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Opinião: um olhar para a primeira infância

Por POR PRISCILA CRUZ

Uma política social que está na boca de todos os candidatos à Presidência da República neste ano é a primeira infância. Ainda que essa ênfase seja positiva, uma vez que investir com qualidade nas crianças de 0 a 6 anos é determinante para sua vida e para o futuro do País, será que os candidatos entendem o que é política para a primeira infância? Um erro muito comum, por exemplo, tem sido confundi-la com dar acesso a creche e à pré-escola, o que é uma visão restrita do que se pode fazer, de forma equivocada.

O Todos Pela Educação vem trabalhando há muitos meses numa agenda detalhada de políticas educacionais para darmos um salto de qualidade na educação brasileira nos próximos anos. Partimos de uma visão sistêmica, estabelecemos um sequenciamento de políticas para resultados melhores e mais sustentáveis, fizemos cálculos orçamentários e definimos orientações de implementação e aprovações normativas necessárias. A partir desse planejamento estratégico para a educação brasileira, identificamos sete medidas prioritárias para a próxima gestão, que de forma sintética são: primeira infância, professores, alfabetização, efetivação da Base Nacional Comum Curricular, novo modelo de ensino médio, governança e gestão e financiamento. Dentro de cada uma delas há uma série de ações que têm como princípios a garantia de qualidade com equidade e inclusão e a aprendizagem para o desenvolvimento integral da pessoa, preparando-a para uma sociedade e um mercado de trabalho mais complexos e tecnológicos.

A primeira das sete medidas é justamente a primeira infância. As intervenções nestes primeiros anos têm efeitos duradouros por toda a vida. Os cuidados e investimentos que dispensamos a elas agora são uma forma de vermos o amanhã: como serão a aprendizagem dos alunos, a evasão no ensino médio, a saúde e a renda dos brasileiros.

Um bom começo é meio caminho andado para que as crianças aprendam tudo o que é seu direito aprender ao longo da educação básica. E não é só uma expressão, é o que dizem enfaticamente pesquisas e estudos de larga escala.

Mas no Brasil o que temos é… um mau começo para milhões de crianças, um descaso irresponsável com as políticas voltadas às crianças entre 0 e 6 anos, nos três âmbitos da Federação.

Uma política para a primeira infância que honre essa denominação deve envolver ações integradas de várias áreas. Temos defendido no Todos Pela Educação que seja de, ao menos, cinco áreas: educação, saúde, assistência social, cultura e esporte. Este é um patamar mínimo, pois é desejável articular também emprego e geração de renda das famílias, combate à violência, meio ambiente, entre outras políticas.

Apesar disso, insistimos no erro de fazer desaparecer temas relevantes para a primeira infância, persistimos em ações isoladas e descontínuas, na contramão de como as crianças se desenvolvem. O desenvolvimento infantil não espera nem acontece de maneira compartimentada: os pequenos são complexos e altamente influenciáveis por tudo aquilo que ocorre a seu redor. Não podemos pedir às crianças que esperem nem lhes dizer que o assunto é com outra pasta. O tempo da infância é o do já. Seu lugar é de prioridade absoluta nas gestões públicas, como prevê, com lucidez, a Constituição federal no artigo 227.

Para termos uma política forte, abrangente, equitativa e eficaz voltada a esta fase da vida é preciso uma gestão que decida colocar a área como prioridade de governo – não de um ministério. É necessário haver articulação interna e força para colocar diversos ministérios juntos e alcançar sinergia entre União, Estados e, principalmente, municípios, em ações que proporcionem um atendimento integrado e integral, entrelaçando áreas diversas. Para isso, Presidência da República, Casa Civil, Planejamento e Fazenda precisam andar de mãos dadas com a área social. O mesmo vale para os Três Poderes: é imperativo que Executivo, Legislativo e sistema de Justiça formem uma aliança em prol da primeira infância.

O espaço dessa política também é muito importante. É ele que dá concretude. Precisamos de lugares de convivência para as crianças de 0 a 6 anos, que estejam articulados com as instituições de educação infantil – creche e pré-escola –, nos quais as crianças e sua família tenham acesso aos serviços que vão promover seu desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional, como o acompanhamento pré-natal, orientação para amamentação, sala de leitura e “contação” de histórias, vacinação, iniciação esportiva e atividades físicas, serviço nutricional e orientações para as famílias.

Os resultados educacionais dependem de uma série de fatores: do que acontece no contexto familiar, na comunidade e na escola; do nível socioeconômico das famílias das crianças; da dinâmica entre a capacidade técnica e a vontade política dos governos; da escolha, da modelagem e da implementação das políticas públicas; dos recursos financeiros, físicos e de pessoas. E as conquistas dessa combinação dependem de um bom início. Um excelente começo é uma excelente primeira infância. Uma vez garantidas condições saudáveis para o desenvolvimento múltiplo das crianças, elas vão ingressar no ensino fundamental e, com hipóteses e aprendizagens sobre o mundo mais desenvolvidas, estarão alfabetizadas até a 2.ª série e fortalecidas para continuar aprendendo no resto da educação básica e na vida.

Melhorar a vida das crianças menores é melhorar toda a Nação. É criar um projeto de país que almeja segurança pelo caminho do cuidado e das oportunidades; que dará melhores chances de trabalho e renda às mulheres e às mães; que dará mais atenção à saúde da família; que garantirá espaços de cidadania nas comunidades para o convívio com a leitura, as artes e o esporte. Melhorar a vida das crianças é a iniciativa política que levará a sério o combate às desigualdades, a semente de um começo bom para o País.

*FORMADA NA HARVARD KENNEDY SCHOOL, É COFUNDADORA E PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

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