Mais de 80% dos brasileiros que irão em outubro às urnas são de fé cristã, entre católicos e evangélicos. Os ateus quase não existem neste país. Os candidatos às eleições presidenciais ou são de origem cristã ou fingem, pois todos eles procuram igualmente neste momento as bênçãos de bispos e pastores, prostrando-se em templos e catedrais, já que um punhado de votos bem vale uma missa.
Mas esses mesmos políticos que procuram proteção sob os altares talvez não gostassem de escutar algumas frases, duras como pedras, pronunciadas há quase 2.000 anos por Jesus Cristo contra “os falsos profetas”, de quem dizia: “Vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores”. Como reconhecê-los? Não só por suas promessas que podem ser vazias ou repletas de hipocrisia, mas por seus feitos. “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos?” (Mt.7,16)
O cristianismo primitivo se inspirava nas atitudes que haviam guiado a pregação do Mestre, sobretudo em sua insistência contra o farisaísmo, a hipocrisia e os que enganam as pessoas simples. Jesus gostava do sim ou do não. “Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te”, recorda o Apocalipse (3,15).
Se analisássemos essas afirmações taxativas das Escrituras e as aplicássemos a muitos dos candidatos que se dirigem às pessoas em busca de seu voto, veríamos que continuam atuais. Continuam vigentes os disfarces, por exemplo, de candidatos que cresceram e prosperaram na velha guarda do conservadorismo, do patrimonialismo, do caciquismo, e hoje se apresentam disfarçados de “políticos renovados”, de novos redentores. Acaso os espinheiros podem dar uvas?
Candidatos que se apresentam como os paladinos da moral e dos bons costumes e não têm vergonha de confessar que o dinheiro do auxílio-moradia do qual desfrutaram durante anos em Brasília sem dele precisar foi usado “para comer gente”, eufemismo para pagar prostitutas.
Candidatos incapazes de serem frios ou quentes para conseguirem agradar a todos, e que acabam provocando vômito, na gráfica expressão da Escritura. Candidatos que, como canta Gilberto Gil, com palavras dizem sim e com os fatos dizem não. Melhor os que são capazes de confessar que ninguém tem a pedra filosofal para resolver todos os problemas acumulados em anos de governos incompetentes ou ambiciosos, e que não oferecem mais do que acreditam que poderão realizar.
Os representantes das igrejas católicas e evangélicas deveriam estar atentos ao oferecerem acolhida e apoio em seus templos, às vezes no anonimato da noite, àqueles políticos que em vez de irem se inspirar na fonte dos Livros Sagrados comparecem como mercadores de votos. Para eles há também uma passagem dura do Evangelho: quando Jesus, ao entrar no templo de Jerusalém e ver os vendedores fazendo comércio com os fiéis pobres, depois de ter jogado as mesas no chão os repreendeu e lhes disse: “Minha casa é uma casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mt.21,12ss). Os estudiosos das escrituras, tanto católicos como protestantes, concordam que foi aquele gesto contra o comércio do sagrado a gota d’água que levou as autoridades do templo, em conivência com as autoridades civis romanas, a acabarem com a vida do profeta incômodo.
Às massas de cristãos que vão aos templos e escutarão neste período de seus pastores religiosos os chamados para votar nos políticos, a essas massas de gente pobre sempre à espera de um milagre que redima suas penas, a elas é preciso recordar que nessa Bíblia que está nas mãos de seus guias espirituais há uma passagem do profeta Ezequiel, dirigida aos governantes e que hoje parece de uma pungente atualidade. Sobre eles, diz:
“Vós não fortaleceis as ovelhas fracas; a doente, não a tratais; a ferida, não a curais; a transviada, não a reconduzis; a perdida, não a procurais; a todas tratais com violência e dureza. Assim, por falta de pastor, e em sua dispersão foram expostas a tornarem-se presa de todas as feras.” (Ez.34,4ss)
O Brasil precisa com urgência encontrar alguém capaz de sentir o clamor dos que procuram quem possa reconciliar o país, que seja guia sobretudo dos que sofrem o abandono, dos mais expostos aos perigos de serem devorados por uma política capaz de olhar só para o próprio umbigo, esquecendo-se do que realmente esta sociedade, embora irada e dividida, parece estar procurando em vão.