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Há cura para a polarização política

Por POR HELIO GUROVITZ

Um enigma assombra a eleição deste ano no Brasil. Não apenas quem vencerá. Mas que será da política brasileira no ano que vem? Em que medida a polarização eleitoral terá impacto na capacidade (e, por tabela, na qualidade) de governo do futuro presidente?

Em diálogo na semana passada com o cientista político Steven Levitsky, da Universidade Harvard, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o cientista político Marcus Mello, da Universidade Federal de Pernambuco, se revelou um otimista.

“Não há no Brasil, como noutros países, um conflito aberto entre Executivo e Legislativo”, disse ele. É do interesse de ambos uma reaproximação depois da eleição – e a própria natureza do nosso presidencialismo de coalizão, de acordo com Mello, fornece os instrumentos para isso.

Mas e a ferida aberta depois do impeachment de Dilma Rousseff? Não acirrou a polarização a ponto de tonar inviável o governo, já que, quem quer que seja o vitorioso, haverá uma oposição ruidosa nas ruas – sejam petistas derrotados em sua pretensão de resgatar o poder, sejam antipetistas hoje aglutinados em torno da candidatura Jair Bolsonaro?

Para responder à questão, é importante levar em conta que o grau de polarização na sociedade brasileira, embora certamente deva ter crescido depois do impeachment – como eu mesmo supunha há dois anos e meio na série “A armadilha da polarização na política” –, não pode ser comparado ao de países como Estados Unidos ou Argentina.

“Não obstante a crescente importância dos sentimentos partidários na determinação do comportamento dos eleitores no pleito presidencial, não há evidências de que tal movimento estaria associado a um aumento da polarização”, afirmam os cientistas políticos André Borges, da Universidade de Brasília, e Robert Vidigal, da Stony Brook University, num estudo publicado em abril.

Eles analisaram resultados das eleições de 2002 a 2014 para tentar entender até que ponto o comportamento dos eleitores era motivado por preferências partidárias e inclinações ideológicas, sinais da polarização. Também verificaram se, ao longo do tempo, ela se agravou.

Confirmaram a constatação anterior: mais da metade do eleitorado não se identifica com nenhum dos dois polos partidários, parcela que chegou a 70% em 2014. “Eleitores indiferentes que não distinguem claramente PT e PSDB constituem o segmento numericamente mais importante do eleitorado e, portanto, de maior relevo para as estratégias partidárias”, escrevem. Partidários extremos, que representam a polarização de modo mais agudo, flutuam entre 17% e 21%.

A identificação partidária se dá, mais que entre petistas e tucanos, entre petistas e antipetistas. “Metade do eleitorado antipetista não simpatiza com o PSDB ou simplesmente não conhece ou não possui informação suficiente para avaliar o principal adversário do PT”, afirma o estudo.

Ao investigar a posição dos eleitores sobre diferentes questões, como cotas, redistribuição de renda, impostos ou privatizações, constataram não haver diferenças significativas nos dois polos. As únicas estatisticamente notáveis, em cotas e privatizações, são irrisórias. Isso desmente a noção de que a sociedade brasileira esteja cindida ao meio.

Mais que isso, os antipetistas que não simpatizam com os tucanos, em vez de representar uma nova direita, se aproximavam mais das bandeiras de esquerda do próprio PT. “Mesmo em questões que dividem tucanos e petistas, a exemplo das cotas raciais, não é possível encontrar diferenças expressivas entre os antipetistas e os eleitores mais fortemente identificados com o PT”, dizem.

Ao analisar a evolução das preferências ao longo do tempo, não constataram acirramento na polarização. “Não há evidências concretas relativas a um suposto aumento da polarização partidária nos últimos anos”, afirmam. “Pelo contrário, as diferenças atitudinais entre petistas e tucanos são de pequena monta, e a distância ideológica entre os extremos da escala de partidarismo se reduziu ao longo do tempo.”

Como o estudo só pôde ser realizado com dados até 2014, ele obviamente não permite desvendar o impacto eleitoral do impeachment ou da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sentimento do eleitor. Nem fornece uma explicação para a aparente aglutinação do polo antipetista em torno da candidatura Bolsonaro.

“Não há como saber se a votação de Bolsonaro reflete, de fato, um crescimento do eleitorado conservador ou se se trata apenas de resultado conjuntural da fragmentação da centro-direita e da ausência de um candidato tucano sólido”, dizem Abreu e Vidigal nas conclusões.

Eles se mantêm céticos: “Só se pode falar em polarização quando se verifica crescimento dos eleitores em ambos os extremos do espectro ideológico e redução concomitante da viabilidade eleitoral de candidaturas centristas. Essa hipótese nos parece extremamente improvável e, certamente, não pode ser corroborada a partir das pesquisas eleitorais”.

Tanto Mello quanto Abreu e Vidigal nos dão motivos para algum otimismo. Não que o Brasil tenha passado incólume pela maior crise política desde a redemocratização. Mas as feridas estão mais no sistema político que na sociedade. Mesmo que a polarização possa ter se agravado, não há nenhum sinal de que seja irremediável.

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