei, também, se tudo foi apenas uma alucinação. Como poderia minha mente ‘ver’ tantas coisas e refletir sobre tantos cenários nunca vistos em tão pouco tempo? Lembrei que, quando sonhamos, principalmente quando é pesadelo, acreditamos que foram horas de sonho, mas, se comprova, depois, que foram apenas alguns segundos. O que sei é que senti e minha mente ‘viu’ todas essas situações fortes e sentimentais.

Foi quando percebi que estava sendo retirado do tubo da máquina de tomografia. Tentei sentir meu corpo e constatei que estava pior, braços e pernas sem tato nenhum e a região do rosto anestesiada. Tentei mexer minha mão, não conseguia, as penas, nada. Apenas conseguia abrir os olhos. Aí foi quando algo chamou minha atenção. Minha coluna doía e eu sentia calor, principalmente na região lombar. Nessa hora, eu decidi: vou lutar para que a vida que está na minha coluna vá para minhas pernas e meus braços. Nesse instante pedi: “Deus, manda vida e energia para as minhas pernas e meus braços”! Fiz também um esforço tremendo para mover minhas bochechas, para comprimir a gengiva e os músculos do rosto, nada reagia, mas, continuei tentando.

Todo o esforço da minha mente era pedir vida a Deus para os meus órgãos que estavam falindo e repetir dezenas de vezes que eu não ia morrer. No leito da UTI, sozinho, fiquei horas pensando o que podemos fazer (sociedade, medicina e poder político) para ajudar pessoas em situações como a que eu vivi.

Percebi quando me colocaram numa maca e ouvia vozes distantes: “pode levar, ambulância, não tem mais o que fazer, grande amigo, não pode ser…” Nessa hora eu me desesperei e não conseguia reagir. Não era justo eu estar sendo levado para o necrotério, se eu ainda estava vivo.

Nunca senti tanta impotência e tanto desespero, perceber que estava morrendo e os meus amigos e profissionais que estavam ao redor já tinham feito o que era possível. Cada porta em que a maca batia, pra mim, já era a entrada do necrotério, mas, a pedra fria não aparecia. Meu pavor aumentava, porque comecei a imaginar a exumação, ainda vivo, pois eu sabia que meu cérebro estava vibrando e minha coluna doendo, apesar de não sentir o restante do corpo.

Foi então que dois grandes sentimentos disputaram minha mente. O primeiro pedia que alguém me apagasse, que me dessem uma morfina, para estancar aquele sofrimento e não ser velado vivo, ou mesmo exumado e até sepultado. Foi horrível! Nessa hora, percebi o quanto a morte pode ser insuportável.

Queria tanto que alguém me ouvisse, que pudessem trazer rapidamente minha mulher e minhas filhas pra me abraçar. Nunca desejei tanto esse abraço, eu o queria mais que qualquer coisa. Eu sentia que não viveria mais, apenas queria um abraço.

Então, a minha coluna voltou a doer mais fortemente e eu passei a lutar pela vida, com a convicção de que ainda podia viver. É algo que a gente não consegue expressar, é como se você estivesse caindo num abismo e apenas as asas de um beija-flor tentassem te sustentar. Naquele instante eu decidi que lutaria pela vida até a minha última gota de sangue, que era uma necessidade eu voltar, para dizer para as minhas filhas que a vida é mais preciosa que uma montanha de diamante, que todos nós devíamos mudar, que, se possível, até mexer na substância de nossas próprias almas, que nada valia mais que o oxigênio que a gente respirava todos os dias, sem pagar taxa nenhuma, que tudo passa, especialmente o que é feio perante a vida, mas, é eterno o que é belo do ponto de vista da espiritualidade, do amor, da solidariedade.

Eu rezei muito forte, com toda a vibração da minha mente, da minha alma e da minha coluna vertebral. Pedia força a Deus pra não aceitar morrer, não apagar, e mandava ordens para que a minha coluna vertebral, que pulsava de dor, liderasse minhas pernas e meus braços. Ali, compreendi que a dor era a minha porta de volta pra vida.

Mentalizei as várias cirurgias que fiz na boca e relembrei que a imagem de ficar tudo inchado era fictício, uma percepção enganosa da anestesia. Isso me deu ânimo, de que não havia sequelas na minha boca.

No meio dessa luta terrível entre a vida e a morte, ouvi a palavra INTO, aí compreendi que ainda estava no meio dos homens e que atravessava corredores e entrava numa ambulância. Acho que ali restabeleci a consciência parcial do meu corpo e passei a acreditar que a morte seria vencida, passei a falar e até raciocinar, como pedir que minha mulher me acompanhasse na ambulância.

Encerro esse relato terrível, mas, sentimental, considerando que, além do esforço e do carinho dos profissionais da saúde e da tecnologia, dois fatores externos também ajudaram a me salvar. Acredito que as minhas caminhadas e a minha dieta de açúcar foram importantes para que eu resistisse àquele vendaval da pressão arterial.

Todavia, acho que foi a área límbica (amorosa, elástica e aberta) do meu cérebro, que fez a principal resistência. Acho que amar as pessoas é a maior de todas as comportas contra essas tempestades que, a qualquer hora, atingem o nosso coração.

Num outro dia, eu escrevo sobre as pessoas que me ajudaram a vencer essa travessia e agradecer o carinho que veio de tanta gente…

MOISÉS DINIZ

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