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Os adotados e o direito à informação

Por POR GABRIELLE GLASER

Tim Monti-Wohlpart começou a perceber as diferenças entre si e sua família adotiva desde muito pequeno, pois tinha a pele escura e o cabelo preto e todos os outros eram claros. Porém, só se motivou a procurar mais informações sobre seus antepassados quando, aos vinte e poucos anos, problemas médicos o forçaram a saber mais detalhes sobre a família biológica.

Só que por ter sido adotado no estado de Nova York, em 1971, não tinha direito legal a tais informações.

Monti-Wohlpart levou dois anos e gastou milhares de dólares com detetives particulares, no fim dos anos 90, para descobrir quem eram seus pais naturais e qual era a sua história. Desde então, o professor do Brooklyn e um dos fundadores da Coalizão pelos Direitos do Adotado de Nova York, vem batalhando para permitir que os nova-iorquinos adotados tenham acesso a quase 650 mil certidões de nascimento. “Acho que é um direito humano fundamental conhecer as próprias origens”, afirma.

Desde os anos 80, as adoções realizadas dentro dos EUA são abertas, o que significa que a família biológica escolhe, e muitas vezes mantém contato, com a família adotiva. E, graças a esse arranjo, várias informações geralmente são trocadas entre ambas.

A questão dos direitos de adoção é mundial/Foto: Reprodução

Entretanto, para os milhões de adotados antes desse período, a identidade dos pais continua um mistério perturbador. A falta de dados é um peso psicológico, além de dificultar as decisões médicas, uma vez que é o histórico de saúde que ajuda a guiar o tratamento de doenças como diabete e câncer de mama. Muitos vão buscar mais detalhes nos kits de DNA, na esperança de encontrar um parente distante que possa levá-los aos membros diretos da família.

A questão dos direitos de adoção é mundial.

“Imagine que a sua vida é um museu, com uma Ala Leste e a outra, Oeste. A primeira você conhece super bem, mas quando tenta explorar a segunda, o segurança chega e diz, ‘Desculpa aí, rapaz, você não pode entrar’”, compara Monti-Wohlpart, 46 anos.

A questão dos direitos de adoção é mundial. No mês passado, o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, se desculpou com pelo menos 126 pessoas adotadas entre 1946 e 1969, cujas certidões de nascimento foram falsificadas para fazer parecer que seus pais adotivos eram os biológicos. Outros países, do Reino Unido à Finlândia, passando por Israel, abriram os registros aos adotados. Em 2013, a então primeira-ministra australiana, Julia Gillard, se desculpou com um sem-fim de mães solteiras que foram forçadas a entregar seus bebês nos anos subsequentes ao final da Segunda Guerra Mundial.

Nos EUA, a questão é uma das poucas a transcender a divisão partidária. Nove estados, incluindo Oregon, Maine e Alabama, permitem aos adotados acesso irrestrito às certidões de nascimento originais. Nova York, Califórnia, Texas, Flórida e Novo México estão entre os que possuem as leis mais restritivas, embora haja muita gente batalhando por mudança.

Quando a adoção fechada era norma, os filhos fora do casamento eram profundamente estigmatizados. Por isso, os defensores do processo alegavam estar protegendo as crianças da pecha da ilegitimidade, garantindo também que os pais adotivos não vivessem com o medo de que, um dia, os progenitores originais tentassem interferir na família nova.

Descobri que essa legislação tinha um motivo de ser mais sombrio: a proteção contra um comércio ilegal que vendia bebês roubados a casais desesperados. Uma das ladras mais famosas foi Georgia Tann, assistente social de Memphis, no Tennessee, que agiu de 1924 a 1950, surrupiando até cinco mil bebês de mulheres carentes na própria sala de parto, ou mesmo descaradamente, do lado de fora. Ela anunciava as crianças disponíveis em catálogos refinados de sua agência e, ao lado do advogado, fechando negócio com clientes famosos no país inteiro, incluindo Joan Crawford e Pearl S. Buck, segundo a escritora Barbara Bisantz Raymond.

Não há evidências de que os clientes de Tann soubessem de seus métodos nefastos, mas tanto ela como seus asseclas defendiam a legislação estadual que fechava os registros de adoção e nascimento. De fato, o governador de Nova York em meados dos anos trinta, Herbert Lehman, pai adotivo de três filhos, foi supostamente um de seus clientes. E acabou aprovando uma série de leis que selaram as certidões de nascimento originais dos adotados no estado.

A Câmara Estadual está analisando um projeto de lei que permitiria acesso a esses registros antes do recesso, na quarta. Se aprovado, Nova York passará a fazer parte do grupo de estados que reconhece os direitos dos adotados à sua própria história.

Esforços semelhantes foram defendidos no estado, nos anos 70, mas sem resultado. A oposição incluía uma coalizão incomum entre alguns bispos católicos e a Associação de Advogadas do estado de Nova York. Os membros da Igreja alegavam que a abertura dos registros tornaria as adoções menos atraentes como alternativa ao aborto; a instituição legal afirmava que tal lei anularia a promessa de confidencialidade feita aos pais biológicos.

Precisamos priorizar os direitos dos adotados para que possam conhecer sua história

Em minhas pesquisas, concluí que a preocupação com essa privacidade é exagerada, principalmente levando-se em consideração o bem-estar do adotado. E há poucas evidências de que lhes foi prometida uma confidencialidade permanente; de fato, uma análise detalhada dos documentos assinados por mães de 26 estados não encontrou nenhum termo que oferecesse anonimidade perpétua.

Na verdade, a grande maioria das mulheres que entrevistei e que concordaram com a adoção fechada, anos atrás, simplesmente por ser o padrão, hoje não só entende que compartilhar informações com seus filhos adultos é importante, como defende a abertura dos registros.

Lorraine Dusky, escritora que abriu mão de uma filha quando era uma jovem solteira, no estado de Nova York, em 1966, também apoia a abertura. No livro de memórias que lançou em 2015, afirma que nos estados que ofereciam às mulheres a chance de remover seus nomes da certidão de nascimento original, pouquíssimas optaram por fazê-lo – o equivalente a menos de 1%.

Nova Jersey, que aprovou uma lei garantindo a adotados adultos o acesso às suas certidões de nascimento originais, em 2014, permitia aos pais a remoção de seus nomes antes da abertura dos registros, em 2017. Calcula-se que houve 300 mil adoções entre 1940 e 2015, e somente 558 pais biológicos pediram para ter os nomes removidos, de acordo com o órgão estadual de registros de estatísticas vitais.

No Reino Unido, que abriu as certidões há mais de 40 anos, a questão foi cuidadosamente examinada – e um estudo concluiu que 94% das mães biológicas com quem os filhos fizeram contato se sentiram satisfeitas.

Além da simples divulgação de registros passados, culturalmente precisamos priorizar os direitos dos adotados para que possam conhecer sua história e tomar medidas para garantir que essas informações se mantenham disponíveis no futuro.

Peter Franklin, 51 anos, é um adotado que se encontrou com a mãe natural e os irmãos há décadas. Para o farmacêutico e veterano de Nova Jersey que fundou um grupo de militares chamado Adotados Sem Liberdade, as leis fechadas representam um anacronismo gritante.

“Damos ao soldado adotado uma arma e lhe confiamos a responsabilidade da proteção do país, mas não lhe damos acesso à própria certidão de nascimento. É injusto com ele e com quem precisa saber seu histórico médico. Aliás, é injusto com todo mundo; está na hora de acabar com essa discriminação”, desabafa.

Gabrielle Glaser é escritora e atualmente está trabalhando em um livro sobre adoções nos EUA pós-guerra. Sua obra anterior, “Her Best-Kept Secret”, explora a história do alcoolismo feminino nos EUA.

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