A campanha eleitoral proporciona ao eleitor a oportunidade de conhecer os programas dos candidatos e analisá-los em função das demandas do País. O saneamento básico deve ser, sem sombra de dúvida, uma das principais prioridades para o próximo presidente, diante dos impactos que os avanços do setor podem proporcionar à população brasileira.
Investir em saneamento, o que depende apenas de vontade política, reduz a mortalidade infantil, as internações por doenças infectocontagiosas, oferece melhores condições para o desenvolvimento urbano e turístico, cria empregos e desenvolvimento tecnológico da engenharia nacional, entre muitas outras conquistas. Na saúde, por exemplo, os impactos são incontestáveis: para cada dólar investido em saneamento podemos economizar US$ 4,3 em despesas com saúde pública, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A História tem demonstrado que nas últimas décadas os investimentos em saneamento pecaram pela falta de planejamento. O resultado é o desperdício de dinheiro público e o ataque ao bolso dos contribuintes. Os exemplos multiplicam-se de norte a sul do País, como já revelou em 2015 um relatório do Tribunal de Contas da União . Auditoria realizada entre janeiro e junho de 2014 avaliou a situação e a gestão das obras realizadas via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e II), que integravam o Programa de Serviços Urbanos de Água e Esgoto do Ministério das Cidades. No total foram investidos R$ 10,4 bilhões em 491 contratos de repasses firmados pelo ministério entre 2007 e 2011. Análise do documento revela que, do total previsto para esses empreendimentos, apenas 58 contratos foram concluídos (11,81%), com o investimento somente de R$ 587 milhões (5,64 %).
Os entraves afetam todos os entes da Federação: municípios, Estados e União. Até hoje, apenas cerca de 30% das prefeituras cumpriram o Plano Municipal de Saneamento, uma obrigatoriedade estabelecida pela Lei do Saneamento Básico, promulgada em 2007. Para as localidades em atraso, a benesse federal tratou de resolver a situação com uma canetada. O presidente Michel Temer assinou, no final de 2017, decreto prorrogando por mais dois anos o prazo de entrega do documento. Caso contrário, os municípios corriam o risco de deixar de receber recursos federais.
Mesmo com a nova determinação, a maioria das 5 mil cidades brasileiras não tem condições de produzir o documento simplesmente porque não dispõem de condições técnicas para tal. Mais de 80% dos municípios brasileiros nem sequer contam com um profissional de engenharia capaz de orientar uma licitação na área de saneamento. Aliás, boa parte dessas localidades não consegue atender às exigências federais para obter recursos financeiros para esses empreendimentos simplesmente pela incapacidade de produzir projetos adequados.
O próximo presidente terá o papel de reverter essa situação com determinação. Mas primeiro será preciso oferecer orientação técnica aos municípios e manter a obrigatoriedade com o novo calendário estabelecido. Caso contrário, vamos continuar relegando o saneamento ao segundo plano de prioridades do País.
A atração de investimentos privados para o saneamento requer ainda um ambiente com maior segurança jurídica do setor. O próximo presidente terá a missão de resolver esse emaranhado, começando com a questão da titularidade do saneamento, que é municipal – cabe a esse ente toda a responsabilidade sobre o setor. Segundo a legislação, isso obrigaria à criação de agências reguladoras, dobrando o número de agentes envolvidos no acompanhamento de obras e serviços de infraestrutura. A continuação dessas determinações vai tornar inviáveis os sistemas de saneamento, onerando tarifas e burocratizando ainda mais a área. A solução passa pela reorganização do gerenciamento dos recursos hídricos por esferas que comportem um número maior de municípios. É possível criar organizações que respondam por bacias hidrográficas, regiões ou até por Estados. Ganha-se numa estrutura com maior eficiência e também em escala.
A revisão tarifária dos serviços de abastecimento e esgotamento sanitário também é quesito fundamental para o desenvolvimento do setor. A maioria das companhias de saneamento trabalha com déficit orçamentário. Os recursos arrecadados são destinados à manutenção dos serviços básicos e insumos, como pagamento de funcionários, energia elétrica e produtos químicos, entre outros. Com isso o setor não dispõe de recursos financeiros para investir em novos empreendimentos e ampliação dos sistemas de água e esgoto. Esse panorama é resultado da forte ingerência política nessas corporações, perpetuando um ciclo vicioso de manutenção de tarifas baixas, mas sem a arrecadação de recursos suficientes para ampliar os serviços. A população pobre pode ser beneficiada com tarifas específicas. O que precisamos é entender que sem cobrar adequadamente pelo serviço impedimos a sua expansão.
O futuro presidente tem a árdua missão de quebrar paradigmas na área de saneamento e transformá-lo em política pública de Estado. Só por esse caminho avançaremos na melhoria da qualidade de vida da população. Uma necessidade urgente que vai promover profundas mudanças no País, com reflexos tanto na área econômico como na área social. Sem investimentos no setor vamos continuar deixando um legado de subdesenvolvimento para as futuras gerações, capaz de impactar seriamente o desenvolvimento da Nação.
É hora de mudar e avançar.
LUIZ PLADEVALL É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE EMPRESAS DE CONSULTORIA E SERVIÇOS EM SANEAMENTO
E MEIO AMBIENTE (APECS) E VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL (ABES-SP)